A Razão do Monólogo

por Will
Imagem destacada, “Warrior Castle”, de Timur Kvasov, disponível em https://www.artstation.com/artwork/XyZA0

Terminando nosso trio de artigos sobre aprimoramento de Adversários, que começou lá em Sombra e Luz, e depois passou por A Vilania, hoje trataremos daquele que justifica as longas e intermináveis frases de vilões antes da cena final: a mania do lunático, a obsessão do conquistador, o ódio do genocida, o Objetivo do vilão.

Pra começar é bem possível que o Objetivo seja o ponto mais fácil de ser trabalhado, uma vez que você tenha definido a Vilania e as Relações. O caminho contrário pode ser traçado também, mas não facilita muito a construção do Enredo. Sabendo o quão odioso e vilanesco seu Adversário será para seus jogadores, e qual a ligação entre eles, determinar um objetivo para o Adversário em questão é basicamente escolher entre as opções criadas pela construção, aquela que melhor alimentaria uma colisão entre os jogadores e o Adversário.

Mesmo nestes casos em que a escolha do Objetivo é mera consequência da construção das Relações com a Vilania, para que isso contribua para o enredo é necessário que haja um motivo para aquele Objetivo ser a meta traçada para o vilão.

Em um exemplo: o Adversário tem a relação de Rival com um dos jogadores. O grau de Vilania dele é tão brilhante quanto os jogadores, e o Objetivo dele é conquistar a mesma donzela que, digamos, o paladino do grupo corteja.

Só isso basta?

Basta. Você tem uma excelente trama aí e consegue tocar, pelo menos, algumas missões secundárias com o seu grupo, ou até principais se a donzela for significativa para campanha.

No entanto, quando você explica o Porquê do Objetivo, dentro do contexto considerado da Vilania e das Relações, cria-se uma trama que fornece muitas ideias sem a necessidade de brainstorms constantes.

Vamos ao mesmo exemplo utilizado acima: Rival, Tão Brilhante Quanto cujo Objetivo seja a mão da mesma donzela que o paladino do grupo.

Por que ele a quer?

Inveja: No fundo, o Rival é uma farsa, ele se passa de digno, altivo e benevolente, mas o que ele deseja é tomar para si e negar a felicidade de outrem. Aqui você consegue montar uma mudança no comportamento dos jogadores em relação a ele, no momento que descobrirem isso, e também mostrar que ele não é tão Brilhante assim. A campanha passa a ter contornos mais investigativos, com pistas indicando o mau caráter do Rival ou então outras histórias que contradizem a atual boa imagem dele.

Amor: Clássica, o Rival está de fato apaixonado pela donzela, não há tramas mais profundas aqui, o sujeito realmente acha que ela é sua cara metade e está disposto a enfrentar o que for preciso para conquistá-la. A campanha toma ares de competição, não tem o que investigar sobre o sujeito, até tem, mas isso só vai levar ao fato de que ele é um poço raso e transparente e, sim, vencê-lo nas graças da donzela, a disputa se torna acirrada conforme o Rival começa a se destacar nos atos dele. Se ele for Tão Brilhante Quanto, pode dar uma boa rivalidade como pano de fundo para uma longa campanha, eclodindo no clímax de um duelo honrado ao final, ou então um pacto de lealdade em aceitar a decisão da donzela (uma boa reviravolta aqui, ela não escolhe nenhum dos dois, forma-se um bromance!).

O que quero dizer é que mesmo quando você já dá contornos para seu Adversário, o Objetivo e a Motivação por trás disso fazem toda a diferença. Essa trama de valores escolhidos para o PdM gera material o suficiente para ser montado em um enredo farto, sem a necessidade de criar tramas complexas, com desinformações constantes e becos sem saída.

Além da Motivação, existe também a maneira como o Adversário liga o Objetivo às Motivações dele, é o chamado Método. Uma pessoa boa, entenda como altruísta, no exemplo acima se utilizaria de um método competitivo, tentando impressionar e se mostrar melhor à donzela que o paladino. Uma pessoa maligna, egoísta por excelência, poderia usar um método mais rápido, eliminando a concorrência, ou por ser impaciente ou por não confiar tanto em sua capacidade de conquista.

Embora os Métodos sejam julgados como bons ou ruins, baseado em nossa perspectiva moral, eles não precisam necessariamente refletir os graus de Vilania, embora devam ter algum nexo com a Relação.

Um Rival de comportamento Mais Escuro pode estar cansado da selvageria e brutalidade de seus métodos e prefere conquistar a dita donzela de uma maneira genuína e sincera, e talvez, dessa maneira, se livrar um pouco da crueldade que se cerca. Um Rival que seja Tão ou mais Brilhante poderia não ter escrúpulo algum em queimar a reputação do paladino, no mesmo exemplo, retratando e divulgando na cidade as ações brutais e os comportamentos erráticos do nosso PJ. É uma tática sórdida e, normalmente vista em mãos de vilões, a destruição de reputações, mas se o que for divulgado é, de fato, verdadeiro, não compromete a fachada de integridade do Rival.

Podemos utilizar outros exemplos que, vistos normalmente como ferramentas egoístas e altruístas, podem ser utilizadas pelos lados Brilhante e Escuro da Vilania:

Chantagem: normalmente ferramenta e método de Adversários Escuros, porém se a chantagem for de revelar algum segredo escuro dos jogadores que tenha relevância para alguém que se importa com a reputação deles, e que isso faça a diferença nas decisões da história, é certamente algo que um Adversário Brilhante faria.

Exemplo: Dois grupos competem pelo favorecimento do rei. O vencedor fará a escolta da família real na próxima caçada, em meio às disputas e serviços, o líder do grupo rival dos jogadores avisa que se eles não recuarem, será obrigado a revelar ao rei que o grupo deixou uma escolta anterior terminar em morte.

Heroísmo: como o próprio nome diz, é coisa de herói, e é provavelmente o exemplar do altruísmo na ação, ferramenta digna dos mais Brilhantes personagens, ela traz consigo um componente de redenção. É a possibilidade, e esperança, de que através dos atos certos, o mais Escuro déspota consiga seu objetivo. É algo bastante peculiar e muitas vezes uma válvula de escape na tensão, principalmente quando o Adversário não está acostumado com as consequências do heroísmo.

Exemplo: O Adversário era um Indiferente, destruiu vilas, apagou fronteiras, renomeou regiões e desfez acidentes geográficos. Em algum momento, nas centenas de vitimas que fez em sua violência, ele teve um pequeno filho, um raio de sol. A criança viveu belos quatro anos e foi tomada do mundo por uma tuberculose peculiarmente veloz. Contatando sacerdotes, o Adversário descobre que a alma de seu filho está entre o paraíso das pessoas boas, e que isso será negado a ele devido a brutalidade que tem. O Indiferente se torna, então, um RIval, tentando desfazer todas as maldades e se redimir diante dos homens e dos deuses para poder se encontrar com seu filho no além vida.

Assassinato: É Caim, seu legado não têm outras mãos que não as de Adversários Escuros, tomar vidas, ceifar histórias, negar o futuro e, dentre outras consequências, que a perda de uma vida traz. Matar alguém não deveria ser um método Brilhante e, no entanto, é um facilmente adaptado para isso. Torna-se bastante tolerável quando a morte é a única solução para o problema, mas sabemos que nas mãos do Mestre podem existir alternativas: para PJ, pois para Adversários a vida não é tão generosa.

Exemplo: Enredo de Baldur’s Gate, o jogo eletrônico, I e II, é obrigação do rpgista jogar, mas também podemos adaptar: Um Arquidemônio devastou o reino de Lamúria por décadas, foi finalmente vencido por um grupo de sacerdotes que conduziram um ritual de selamento. Acontece que o ritual não era exatamente permanente e o Arquidemônio está preso aos pedaços dentro de cada um dos sacerdotes, e passa para os descendentes deles. Um deles acaba perdendo o controle e o Arquidemônio assume o corpo e passa a caçar os outros para canibalizar os corpos deles e retomar seus pedaços. O inferno o segue aos calcanhares, de maneira mais intensa que o Dark Wanderer de Diablo II. O Adversário é um Deuteragonista, um clérigo exaltado da mais pura ordem de sacerdotes altruístas dedicados a uma deidade benéfica que, assim como os jogadores, quer parar o Arquidemônio, só que ele não têm acesso a ferramentas e criatividade que os jogadores, e só sabe que somente matando os sacerdotes e os descendentes deles, a criatura irá parar. Ele, então, atravessa o reino atrás dos sobreviventes, tomando as vidas deles da maneira menos dolorosa possível, queimando-lhes os corpos e garantindo que as almas deles cheguem aos devidos paraísos.

Assim segue, o Orgulho é defendido tanto pelos bons quanto pelos ruins, o Sacrificio toma formas heroicas ou egoístas, dependendo exclusivamente do objetivo a ser alcançado. A Necromancia é um método bastante explorado por forças do mal, e também têm exemplos práticos e claros de como seria extremadamente benéfica. Algumas práticas mais extremas costumam ser difíceis de serem contornadas para um ou para o outro, mas em geral é possível aplicar os métodos para ambos Brilhantes ou Escuros, sem que isso mude seu Grau de Vilania. Provável, porém, que isso afete como os jogadores se sentem em relação ao Adversário e, às vezes, até mesmo a relação do Adversário com os jogadores.

Ao longo destes últimos três artigos, construímos essa relação, esse tripé de informações que preenchem a personalidade dos Adversários, e com isso teremos um norte de como montaremos a ficha que reflita as capacidades na forma com que a mente deles funcione.

Claro que cada uma das três possui suas próprias complexidades, mas em geral a combinação leva a um enredo simples que deve, de uma maneira ou outra, chegar aos ouvidos do jogador.

O Adversário que criamos é como um filho, não criamos para nós mesmos admirarmos e guardarmos em um pote, criamos para o mundo. No caso dos Adversários, ele foi feito para os PJs. E, por isso, é essencial que eles sintam que a criatura que eles enfrentam, o rival, vilão, inimigo, o que for, tenha vida, reflita algo no mundo e faça sentido na luta entre ambos.

Enfrentar um adversário sem motivação costuma ser algo mecânico, com tendência a tornar-se cada vez mais tedioso conforme os atritos se seguem. É um erro comum e é sentido em campanhas mais longas quando os jogadores sentem que a luta deles não têm uma razão maior que rolar dados e causar danos.

Um adversário que mexa com o jogador, seja ele o principal ou não, e que provoque reações boas ou ruins, tendem a estender a campanha e o entertenimento da mesa. Cada confronto e encontro ser aguardado com ansiedade ou empolgação, cada golpe acertado ser comemorado como a aprovação em um concurso, e cada derrota lamentada como a perda de um cachorro. Este é seu objetivo como Mestre, nada menos!

Espero que tenha lhe ajudado ao longo dessas mais de 3 semanas a pensar e esclarecer maneiras criativas de construir adversários complexos, e com uma história intrigante. Faça com que seus jogadores anseiem pelo próximo monólogo, onde o vilão explica as razões dele antes da luta derradeira. Esse clichê é um ponto alto e nunca deve ser visto como algo corriqueiro.

Nos vemos na próxima!

Você pode gostar...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

%d blogueiros gostam disto: