Explorando os Ermos: Navegação e Atividade do Jogador

por James Haeck (disponível em https://www.dndbeyond.com/posts/269-exploring-the-wilderness-navigation-and-player)
traduzido e adaptado por Daniel Bartolomei Vieira
Arte Destacada, imagem da Wizards of the Coast


Um tempo atrás, assisti a um episódio de Running the Game a série de Matt Colville no YouTube, onde ele dá vários conselhos para D&D. Sou um grande fã do Matt. Escrevi uma aventura para o Kickstarter dele. Uma das coisas que eu sei que Matt ama é um módulo das antigas chamado Cult of the Reptile God — uma aventura em que a vila de Orlane é tomada por um sinistro culto da floresta que fica além, e os personagens podem descobrir isso e viajar através dos ermos, até chegar ao esconderijo do culto e, em seguida, se engajar em uma exploração de masmorra para erradicar o culto.

Esse pedaço do meio, a exploração dos ermos, é algo que tem faltado em muitas aventuras de D&D da última década. Entretanto, parece estar havendo um ressurgimento; Tomb of Annihilation teve um excelente hex-crawl[1] através das selvas de Chult, Princes of the Apocalypse teve um pequeno, porém aproveitável hex-crawl em torno do Vale Dessarin, e Storm King’s Thunder teve uma infame seção de exploração que lançava o grupo em uma enorme sandbox[2] por todo o maldito Norte.

É por isso que fiquei surpreso ao saber que no vídeo de Matt, intitulado “Making Travel Interesting” (algo como, “Tornando a Viagem Interessante”), ele afirma abertamente que acha que “tentar tornar as viagens interessantes [em D&D] é em grande parte uma grande distração. É essa coisa que nos distrai do que estamos tentando fazer” (7:53).

Espera, é sério Isso?

Imagem da Wizards of the Coast

Bem, mais ou menos. A minha surpresa ao ouvir essa declaração foi enorme, e tirei-a um pouco do contexto para que vocês sentissem o mesmo choque que eu. Se você continuar assistindo — como eu fiz, depois de reservar alguns minutos para andar e reavaliar minhas opções como Mestre — você ouviria Matt continuar a dizer, “É nossa responsabilidade como Mestres, então a menos que você ache que viajar através dos ermos vá trazer algum avanço para o enredo, [grifo do autor], eu estou dando a vocês a permissão para, simplesmente, ignorá-la [e] narrar de uma maneira que faça parecer mais real” (8:25).

Aqui está a verdadeira tese dele. Se um elemento do seu jogo não avançar o enredo, deixe-o de lado.

Bem… espere, eu também discordo disso. Nem tudo em uma história está à serviço do enredo, muito menos um jogo. Jogos de D&D são mais do que apenas o enredo. Eles são sobre interações de personagens, piadas fora do personagem, jogabilidade envolvente, e — isso é o que Matt está realmente nos desafiando a considerar o valor, no vídeo — a verossimilhança do mundo do jogo! O desafio de tornar uma viagem pelos ermos interessante como um Mestre é, tanto na experiência dele quanto na minha, encontrar maneiras de dar aos seus jogadores uma escolha significativa em como eles viajam.  

Dando Escolha aos Jogadores

Jogos como D&D são tudo sobre dar aos jogadores a chance de traçar o próprio destino. Faz parte do poder dos jogos de fantasia; muitas vezes nos sentimos impotentes para mudar significantemente o curso de nossas próprias vidas reais, então ter a chance de fazê-lo em um mundo de fantasia é estimulante e fortalecedor. Em combate, os jogadores têm a escolha de como derrotar um inimigo, que magias usar, como combinar um ataque. Ao explorar uma masmorra, os jogadores, de preferência, têm escolhas a fazer em como progredir através do complexo e como superar os obstáculos desta. E cenários de interpretação são os mais livres e motivados por escolha de todos, onde o curso de histórias inteiras podem ser mudadas com base na força da interpretação de um jogador — e a capacidade do Mestre de pensar no desenrolar da coisa.

Mas os primeiros D&D tinham outro elemento de escolha, que a ascensão dos jogos focados em interpretação parece ter ofuscado. Navegação. Quando o jogo de Dungeons & Dragons era simplesmente sobre ir da aldeia para a masmorra, saquear a masmorra e voltar para a aldeia novamente, navegar e sobreviver aos ermos era uma parte crucial do jogo. Devido a isso, os jogadores precisavam fazer escolhas de como navegar nos ermos; qual o caminho que os levaria até a masmorra, julgando decisões como possível, se dando ao luxo de tomar o caminho mais longo para evitar os monstros ao custo das rações, ou se como o terreno perigoso representasse mais uma ameaça do que encontros aleatórios.

Quando o D&D era jovem, quando os livros do núcleo de regras eram panfletos de capa mole criados por Gary Gygax e distribuídos pessoalmente na Gen Con, em Lake Geneva, Wisconsin, a exploração dos ermos exigia que os jogadores comprassem um jogo completamente diferente e o encaixassem em seus jogos de D&D. Esse outro jogo era o Outdoor Survival da Avalon Hill (que a Wizards of the Coast possui hoje em dia, a propósito), e ele vinha pronto com um mapa hexagonal extenso. Alguns jogadores fizeram os próprios mapas hexagonais exclusivos para D&D, outros usaram aquele que vinha na caixa do Outdoor Survival. Olhe para este mapa e escolha dois pontos para representar a aldeia em que você começa e a masmorra para onde viaja… e depois faça uma viagem de regresso, carregado de um tesouro pesado.

Que escolhas você faria? Dar a volta das montanhas para poupar tempo, mas arriscar passar pelo pântano infestado de homens-lagarto? Ou seguir o rio para evitar perder-se, mas arriscar uma emboscada de gigantes da pedra à espreita entre os penhascos da montanha?

Tabuleiro do jogo “Outdoor Survival” da Avalon Hill, um hex-crawl. Fonte: KidzArea

Do Ponto A ao Ponto B

Há dois tipos de navegação enquanto se está nos ermos: macronavegação e micronavegação, colocando em poucas palavras. Macronavegação é o ato de navegar o mundo da campanha em grande escala; ou o que Matt Colville chama de “chegar do ponto A ao ponto B”, e é o que os jogadores da velha escola faziam quando exploravam Outdoor Survival nos jogos de D&D deles. Este estilo de navegação é bastante explorado em D&D, mesmo nos livros modernos da quinta edição. Podemos já não ter muitas aventuras focadas em transportar tesouros de volta para a aldeia através de terrenos hostis, mas ainda é importante saber como os personagens passam de uma aventura a outra.

A parte difícil disto é, como sabemos agora, encontrar uma maneira de tornar as viagens atrativas. Às vezes, somente narrar a preparação de uma viagem e pular a parte da viagem como um todo é, realmente, a melhor maneira de prosseguir, especialmente se você está pressionado pelo tempo e só quer chegar a mais exploração de masmorra. Mas vamos deixar isso de lado por enquanto. A maneira de tornar a exploração dos ermos algo divertido, é o mesmo que tornar qualquer outra parte do D&D divertida: dar atividade aos jogadores. Ou seja, os jogadores divertem-se quando sentem que as escolhas deles têm um impacto significativo no mundo ao redor, ou na história da qual fazem parte.

Escolha o Caminho


Também conhecido como o método de “Sobrevivência ao Ar Livre”, permite que seus jogadores escolham um caminho que lhes permita pesar as opções deles, e escolher qual a rota do ponto A ao ponto B funcionará melhor para eles. Este método é como um filme de assalto, pois o planejamento é o verdadeiro propósito deste estilo de exploração. A maior parte da diversão é dispor os dominós e tentar adivinhar onde tudo vai desmoronar — e, em seguida, recostar-se e assistir as coisas começam a desmoronar à medida que a exploração acontece de fato.

Uma vez que a fase de planejamento esteja feita, você tem duas escolhas. Você poderia tanto realizar a exploração, com os personagens movendo-se hexágono por hexágono e jogando encontros aleatórios que, então, usa taticamente, quanto você poderia mesclar este “estilo de assalto” com os acontecimentos de viagem preparados como cenas, da qual falamos antes. Esta é uma combinação elegante dos dois estilos, que destaca os pontos mais fortes de cada um: a melhor parte do estilo “escolha o caminho” é o planejamento, e a melhor parte dos acontecimentos de viagens é o controle narrativo pelo Mestre e as descrições vívidas.

Os desafios que você pode enfrentar usando este estilo estão todos relacionados com o quão bem preparado você está. Se você não tem um mapa detalhado de seu cenário de campanha, com diferentes rotas que os jogadores podem escolher, então você está com problemas. Mesmo se não tiver um mapa detalhado, você precisa saber o suficiente sobre o cenário para soltar dicas e rumores a partir dos PdMs conforme os personagens pesquisam para obter informações sobre os perigos de cada rota, ou então os jogadores não podem tomar decisões informadas — e, mais uma vez, a atividade para o jogador é exatamente tornar proposital as decisões com base em informações ou caráter, e não apenas uma escolha aleatória.

Desenvolva o Caminho


Pule para o minuto 9:44 no vídeo de Matt Colville, no começo desse artigo, para um análise do método preferido dele para tornar a viagem interessante: desafios de perícia, um tipo de mecânica utilizada na quarta edição de D&D, que ele trouxe para esta nova versão do jogo. Eu, de fato, joguei uma série de desafios de de perícia durante os acontecimentos de viagem em uma campanha que minha parceira, Hannah, mestrou durante o teste de jogo do D&D Next, e eles podem ser muito divertidos!

Desafios de perícia vêm em muitas formas e estilos, e aqueles que você usa como Mestre serão diferentes da maioria. A explicação mais simples de um desafio de perícia é: os personagens querem alcançar um objetivo, mas isso requer o trabalho de equipe deles para alcançá-lo. Eles precisam usar os valores de atributos e perícias que têm para serem bem-sucedidos em testes de atributo contra uma CD que você definir, com base em quão difícil é o desafio. O grupo precisa fazer um certo número de testes bem-sucedidos (digamos 5), no total, antes de falhar um determinado número de testes (digamos 3). A iniciativa é jogada como no combate, mas as rodadas em um desafio de perícia podem levar segundos, minutos, horas ou — no caso de um desafio de perícia de navegação — dias. Cada personagem usa o respectivo turno para fazer um teste de atributo usando uma perícia na qual eles são proficientes. Poderia ser assim tão simples, mas desafios de perícia divertidos exigem que os jogadores narrem como estão usando a perícia; o guardião poderia fazer um teste de Sabedoria (Lidar com Animais) e descrever como acalmaria os cavalos do grupo durante uma tempestade durante o turno dele, enquanto a ladina poderia fazer um teste de Carisma (Enganação) e descrever, disfarçando a voz, como faria com que uma horda de orcs começasse a brigar internamente em vez de caçar saborosos humanos.

O objetivo destes desafios de perícia é desenvolver as características dos personagens. Mesmo que haja apenas uma maneira de chegar do ponto A ao ponto B — ou seja, ser bem-sucedido em 5 testes antes de acumular 3 falhas — a descrição e a interpretação deste desafio necessita que os personagens se ajudem para abrir o caminho que seguiram e a jornada que embarcaram. Isto mantém os jogadores mais engajados nas histórias dos personagens deles e no processo de criar uma história em conjunto, se opondo ao Mestre como único contador de histórias, que simplesmente narra como quão chuvosa e fria a viagem foi, e como todos eles estavam ensopados no momento em que chegaram à masmorra.

Siga o Caminho


Odeio este método… ou, pelo menos, odiava. Estabelecer um caminho linear único para os jogadores seguirem e lançar uma série predeterminada de encontros com monstros é a definição de seguir um trilho. Mesmo que você jogue aleatoriamente, encontros aleatórios durante a viagem são, geralmente, ocorrências triviais que não têm qualquer relação com o enredo principal e, a menos que seus jogadores sejam interpretadores extrovertidos, raramente eles revelam detalhes de caráter lascivo. Entretanto, eu posso estar mudando de ideia quanto a isso. Quando bem feita, uma cadeia de encontros pré-determinados pode contar uma história ambiental poderosa, completamente separada do enredo da aventura. Voltaremos a falar disso em um próximo artigo, quando voltaremos nossa atenção à micronavegação — a arte de navegar entre diferentes regiões dentro da mesma área de encontro nos ermos.

Imagem da Wizards of the Coast

Recursos do Mestre

Se você estiver usando uma grande faixa de terreno detalhado para que seus jogadores naveguem e façam perguntas, ou se apenas está criando um mapa simples para viagens baseadas em desafios de perícia, você precisará de recursos. Mestres que procuram ajuda oficial para narrar uma grande aventura de navegação, como as viagens de Tomb of Annihilation e Storm King’s Thunder deveriam, primeiro, dar uma olhada na seção “Ermos” do Capítulo 5: Ambientes de Aventura no Dungeon Master’s Guide para ajudar a gerar ideias para aventuras e eventos interessantes que podem ocorrer enquanto os personagens estão viajando. Você também deveria dar uma olhada na seção “Movimento” do Capítulo 8: Aventurando-se no Player’s Handbook, particularmente nas subseções Ritmo de Viagem e Atividade Enquanto se Viaja.

Estas seleções, a partir das regras centrais, podem ajudá-lo a criar um cenário de campanha projetado para facilitar viagens emocionantes pelos ermos. Há muitas tabelas aleatórias no Dungeon Master’s Guide que podem adicionar um sabor diferente a um mundo de campanha já estabelecido, ou ajudá-lo a desenvolver o seu próprio ambiente pré-desenvolvido. O criador de conteúdo de D&D Mike Mearls também tem elaborado um dicionário geográfico do cenário de campanha do Vale Nentir para o próprio jogo pessoal dele, e a extensão regional de duas páginas que ele fez é um excelente modelo para qualquer um que planeja incluir viagens por terra em seus jogos de D&D. É particularmente adequado para a criação de situações de viagens ou para estocar explorações em mapas hexagonais, mas este formato é flexível o suficiente para atender a necessidade de qualquer jogador. Eu não poderia recomendar o suficiente que roubassem este formato. Já o roubei para a minha próxima campanha!

No próximo artigo, farei a mesma pergunta sobre a atividade de jogadores durante a navegação, e abordarei o nível tático com um exame mais detalhado na micronavigação. Como os Mestres podem fornecer opções interessantes para os jogadores, mesmo em uma exploração linear e baseada em combate?

Você alguma vez já incluiu a exploração dos ermos nos seus jogos de D&D? Qual é a sua história favorita de uma aventura nos ermos que acabou dando errado?


[1] Hex-crawl é um estilo de jogo antigo, baseado em mapas com grids, ou grades, hexagonais. Surgiu como uma alternativa aos mapas de masmorra, fechados. Assim, possibilitou a exploração de áreas maiores e abertas, como os ermos. Uma das principais características quando surgiiu, é que cada hexágono era marcado com cores diferentes identificavam uma característica geográfica daquele hexágono, por exemplo, campina, pântano, colinas, montanhas, deserto, água, etc. As características também poderiam ser indicadas com números ou letras, talvez identificando algum tipo de monstro ou encontros aleatórios possíveis de serem encontrados em cada local, ou ainda a quantidade de encontros possíveis em cada hexágono.

[2] Sandbox, ou caixa de areia, são as aventuras que possibilitam a exploração de uma área sem uma ordem específica de acontecimentos. A exploração dos locais é livre, mas também a dificuldade dos encontros é aleatória, o que exige muito bom-senso dos Mestres e, principalmente, jogadores, de não se arriscarem em encontros que podem ser mortais para o nível de personagens que estão.


James Haeck é o principal autor para os artigos do D&D Beyond, o co-autor de Waterdeep: Dragon Heist e do Cenário de Campanha de Tal’Dorei, da Critical Role,  e também um escritor terceirizado para a Wizards of the Coast, da D&D Adventurers League e da Kobold Press. Ele vive em Seattle, Washington, com sua parceira Hannah e dois desafios de perícia ambulantes, Mei e Marzipan. Você normalmente pode encontrá-lo perdendo tempo no Twitter em @jamesjhaeck.

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