Capítulo 6 – O Morcego de Vau Wom – Parte 1
por Rafael Santos
Arte Destacada, “Símbolo de Chauntea” imagem do Jogo Sword Coast Legends
Quando os heróis chegaram onde os dois gigantes da colina estavam rendidos, viram duas criaturas acuadas, encolhidas e encostadas contra o muro perto da entrada da fazenda. Estavam cercados de soldados empunhando lanças e espadas, os ameaçando dando espetadas no ar. A cada estocada imaginaria, os dois gigantes se encolhiam e choramingavam.
Os soldados xingavam e arremessavam pedras nos monstros que vez ou outra, rosnavam e gruíam para os homens.
– O que pensam que estão fazendo, seus inúteis? – a voz do capitão Strog soou no ouvido dos soldados, os fazendo recuar assustados.
Os homens recuaram, abrindo caminho para que Strog e os aventureiros passassem. Era fim de noite, e logo o sol estaria nascendo no horizonte, pois o céu já estava clareando com os primeiros raios da aurora.
– Estão deixando essas coisas ainda mais atiçadas. – completou o rígido capitão para seus homens.
Os heróis chegaram diante dos dois gigantes. Os monstros pareciam não apenas acuados, como também estavam dispostos a qualquer momento avançar sobre o primeiro que tentasse feri-los.
– Estão muito agitados – disse Calima. – Será impossível iniciar qualquer dialogo com eles dessa forma.
– Pode acalmá-los com sua música? – Vince perguntou.
– Sim, isso vai ser fácil.
A barda sacou seu alaúde e começou a dedilhar uma música calma e bela, e todos ali pareceram ser levados pela melodia que ecoava das cordas vibrantes do instrumento musical da elfa. Calima cantarolava algumas palavras élficas, fazendo pequenos globos de luz dançarem no ar. Todos ali pareciam ser tomados de um alivio de suas emoções que estavam à flor da pele. Até mesmo os soldados que agora a pouco estavam furiosos, pareciam calmos e livres do seu ódio pelas duas criaturas.
Os dois gigantes estavam calmos, pareciam gostar da música da barda que sorria convencida de suas habilidades de encantar até mesmo aquelas criaturas de pouca inteligência.
Após o pequeno espetáculo, a barda conjurou sobre si mesma uma outra magia. Ela sentiu o conhecimento invadindo sua mente, e então sabia que conseguiria entender o que aquelas duas criaturas queriam dizer. De forma estranha para os demais aventureiros, a elfa começou a falar a língua dos gigantes da colina, uma mistura de balbuciar, caretas e embolar de língua, como se estivesse entorpecida por algum calmante.
O mais bizarro é que os dois gigantes respondiam aos grunhidos e caretas de Calima, o que fez Ray ter uma crise de risos. Jamais imaginaria a elfa em uma situação tão embaraçosa como aquela.
– Eles disseram se chamar Lob e Ogg – revelou a elfa em um meio sorriso esnobe. – O que já é uma coisa assustadora para mim, não achei que essas coisas tinham inteligência o bastante para se dar algum nome ou título. Embora cada nome tenha apenas três letras – observou.
– Pergunte aos dois o motivo do ataque a Campos Dourados – ordenou Vince. – Embora eu duvide que eles tenham algum motivo realmente importante para atacar um lugar com muita comida.
Calima fez a pergunta a Lob e Ogg, mas os dois gigantes eram burros demais, não conseguiam conjecturar ou formar frases coesas, o que acabou fazendo a cabeça da elfa doer ao tentar organizar tudo o que eles falavam. O que ela conseguiu entender foi “Guh quer comida. Mim pegar comida para Guh. Guh grande. Muito grande. Maior do que eu. Grudd Haug. Casa.”
– Nada disso faz sentido para mim – disse Turok coçando a cabeça.
– O que é Grudd Haug? – perguntou Vince.
– Monte do Rio na língua dos gigantes – respondeu a elfa. – É de onde esses dois vieram.
Chegaram à conclusão de que aquilo podia ou não ser um problema para a região. Se Grudd Haug tinha outros gigantes empreendendo excursões na região, as coisas poderiam ficar difíceis para as pessoas do Vale Dessarin.
– Procurem alguma criatura mais inteligente do que esses gigantes – ordenou Strog.
– Senhor, todos os goblinoides foram executados, assim como o senhor pediu – revelou um dos soldados.
Strog praguejou de frustração. Até aquele momento, sua reputação só decaia diante daqueles aventureiros.
– Talvez devamos investigar isso mais de perto – sugeriu Vince preocupado. – Se os gigantes estão se reunindo com goblinoides nesse lugar que chamam de Grudd Haug, então isso pode significar um problema para a região.
Vince maquinou na mente tudo o que já tinha ouvido sobre o caso com os gigantes da colina. Chegou à conclusão de que, se aquela situação fosse em outro momento mais comum, ele diria que os gigantes estavam apenas seguindo seus instintos selvagens, atacando, pilhando e roubando como qualquer outro gigante da colina. Mas o fato de que o irmão Ellardin do templo de Chauntea ter relatado sobre as atividades dos gigantes da colina aumentando de forma absurda na região, e o fato de Pedra Noturna ter sido atacada por gigantes das nuvens, fez a cabeça do mago trabalhar e chegar à conclusão de que nada daquilo era por um acaso.
Os heróis juntaram mais algumas informações dos dois gigantes e chegaram à conclusão de que Grudd Haug era onde gigantes da colina estavam se reunindo, Guh era a chefe da tribo e que ela estava ordenando os ataques em todo Vale do Dessarin para que comida fosse levada até ela em seu covil.
– Vamos até Grudd Haug e investigaremos o que está acontecendo. Se for algo comum e natural da parte dos gigantes da colina, nós seguiremos nosso caminho e deixaremos o curso das coisas como elas devem ser. Caso contrário, teremos que agir em prol das pessoas do Vale do Dessarin.
Todos concordaram com o raciocínio do mago e então decidiram investigar Grudd Haug.
– Vamos forçá-los a nos levar até lá – disse Ray.
– Não acho que seja uma boa ideia, Ray – Calima foi contra a ideia do amigo, embora parecesse muito boa. – Gigantes da colina são criaturas burras e sem nenhum senso de direção. Se pedirmos para que essas coisas nos guiem, vamos acabar perdidos nas colinas.
– Então como vamos descobrir a localização desse Grudd Haug?
– Vamos conversar com o irmão Ellardin novamente. Ele pode nos indicar uma direção a seguir, já que ele sabe mais sobre esses ataques do que qualquer outro.
– E quanto a esses dois gigantes? – Lara perguntou curiosa.
– Daremos um jeito neles – revelou Strog impassível.
Os heróis trocaram olhares, nem mesmo conseguiam imaginar as atrocidades que Strog estaria pensando em fazer com os dois pobres gigantes.
***
Já era manhã quando os heróis foram conversar com Ellardin Darovik, o clérigo de Chauntea de Campos Dourados. O homem os recebeu como verdadeiros heróis do local, pois a notícia de que o grupo havia ajudado na defesa da cidade durante a noite já havia chegado aos seus ouvidos.
Os heróis contaram tudo o que haviam descoberto de Lob e Ogg, deixando o clérigo visivelmente preocupado. O homem ponderou sobre tudo e, assim como Vince, chegou à conclusão de que era melhor investigar.
– Por mais que seja comum os gigantes da colina se unirem debaixo da autoridade de um chefe gigante, é incomum que eles façam isso em um número tão grande assim. Ainda mais se aliando a goblinoides para atacarem Campos Dourados.
Ellardin revelou que houve ataques em outras comunidades próximas, como Amphail, Vau Wom e Beliard, além das fazendas e vilarejos menores que ficam nos arredores de Campos Dourados. Relatos de que as correntezas do Rio Dessarin ficaram menos intensas também chegaram aos ouvidos de Ellardin.
– Os meus informantes disseram que os gigantes vieram do leste de Campos Dourados, subindo o rio em direção à sua nascente rumo à Floresta Alta.
– Então é para lá que devemos ir – disse Ray. – Consegue seguir os rastros deles, Lara?
– Claro, isso vai ser fácil – respondeu a patrulheira com um sorriso confiante no rosto.
– Senhorita Lara, eu posso falar com você e Turok em particular? – Perguntou Ellardin à patrulheira.
Lara trocou olhares curiosos com Turok e seus companheiros. Mesmo desconfiados, ela e o meio-orc decidiram aceitar conversar em particular. Eles foram para uma outra sala do campanário deixando os demais heróis no salão.
– Embora poucas pessoas aqui em Campos Dourados saibam, – começou Ellardin para Lara e Turok – eu sou um agente de uma ordem conhecida como Enclave Esmeralda, talvez já tenham ouvido falar sobre.
– Sim, meu pai já me falou sobre essa ordem – revelou Lara.
Ellardin lhes explicou que o Enclave Esmeralda era um grupo de patrulheiros, druidas, xamãs, paladinos, guerreiros, bárbaros, criaturas místicas, fadas e todo tipo de ser vivo que habita as florestas. O Enclave Esmeralda era dedicado a manter o equilíbrio na ordem natural e combater as forças que ameaçam esse equilíbrio. Os membros do enclave viviam na natureza ou em pequenas comunidades nos ermos ou pequenas aldeias.
– Somos um grupo oposto à civilização, no entanto, e procuramos evitar que a civilização e a natureza se prejudiquem mutuamente. Aqueles que servem ao Enclave Esmeralda são mestres da sobrevivência e vivem fora de suas terrar, vagando pelo mundo selvagem e lendo os sinais que indicam o clima que se aproxima, a passagem das criaturas e o bem-estar geral do mundo natural.
– Isso é tudo muito interessante, mas o que temos a ver com isso? – perguntou Turok.
– Ambos têm o perfil ideal para nossa organização. Eu, como um Salteador do Outono, um dos agentes de alta patente da ordem, tenho a honra de convidá-los a fazer parte do Enclave Esmeralda e trabalharem como agentes da ordem e da proteção dos ermos do mundo.
Lara já tinha ouvido falar do Enclave Esmeralda através de seu pai. Ele próprio já havia trabalhado em parceria com a ordem. Embora houvesse agentes extremistas que odiassem a civilização acima de tudo, ainda era possível encontrar agentes que trabalhavam em prol do bem-estar não apenas das florestas, mas também das cidades e aldeias.
– Eu aceito – disse a patrulheira com um meio sorriso. – O Enclave Esmeralda faz bem o meu perfil, não vejo porque não fazer parte disso.
– Perfeito! – disse Ellardin com um sorriso satisfeito. – E quanto a você, bárbaro?
– Se Lara fará parte disso, eu também farei – foi a resposta do bárbaro.
Ellardin sorriu satisfeito e, então, com uma rápida cerimônia de admissão, sagrou Lara e Turok como os mais novos agentes do Enclave Esmeralda, entregando-lhe dois colares com o símbolo da ordem: a cabeça de um alce em um fundo verde.
– Serão agora Guardiões da Primavera, agentes a serviço do Enclave Esmeralda, mas não estarão presos a ela. Poderão continuar viajando com seus amigos, mas devem trabalhar em prol da proteção da ordem e proteção dos ermos. Quando encontrarem outros agentes, eles os reconhecerão e prestarão ajuda quando necessário.
Após tudo isso, o trio retornou para onde os demais heróis estavam esperando. Ray quis saber o que havia acontecido, mas Lara disse que depois conversariam.
– Devem partir o mais breve possível e investigar o covil dos gigantes. Lembrem-se que sua missão não é causar uma chacina, a não ser que a presença dos gigantes seja algo que traga desequilíbrio ao mundo, então eles devem ser impedidos.
O grupo deixou o templo de Chauntea. Ray insistia para que Lara e Turok contassem o que havia acontecido no templo, mas Vince dizia apenas para que ele deixasse os dois em paz. No caminho para a saída da cidade-fazenda, os aventureiros encontraram Naxene Drathkala, a maga agente da Aliança dos Lordes em Campos Dourados.
– Saudações, nobres aventureiros! – ela saudou os heróis com uma mesura.
– Lady Drathkala – Vince retribuiu com outra mesura.
– Seu desempenho na noite passada foi impressionante. São aventureiros poderosos no fim das contas. Seriam, assim, agentes formidáveis para a Aliança dos Lordes.
Os heróis trocam olhares surpresos. Vince quase pulou de alegria.
– Eu, como uma Lâmina Afiada da ordem, tenho a honra de convidá-los a fazer parte da Aliança dos Lordes. Em nome da Senhora Declarada de Águas Profundas Laeral Mão Argêntea.
A Aliança dos Lordes é uma associação de governantes de cidades e vilas espalhadas por toda Faerûn – tendo em sua maioria, aquelas situadas no Norte – que acreditam que a solidariedade é necessária para manter o mal à distância. Os líderes de Águas Profundas, Lua Argêntea, Inverno Remoto e outros assentamentos livres dominam a coligação. Todos os lordes da Aliança trabalham principalmente pelo destino e sucesso de seus próprios assentamentos.
Os agentes da Aliança são normalmente bardos sofisticados, paladinos zelosos, magos talentosos e guerreiros experientes. Eles são escolhidos principalmente por sua lealdade, além de serem ótimos em observação, discrição, tutela e combate.
– Agentes da Aliança dos Lordes garantem a segurança e a prosperidade das regiões civilizadas de Faerûn, por estarem unidos contra ameaças à civilização – continuou Naxene. – Eles proativamente eliminam tais ameaças de qualquer maneira, lutando com orgulho pela glória e segurança de seus povos, e seus lordes.
– A Aliança dos Lordes é uma coalizão estabelecida por pessoas com poderes políticos, preocupadas com a segurança mútua e a prosperidade – Vince completou com entusiasmo, quase fanático. – A organização é agressiva, militante e política. Guerreiros e feiticeiros são normalmente atraídos para a Aliança.
– Exato, Vince – riu Naxene para o mago. – Não esperava menos de alguém que quer tanto assim fazer parte da Aliança.
– Sinceramente, até que é interessante, mas não me vejo trabalhando para um bando de nobres pomposos – disse Ray sem muito interesse.
– Também prefiro não me associar à Aliança dos Lordes por enquanto – revelou Calima. – Na verdade, estou de olho em outra organização.
Lara e Turok revelaram que agora faziam parte do Enclave Esmeralda, o que não deixou Naxeane surpresa e nem frustrada, já que os dois não tinham perfil para agirem em nome da Aliança dos Lordes, já que eram mais “selvagens” do que civilizados.
Vince aceitou de pronto, e foi sagrado como “manto”, a mais baixa hierarquia da Aliança dos Lordes, e recebeu um colar e um emblema com o símbolo da facção: uma coroa dourada em um fundo vermelho.
– Agora poderá agir em nome da Aliança dos Lordes e em nome da Senhora Declarada de Águas Profundas. – concluiu Naxene. – Assim que possível, vá para Águas Profundas e se apresente para a Senhora Laeral.
Vince confirmou com um sorriso. Parte de sua missão estava concluída, ele agora era um agente da Aliança dos Lordes.