Vamos Criar uma Aventura!

Por Shawn Merwin
Traduzido por Daniel Bartolomei Vieira
Originalmente publicado em 23 de setembro de 2019 em https://www.dndbeyond.com/posts/587-lets-design-an-adventure
Imagem Destacada da Wizards of the Coast


Eu amo criar aventuras! Se você é como eu, não há nada melhor do que criar um mundo com palavras, imaginando um turbilhão de conflitos e possibilidades nos quais um desavisado grupo de aventureiros pode colocar em movimento. Conforme as palavras vão se acumulando nas páginas, a animação de entregar uma grande experiência de jogo para os jogadores me leva a uma enormidade de perguntas e dúvidas: esta aventura será um desafio para eles, os fará pensar, os fará sentir ou atingir os objetivos que estabeleci?

Criar uma aventura pode ser uma das maiores diversões para um fã de D&D, mas também pode ser desafiador e frustrante. Com tantas aventuras boas disponíveis, um DM pode mestrar campanhas durante anos e jamais fazer mais do um ou outro ajuste. Entretanto, ver os jogadores reagirem a um cenário que você tirou do fundo da sua imaginação pode passar uma sensação bem diferente.

Lutar contra as amarras do processo criativo pode ser traiçoeiro e frustrante, mas o desafio não é intransponível. Eu espero que o que será apresentado a seguir – neste artigo e nos próximos – seja um guia direcionado para o processo de criação de aventuras. Quero conversar com vocês ao longo desse caminho porque eu mesmo o trilhei várias e várias vezes, ajudando outros a enxergarem as melhores vistas e a desviar das armadilhas. Mais importante ainda, a cada vez que eu faço a jornada, eu descubro algo novo. Esta é a primeira parte de uma série muito maior, uma que será a base para todas aventuras futuras.

Seu Humilde Guia

Imagem da Wizards of the Coast

Eu tenho mestrado jogos de D&D por quase 40 anos, e criado minhas próprias aventuras durante todo esse tempo. Sou um desenvolvedor de aventuras profissional pelos últimos 20 anos, trabalhando para a Wizards of the Coast e outras empresas do ramo do RPG. Se você contar minha experiência como escritor, editor, produtor e administrador para campanhas de jogos organizados, como a D&D Adventures League, Living Forgotten Realms, Xen’drik Expeditions e Living Greyhawk, você poderia dizer que já escrevi ou fui DM por dezenas ou até mesmo centenas de milhares de jogadores.

Todas essas experiências me ensinaram coisas importantes sobre o jogo, sobre as pessoas que o jogam e sobre o processo de criar com ele. Muito do que eu aprendi veio às custas de erros. Muitos e muitos erros! Entretanto, esteja eu escrevendo, criando ou desenvolvendo, sempre procuro aprender a próxima lição, descobrir novas verdades e sabedorias que posso levar comigo para o projeto que vem a seguir.

E isso foi o que me trouxe aos dias de hoje. As pessoas envolvidas com o D&D Beyond me perguntaram se eu tinha o interesse em escrever uma série de artigos sobre a criação de aventuras. Conforme comecei a esboçar o que escreveria nessa série, o inestimável Todd Kenreck teve uma ideia brilhante: em vez de apenas falar sobre como criar uma aventura, por que não de fato criar uma, passo a passo, pedaço por pedaço, conforme eu falava sobre cada tópico.

E então, intrépidos criadores de aventuras, isso é o que eu vou fazer! Durante os próximos vários artigos, discutirei componentes essenciais para a criação de uma aventura e junto disso criarei uma aventura. Eu mostrarei tópicos e nos colocarei no caminho, fazendo uso dos comentários dos leitores para costurar as próximas partes da série. Quando terminarmos, terei um denso esboço e, talvez até mesmo alguns encontros já completos, para montar uma aventura.

Mapeando o Caminho

O aspecto mais importante da criação de aventuras é se lembrar – e aceitar – que existem restrições para a criação que não são antíteses à criatividade. Uma criação limitada em si mesma é, em poucas palavras, o ponto crucial da criatividade. Com aproximadamente 200.000 palavras obsoletas no idioma inglês (NT: no português não há um consenso sobre o número de palavras obsoletas, que podem variar de 50.000 a 85.000), e ainda mais palavras quando você usa termos de jogo e outros elementos da ficção à mistura, você fará tudo ao seu alcance para limitar suas escolhas com graça e elegância, sem ferir a estética ou o valor funcional do produto do seu trabalho. Os resultados são melhores quando você se contém.

Na criação de aventuras de RPG, essa auto-limitação pode assumir várias formas. Primeiro, você pode trabalhar as estruturas de tempo e efeito que já apareceram antes. Por exemplo, no geral, todas as aventuras possuem determinadas seções que aparecem em algum lugar ao longo do texto. Os nomes e locais destas seções variam de produto para produto, mas todas elas contém informações vitais muito parecidas. O Cenário da Aventura é um exemplo. No Cenário da Aventura, nós sabemos que iremos oferecer ao leitor – e evidentemente ao DM que está narrando a aventura – informações importantes a respeito do que aconteceu antes que a ação na aventura ocorra (nós falaremos mais sobre a melhor maneira de lidar com Cenários de Aventura em um próximo artigo).

Outra maneira de limitar os escopo do seu trabalho na criação da aventura é escolher um tema ou dois que podem funcionar como um objetivo para suas tentativas. Pense nesses temas como “imãs de criatividade”, que podem atrair ideias da sua mente direto para as páginas, sempre conduzindo você para uma certa direção. Estes temas podem guiar a trama da aventura, mas eles são muito mais poderosos que um compasso de história ou tramas pontuais. Por exemplo, em uma aventura que escrevi chamada Defiance in Phlan (algo como Desafio em Flan), um dos temas mais importantes eram dragões. Ainda que um dragão sequer aparecesse na aventura.

O que mantinha meu ímpeto para avançar na criação da aventura eram a temática e os detalhes dracônicos. Se por acaso eu ficasse empacado em um detalhe ou em uma direção, eu focava minha mente em dragões e algo acabava surgindo em minhas ideias. Pelo fato de eu estar focado naquele motivo, o que veio pra mim se encaixava perfeitamente com outros detalhes, criando um mosaico mais coerente a partir de pedaços separados. Eu precisava descrever uma estátua? Era a estátua de um dragão. Eu precisava de uma cor? Ela era correspondente  um dragão cromático. Uma PNJ precisava de detalhes? Ela era uma comerciante que negociava artefatos dracônicos.

É claro que a mais poderosa e útil limitação é o esboço, frequentemente mencionado, porém muitas vezes deixado de fora. Se você esboçar sua aventura, remove muito do estresse e do atrito das engrenagens mentais, libertando-as para que impulsionem imediatamente os detalhes da sua criação. A parte brilhante dos esboços? Eles podem ser maleáveis! Uma vez que você desce para as profundezas das minas do mundo, você pode acabar encontrando um veio de ouro completamente diferente. Tudo bem abandonar o antigo esboço e seguir um novo caminho, pois suas novas ideias já têm suas próprias limitações, as quais permitem que você acesse facilmente a que se desenvolve diante de você.

Imagem da Wizards of the Coast

Aceite Seus Próprios Presentes

Este veio de ouro que mencionei acima é outro aspecto do processo criativo que vale mencionar cedo (e frequentemente). Conforme criamos, novos caminhos se abrem em nossas mentes. Nós fazemos conexões. Nós nos inspiramos.

Um professor de escrita que tive no passado chamava essas inspirações de escrita de “presentes para si mesmo”. Você poderia estar escrevendo e de repente acender uma luzinha na sua cabeça. Poderia ser  um personagem, uma ideia para um encontro posterior ou até mesmo uma simples palavra. Não ignore essas luzinhas. Anote-as em algum lugar que possa consultar depois: uma ficha de índice, um post-it, uma pasta separada ou seja lá o que for que funcione para você e não envolva muito tempo ou esforço. Então volte rapidamente para o que estava fazendo e concluir sua ideia original. Quando você chegar em um ponto onde sua reserva atual de escrita se esgotar, volte para suas notas e examine os presente que você deixou para si mesmo. Lembre-se de porque você teve aquela determinada inspiração e, mais importante, reflita sobre como essas novas ideias se encaixam naquilo em que você está trabalhando.

Estes presentes podem surgir porque sua mente já escolheu um tema, ou já fixou em um novo tema, e você ainda não havia percebido até que as palavras acidentalmente surgiram em sua mente ou até mesmo nas páginas. Sua mente subconsciente está sempre trabalhando em um nível diferente, e em um ritmo diferente, do que a sua consciência. Estas ideias podem ajudá-lo durante a criação inicial, ou elas podem ser algo que informa e instrui suas revisões do seu trabalho. elas também podem resolver um problema que você está tendo com uma parte diferente da sua aventura.

Reconheça suas Forças

A menos que possua a genialidade de da Vinci que aparece apenas em pouquíssimas pessoas (por exemplo, Christopher Perkins e Jeremy Crawford), você provavelmente possui forças e fraquezas em qualquer projeto que se propor a fazer. A criação de aventuras exige uma variedade de habilidades, que vão desde criar descrições até fazer contas, desenhar mapas e muitas outras tarefas. Descubra no que você é bom, e mais importante, qual parte do processo é mais natural para você. Criar mapas ou qualquer outra arte pode ser algo difícil, mas o progresso gera progresso. Se você está trabalhando em algo que não é fácil para você, e você não consegue superar alguma barreira que esteja enfrentando, dê um passo para trás e aborde algo que seja fácil para você, e encontre prazer nisso. Por vezes, o avanço em uma área totalmente diferente pode eliminar quaisquer barreiras mentais, ou dar a você alguns presentes que pode usar em uma tarefa mais difícil.

Para mim, criar mapas é algo dificílimo. Eu não tenho uma mão firme. Meu cérebro não processa relações espaciais muito bem. Escrever uma aventura típica tende a resultar em dúzias de folhas de papel quadriculado amassadas e empilhadas pelo chão ao redor da minha mesa. Entretanto, eu adoro imaginar cenas e colocá-las em palavras. Quando eu chego em um ponto que me frustro ao tentar fazer um mapa, eu paro e tento usar palavras para descrever as salas que estou tentando desenhar. O que há nelas? O que as criaturas na sala estão fazendo? Quais características da sala os aventureiros irão notar primeiro?

Quando eu tenho esses detalhes escritos no papel, eles me dão o objetivo (e, para ser honesto, coragem) para voltar ao papel quadriculado e reencontrar a parte teimosa do meu cérebro que tenta desenhar uma sala de 3 por 3 metros que, de alguma forma, deveria abrigar sete criaturas de tamanho Grande.

Eu já ouvi muitos outros criadores de conteúdo falarem sobre este conceito de outras formas. Muitos criadores gostam da matemática da criação de aventuras: quantas criaturas de um determinado nível de desafio são necessárias para tornar este encontro difícil ou aquele encontro mortal? Quais habilidades de uma criatura, combinadas com as habilidades de outra criatura, acrescentam mais desafio ao combate? Quanto ou quais tipos de tesouro despertarão o interesse do grupo de jogadores sem desequilibrar a campanha? Estas perguntas necessitam de um processo cognitivo diferente do que, digamos, descrever um PNJ ou criar um enigma. Entretanto, todos esses processos estão conectados, podendo desengatar uma engrenagem mental emperrada.

Imagem da Wizards of the Coast

Para Onde a Partir Daqui?

Eu espero que essa discussão tenha despertado algo em você, seja você querendo ser um criador de aventuras, um DM ou apenas querendo saber um pouco mais sobre o hobby que amamos. Ao longo dos próximos artigos, nós vamos dar uma olhada em diferentes aspectos do jogo e da criação de aventuras, enquanto ao mesmo tempo colocaremos estas lições em prática, criando pedaços de uma aventura que se juntarão para formar um aventura completa no final.

Já que falamos sobre esboços, aqui está uma prévia de quais tópicos serão discutidos ao longo deste série. Como eu espero manter a discussão orgânica e flexível, há sempre a chance de tópicos serem acrescentados, alguns podem ser combinados em um único tópico, enquanto outros podem ser excluídos por completo. Mas isso é esboçar!

Imagem da Wizards of the Coast

Estruturas para Aventuras

  •  Criar o esboço para uma aventura, pensar sobre a apresentação de material em termos do escopo da aventura, tamanho da aventura, público da aventura, o lugar dela em uma campanha maior (ou não) e mais.

Ganchos Para a Trama e Cenas de Abertura

  • Uma olhada mais profunda em como criar e implementar ganchos para tramas da aventura e cenas de abertura para aventuras.
  • Erros comuns que os criadores de aventura costumam fazer quando introduzem uma aventura.
  • Como usar melhor elementos de jogo existentes, como antecedentes ou facções para tornar os ganchos melhores em uma aventura.

Encontros e os Três Pilares

  • Uma olhada nos encontros como os blocos de construção das aventuras.
  • Como juntar encontros, ligá-los e encaixá-los nas estruturas discutidas nos artigos anteriores.
  • Como os encontros se relacionam com os três pilares de jogo: interpretação, exploração e combate.
  • Trabalhar com o novo Enconter Builder (Construtor de Encontros) lançado pelo D&D Beyond e fazê-lo funcionar para as pessoas que usam a plataforma!

Caixa de Texto

  • Dissecar a caixa de texto, dando uma olhada sobre como como escrevê-la e como não escrevê-la.
  • Quando ela é necessária e quando não é.
  • Abordar o acalorado debate nos círculos de criação de que se elas são realmente necessárias!
  • Discussão sobre os detalhes de usá-la, e como encontrar a mistura certa de usar diversão, descrição e detalhes relevantes sem sobrecarregar o DM.

Fluxo de Encontro

  • Examinar a arte e a habilidade de juntar encontros de modo que se crie um jogo orgânico, divertido e desafiador.
  • Tocar o conceito de compassos de história (onde a interação dos personagens avançam a trama) e como usar diferentes tipos de compassos para manter os jogadores felizes e empenhados.
  • Uma discussão geral sobre estrutura narrativa e os conceitos de descanso curto e descanso longo como um recurso de narrativa, bem como mecânica de jogo.

Recompensas em Aventuras

  • Como criar aventuras com recompensas já em mente: pontos de experiência, marcos, riqueza, itens mágicos, níveis e outros tipos de recompensa.
  • Salientar os riscos inerentes a dar recompensas demais cedo demais, como dosar as riquezas e recompensas alternativas que os jogadores adoram e que não desequilibram o jogo.

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Desafios, Resoluções e Consequências

  • Como criar desafios com as ferramentas que o DM tem em mãos: monstros, armadilhas, perigos, obstáculos, enigmas e escolhas do personagem.
  • Dar uma olhada em como permitir diferentes métodos de resolução, e determinar consequências para o sucesso e falha destes diferentes métodos.

Pensando Como um Criador de Jogos de D&D

  • Uma olhada no que significa criar conteúdo de D&D, especificamente aventuras, na larga esfera deste hobby.
  • Fornecer dicas para bons hábitos de escrita, meios de fazer melhor uso do seu tempo de criação e passos que você pode tomar para melhorar suas habilidades de criação.

Leitura de Prova, Teste de Jogo e Publicação

  • Esclarecer os grandes passos necessários de escrever para si mesmo para passar escrever para um público.
  • Cobrir os conceitos de teste de jogo com fontes externas, bem como aparar as arestas, conseguir mapas e artes, e pensar a respeito do conteúdo a partir de uma perspectiva de marketing.

Shawn Merwin é um designer profissional, desenvolvedor e editor de D&D com 20 anos de trabalho e mais de 4 milhões de palavras em conteúdo, da terceira à quinta edição. Seus créditos mais recentes incluem o livro Acquisitions Incorporated, Portal de Baldur: A Descida até Avernus e Storm Lord’s Wrath. Ele também é Gerente de Recursos para a campanha da Adventurers League Eberron: Oracle of War. Shawn é o anfitrião do podcast semanas de D&D chamado Down with D&D, e cursa um mestrado em artes em Escrita Criativa pela Vermont College of Fine Arts. Você pode seguir seus devaneios e reflexões no Twitter em @shawnmerwin.


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