Jogos de Poder – Os Detalhes

por Will
Imagem destacada, “Ambush”, de Dominik Mayer, disponível em https://www.artstation.com/artwork/YyRLX


Olá!

Depois desse nosso longo período sem artigos, voltamos à carga continuando nossos trabalhos com os Jogos de Poder, desta vez cumprindo com o prometido no último artigo (veja AQUI), daremos uma atenção minuciosa à descrição de cenas e aos detalhes.

Começo aqui com um pequeno macete, mas que me levou tempos para descobrir. Quando você descreve uma cena, a menos que você seja um Tolkieniano que leva 3 minutos descrevendo uma porta, a quantidade de detalhes que você dá a cena pode denunciar a importância dela ou não. Isso é visto com muita frequência em algumas aventuras prontas, não que isso infira na qualidade das mesmas, mas pode estragar o suspense/mistério que você desejaria que tomasse conta da mesa.

Se sua descrição é muito simples: “É uma sala quadrada, de paredes vermelhas, piso escuro e teto abobadado na mesma cor da parede”, a ausência de detalhes ou importâncias não alimenta muitas interações.

Se a descrição é muito complexa: “É uma sala de seis metros por sete de largura, as paredes são de um tom vermelho carmesim com veios bordô, o piso é de parquet de madeira desenhando o emblema da família real, o teto, uma abóbada vermelha, possui vários afrescos com os rostos dos moradores notórios da casa, no meio deles um lustre de rubis está com as luzes apagadas. Seis candelabros espalhados pelo local fornecem iluminação, são feitos de ouro e entalhados na forma de anjos saudando os céus, um deles está com uma única vela apagada. Há apenas um archote na sala e também está apagado”, a imensidão de detalhes pode denunciar que no local há algo que se espera que os jogadores interajam ou descubram. Pior ainda se você ao descrever o local, pegar o grid e desenhar a sala ou entregá-la aos jogadores.

Não que isso seja exatamente o problema, mas em uma campanha como de Jogos de Poder, manter o interesse do jogador e, ao mesmo tempo, manter o suspense sem entregar algum evento, é necessário um pouco de atenção para que a sua descrição não denuncie a presença ou ausência de detalhes importantes. Isso pode ser levado para outros tipos de campanha também, mas aqui é essencial.

As duas maneiras que conheço de contornar essa entregada são: manter sempre a mesma intensidade de detalhes, ou deixar os detalhes ao mínimo e a atenção a eles nas mãos do jogador.

A primeira maneira é bastante exaustiva e leva um bom tempo para se habituar. Pode tornar sua narrativa mais extensa e, no caso de aventuras prontas, pode exigir que você complemente as cenas mais rasas.

A segunda é mais rápida e mais tranquila para se apresentar, porém faz com que a condução das cenas fique na mão dos jogadores, diminuindo um pouco o seu controle sobre a narrativa, e o pior: faz com que muitos detalhes ou questões importantes se percam por que o jogador decidiu não dar atenção a algo que você gostaria que ele desse.

Normalmente, eu sugiro a primeira maneira, por mais que seja cansativa e demande mais esforços, no fim das contas ela é mais apropriada, tanto para manter o suspense e deixar às claras o que o jogador pode interagir, quanto manter um controle da narrativa permitindo controlar a atenção dos jogadores.

Mesmo que isso signifique que você deva criar um padrão de hábito na hora de descrever as coisas, dando igual importância ao vestido da aldeã e ao da princesa. Pode parecer ultrajante isso, mas o mundo real funciona de forma similar, ao bater o olho, ambos os vestidos entregam a mesma quantidade de informação inicial: cor, tamanho, corte. Obviamente o grau de delicadeza e empenho do vestido da princesa faria com que o personagem prestasse ainda mais atenção: jóias, manchas, tamanho da armação, renda. E normalmente não vemos o jogador dar tanta atenção às vestes de uma pessoa mais mundana, mas que quando devida sua atenção, reflete tantos detalhes quanto qualquer peça mais elaborada.

Falo da roupa principalmente, pois é uma boa ferramenta para induzir idéias, pensamentos ou plantar suspense e intriga. Roupas complexas, ornamentadas e bastante detalhadas costumam encobrir muito quaisquer indícios de ação que possam ser vistos em uma batida de olho, conquanto roupas mais simples tendem a facilitar a percepção de detalhes importantes. É bastante curioso, e até cômico, quando ao descrever uma roupa para um jogador, você menciona uma mancha vermelha na manga: sempre será sangue, e nunca geléia de morango.

É exatamente por terem essa noção de que “qualquer detalhe importa” que o jogador sempre, irá entender como tudo o que você descreve seja digno de nota e de se investigar. Por isso que o cuidado com os detalhes deve ser importante. Se a pista é fria ou não leva a lugar algum e você deve, ao menos, deixar alguma maneira de que os jogadores percebam que é furada. Ou não, e se divirta com uma investigação que os levará até um pote de geléia aberto na cozinha.

A importância disso em jogos de poder é que os jogadores estarão, tecnicamente, concorrendo uns com os outros na condição de rivais, ou talvez de inimigos. Essa competição eventualmente levará um ou mais jogadores a investigarem os demais, seja para preverem os planos deles e se adiantarem ou para encontrarem ferramentas para complicar a vida um do outro.

Se você for bastante detalhista e cuidadoso, seus jogadores acabarão seguindo nessa vertente e, eventualmente, o jogo se tornará ricamente descritivo, porém lento com o excesso de detalhes. É o seu critério, como narrador, que permitirá e servirá como medida para isso. Excesso de detalhes não é problema quando você dispõe de tempo, e caso não disponha, o ideal seria acelerar as coisas dando primazia para questões mais relevantes.

Outra questão bastante pertinente é que os lugares e as cenas provavelmente se darão de forma constante nos mesmos ambientes, de forma que o ideal é encontrar sempre algumas gravuras e mapas fixos para os lugares. No entanto, isso nos leva novamente ao mesmo lugar comum dos “detalhes” adicionais: se você mudar alguma coisa, terá que mudar a descrição na sala e esses novos detalhes serão objeto da atenção do jogador. É uma ferramenta que pode ser utilizada a seu favor, mas frequentemente abrevia o suspense e mistério se não tiver a devida atenção.

Digo isso por que, o clima mais presente em Jogos de Poder é o de suspense, a iminência de uma jogada de outro jogador surtir efeito, uma trama sendo desenvolvida sutilmente, um esquema ou golpe quase se concretizando. Essas situações são construídas, em geral, de forma individual em cenas envolvendo apenas um dos jogadores e o mestre, e que por questões de equilíbrio do jogo, devemos dar ao mínimo uma oportunidade para que os demais jogadores consigam perceber algo acontecendo.

Essa deve ser a atenção do narrador. A menos que a construção do “golpe” aconteça de forma impecável e muito cuidadosa, com boas rolagens, empenho de bastante tempo e recursos, deve-se dar uma oportunidade dos demais jogadores ao menos conseguirem se preparar para o baque que o golpe vai causar.

Esse tipo de jogada, que pode ser prevista com o empenho de aliados com contatos ou com formas de adivinhação, deve ser algo construído com muito cuidado por parte do narrador. Garantir que hajam janelas onde os outros jogadores possam perceber, ou talvez intervir, garante o equilíbrio da mesa. Até para evitar que jogadores mais experientes abusem de jogadas solo e tornem a experiência dos mais novos bastante desagradável.

Sobre isso: evite misturar jogadores veteranos com novatos nesse tipo de narrativa, exceto se os veteranos estiverem conscientes de sua condição e se derem o empenho de permitir que o jogo seja divertido para todos, e não uma competição acirrada como normalmente deve ser.

Uma dica para descrição e construção de jogadas individuais: divida-as por etapas que devem ser atendidas. Para cada etapa, planeje uma cena que envolva o jogador e os aliados dele, ou a cena de ação necessária para concretizar a jogada. Para cada uma dessas cenas, desenvolva pistas que os outros jogadores possam utilizar para perceber ou acompanhar a movimentação. As pistas devem ser mais ou menos discretas, dependendo da ambição do jogador que está planejando, e o quão for bem-sucedido em manter-se às ocultas. Mesmo que seja algo pequeno, e bastante discreto, a pista deve existir, não uma pista evidente, uma prova cabal, mas um indício de suspeita de que algo está acontecendo.

Como ressaltei nos artigos anteriores, toda forma de comunicação escrita deve ser mantida em registro sobre seu descarte e sobre o que estava escrito: o lixo de um homem, é o tesouro de outro.

Nos vemos na próxima etapa da Ambientação, sobre as mecânicas que devemos adaptar para permitir que o jogo flua com equilíbrio.

Até breve!

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