Jogos de Poder – Ambientação

por Will
Imagem destacada, “Knights”, de Daniel Jiménez Villalba, disponível em https://www.artstation.com/artwork/9ek1wR


Voltando à nossa construção de uma campanha com temática baseada em politicagem e intriga, Jogos de Poder, que começou em Antecedentes vamos continuar trabalhando com uma segunda questão primordial para o bom andamento deste tipo de jogo: a Ambientação.

Para uma melhor clareza, entenda que a Ambientação compõe toda uma série de fatores, tanto dentro do jogo, quanto fora, que permitem que o ambiente se torne fértil para a campanha no tema escolhido por você.

Suas atitudes como narrador, e o que você permite e nega aos jogadores, influi com bastante força na impressão que você passa a eles. Esforços redobrados em conjunto com desatenção à comportamentos dentro e fora do jogo redundam em prejuízo.

Procederei elencando diversas atitudes que percebi ajudarem a manter o clima no tempero certo para Jogos de Poder. Não devo descrever todas ou ser exaustivo nelas, porém me limitarei às mais importantes:

  • Cenas Individuais: Ao contrário da mentalidade de grupo, jogos envolvendo intriga e política requerem uma atenção mais individualizada, no tocante a tratar o particular de cada jogador. Narrar em separado, em dias diferentes, ou utilizando uma outra plataforma, permite que as sessões possam ter andamento sem serem interrompidas pela necessidade de uma cena individual.
    • Observação: Cenas individuais em meio às sessões coletivas devem ser feitas com cuidado, pois os jogadores que não estão ativos na Cena podem se entediar e “murchar” o clima da sessão.
  • Separando os Jogadores: Nem todas as Cenas vão envolver todos os jogadores. Ao mesmo tempo, nem todas elas vão envolver apenas um jogador. Por vezes, dois jogadores se encontram em uma cena, ou se convidam para tal momento. O jogo fica mais interessante quando a cena se dá entre os dois jogadores, ou mais, caso seja o caso, mesmo em meio às Sessões coletivas. Nesse caso, chame os jogadores ativos para um canto isolado e prossiga a cena deles ali mesmo, ou então dispense os jogadores inativos da mesa por algum tempo e conduza a narrativa com aqueles que permaneceram em ação.
    • Observação: Da mesma forma que as Cenas Individuais, o uso contínuo e prolongado desse recurso pode entediar aqueles que não estão no palanque frequentemente.
  • Clareza de Condições, Ambiente e Ações: Nem todo jogador carrega uma bagagem de política e noção de corte e intriga. A maioria está acostumada a hack and slash, e até mesmo jogadores mais acostumados com a temática, como jogadores de Storyteller e Storytelling, às vezes se perdem na proposta de jogo. É relativamente fácil a sessão desandar para pancadaria mesmo quando isso seria uma ação estúpida. Avisos constantes sobre a temática do jogo, alertas sobre consequência de ações, clareza nas instruções, limites e propostas de jogo são essenciais. Assim como a recapitulação das sessões, faça-as de modo breve no início de todas elas, relatando os ocorridos de conhecimento comum da última. O retoque às informações da campanha devem se repetir de forma constante até que “as crianças aprendam a andar sem a rodinha”. Não existe um tempo fixo, alguns jogadores aprendem logo, outros precisam de alertas constantes.
  • Garanta que Isso Seja Algo que Todos Vão se Divertir: O empenho para esse tipo de campanha é tão exaustivo que não vale a pena narrar se apenas a metade estiver de bom grado com a proposta. Ou todos os jogadores estão afim dessa proposta, ou é melhor narrar outra coisa e esperar juntar uma mesa animada com traições e facadas nas costas. Seja empático, se perceber qualquer variação de “tanto faz”, “estou por vocês”, “o que acharem melhor”, “por mim tá bom” ao perguntar se querem esse tipo de campanha, desconverse e narre outra coisa. Sem a empolgação dos jogadores e seu ânimo em ajudar com vontade na história, isso não dá certo. Se um dos jogadores não estiver animado no dia da sessão, recomendaria jogar outra coisa ou então marcar para outro dia: não insista se não estiver 100%, não vale o risco.
  • Bilhetes, Bilhetes, Bilhetes!: Sua melhor ferramenta. Garanta que os jogadores tenham, além da ficha, uma boa disposição de papéis para mandarem mensagens entre si, ou para você. Ações às escondidas, ações preparadas, mensagens secretas, tudo ajuda a deixar o clima mais tenso no jogo, com pitadas de suspense e iminência de trairagem. Celulares ajudariam se não fossem uma fonte gritante de distrações, e bilhetes permitem que você mantenha um controle sobre as cenas e informações.
    • Observação: Caso algum jogador de fato escrever algum bilhete e mandar para outro, anote o lugar de descarte em ON, e guarde o bilhete consigo. Isso pode ser usado como pista ou gancho para outras cenas. É impagável dois jogadores conspirarem para derrubar outro e descobrirem que foram passados para trás por que um deles não destruiu a mensagem conspiratória.
  • Gerador de Nomes e Planilhas: Infelizmente, por não combinar com o jogo, não é possível levá-lo na leveza e no improviso, é algo muito difícil. Mas nem sempre dá pra planejar tudo, e eu diria que Jogos de Poder envolvem facilmente dez vezes mais PdMs que uma campanha normal: simplesmente por que todo mundo que paira ao redor do poder e da política têm que estar ali por algum motivo, nem que seja ganhar uns trocos a mais. Mantenha uma planilha no computador aberta, no celular caso não use computador, ou um caderno apropriado para isso, salve um gerador de nomes apropriado para o local e se familiarize. Com o tempo, os jogadores vão passar a perguntar o nome de qualquer pajem, tabelião, leão-de-chácara e conselheiro que encontrarem. Podem ir além do nome e criarem relações e amizade com esses personagens, por isso, gere o nome, anote quaisquer observações físicas e dê um objetivo para esse PdM, nem que seja ser o tabelião mais caprichoso do reino, mas de um propósito de vida a ele. Isso vai ajudar a nortear a sua interpretação dele, e como ele reagirá aos jogadores.
    • Observação: Os PdM’s mais importantes, como os Adversários de quem já falamos antes (veja AQUI, AQUI e AQUI) e os Antecedentes (veja AQUI) dos jogadores que falamos no último artigo devem ser preparados com antecedência, já que estarão com mais frequência em contato com os jogadores.
  • Múltiplos Personagens: Quem está no poder, ou chega lá, raramente o faz sozinho. Mesmo nas maiores fábulas da fantasia épica e clássicos do RPG e literatura fantástica, os poderosos dispõem de seus capachos, aliados, conselheiros e servos. Morgoth tinha Sauron, Arthur tinha os Cavaleiros da Távola Redonda,Batman têm um acervo de Robins, dentre outros exemplos. Não é um artifício que seja obrigatório, mas cai muito bem com essa proposta, permitir aos personagens terem acesso a fichas secundárias. Na maioria das vezes, esses personagens secundários seriam interpretados por você mesmo, porém, ao irem para a ação eles passam a ser objeto de interpretação do jogador. A interpretação de múltiplos personagens é algo que melhora e evolui a habilidade do jogador, e a possibilidade de ter mais ferramentas e opções facilita as jogadas e permite uma customização melhor da mesa, bem como aumenta a possibilidade de ações mais ousadas: o jogador não arriscaria tentar assassinar o outro usando seu personagem principal, mas correria esse risco se controlasse um capacho feito especialmente para isso
  • Eu Gosto de Você, Mas Não Gosto Dele: Todos sabemos, não custa lembrar porém, nem todo PdM gosta de todos os jogadores de igual forma. Se ainda não o fizer, recomendo que comece o quanto antes, tome nota da opinião dos PdMs sobre cada personagem, além de deixar as cenas mais interessantes, aprofunda a imersão no cenário. Não é por que o personagem é carismático, têm bons bônus em perícias sociais e fala bem que ele é bem quisto. Algumas pessoas simplesmente não gostam de indivíduos invasivos e introvertidos, outras preferem trocar uma idéia com um colega de profissão: um mago pode muito bem sentir mais afinidade por outro mago do que curtir um papo com um feiticeiro extrovertido. Um nobre veterano pode ser cauteloso com personagens muito influentes e convincentes, e confiar naqueles mais duros e diretos com as palavras. A diferença de tratamento deve ser clara de jogador para jogador.
  • Anotações: Tome nota, de tudo, o tempo todo, seja mentalmente ou num bloco de notas, melhor ainda se for em algo que não lhe tome demasiado tempo. Você provavelmente vai terminar a campanha com um material suficiente para um livro, e a mente exausta, mas seus jogadores lembrarão da história por muito tempo. Não deixe na memória, a mente, às vezes, causa confusão, e nesse tipo de jogo não é muito bacana confundir quem têm a simpatia do rei. Suas anotações garantirão que não precisará preparar cada sessão com antecedência, depois de algum tempo, o jogo se desenrolará sozinho.
  • Estabeleça uma Meta: Pode não ser uma campanha convencional, nem ter uma masmorra ou inimigo claro, mas uma campanha de política têm um final predefinido e, o melhor: têm um vencedor. Estabeleça qual é o objetivo da campanha: a mão da princesa, o governo do império, a conquista do continente. Os jogadores devem ter ciência disso desde o início do jogo para que foquem suas ações e seus personagens para isso. Não estabeleça uma lista restritiva de métodos para que consigam o objetivo: cite alguns meios para conseguirem o que querem, mas permita que os jogadores forjem, eles mesmos, o caminho.
  • Assim, Isso Leva Tempo e Cansa: Não é uma campanha curta, e as sessões não se desenvolvem adequadamente em horários curtos de tempo. Também não é aconselhável ser tocada em épocas de provas, o RPG em si não deveria mas, e outros períodos de grande desgaste mental. Não tenha pressa, a campanha não precisa ser emendada de cabo a rabo, e garanta que as sessões se desenrolam no melhor momento para todos. E não faz mal a nenhum jogador ter um pouco mais de tempo para pensar nas suas opções.
  • Não Existe Apenas um Jeito: É como no mundo real, não dá pra levar todo mundo no papo. Algumas pessoas são imunes à razão. Outras querem apenas fazer as coisas do jeito delas. Explique isso para seus jogadores. Às vezes, eles não conseguirão convencer os outros, por mais que argumentem, brigas na internet são prova disso. Explique as ferramentas de negociação, suborno, alianças e favores para aqueles menos experientes. E avise que, às vezes, as coisas que não deram certo na diplomacia, os homens na história abriram caminho na base da espada, ou do grito.

Essas sugestões funcionam, felizmente, em todos os métodos de jogo, apenas aprimoram e aprofundam seus recursos e habilidades narrativas. Mesmo que não tenha interesse em narrar campanha envolvendo jogos de poder, a organização e aprofundação melhoram substancialmente o jogo.

Continuaremos a Ambientação no próximo artigo, falando sobre a importância da descrição de detalhes, ações e na maneira de conduzir algumas cenas e ações. Até lá!

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