Capítulo 9 – Entrando na Escuridão

Por Ricardo Costa
Imagem de Destaque, artista desconhecido

A passagem para o subterrâneo da cripta cheirava a barro molhado, era estreita e abafada, e suas paredes de pedra, úmidas e frias. Magnus, Mikhail, Baruk e Bingo desceram os degraus até chegarem a uma câmara maior, aberta em rocha e irregular, como o salão de uma caverna. A medida que iam escada abaixo, o cheiro argiloso foi sendo substituído por outro, desta vez, nefasto: o odor ferroso do sangue. Havia também um ruído… um leve rangido metálico. A tímida luz emanada da pedra mágica no colar de Mikhail era tênue demais para iluminar todo o lugar, mas podiam divisar algumas sombras… havia algo pendurado ao teto. Baruk, anão que era, tinha os olhos criados por Moradin para enxergar nas cavernas e que podiam ver além das sombras…

– Pelo Forjador de Almas! Que horror é este?

Bingo não via nada, mas levava uma tocha em seu equipamento. O pequenino, então, a retirou da mochila e, com uma pederneira, a acendeu. Ergueu a chama, jogando a luz amarelada no ambiente.

O que viram foi terrível: pendurados pelos pés a correntes presas ao teto da caverna, corpos nus e pálidos de homens, que balançavam levemente e gotejavam sua vermelha seiva vital pela cabeça, formando poças ao chão. Também havia três grandes gaiolas, penduradas mais ao alto. Nelas, as silhuetas de outros homens sentados e imóveis.

Mikhail se aproximou e tocou os corpos dos homens pendurados e com um menear negativo de sua cabeça, anunciou-lhes a morte. Notaram, porém um movimento em uma das gaiolas. Um dos que lá estavam mexeu-se lentamente e murmurou algo.

– Ajudem-nos! Por favor…

Os aventureiros então interromperam sua momentânea apatia.

– Vamos salvá-los… aguentem! – falou Magnus. – Bingo… vou lhe levantar para você alcançar a jaula! Veja se consegue abrir a porta!

Bingo passou a tocha para Baruk e Magnus o ergueu. E, pondo os pés no ombro do alto paladino, conseguiu alcançar a gaiola. Bingo era mestre no ofício de desarmar trancas e fechaduras, mas no escuro e com aquele apoio precário, demorou alguns minutos, até que a porta fosse finalmente aberta. Uma corda, retirada do equipamento de Baruk, foi amarrada à jaula e o homem, enfraquecido e em roupas sujas, desceu vacilante por ela.

– Graças a Tyr! Obrigado! Muito obrigado, senhores…

– Quem são vocês? O que lhes aconteceu? – perguntou Mikhail.

– Meu nome é Fretad. Os outros que estão nas gaiolas desmaiados estão vivos, mas fracos. São Holemif e Kayas. Eu e meus companheiros fomos presos pela guarda dos Zhentarim, torturados e entregues a este terror – Eles nos penduraram aqui… parecem homens, mas não são. São monstros… se alimentam de sangue… acreditem em mim!

– “Eles”? Tem mais de um? – questionou Bingo, surpreso.

– Sim… um parece ser o chefe e tem outros que o obedecem, uns quatro ou cinco! – disse o maltrapilho rebelde.

– Vocês são do grupo de Kelta Rahl? – perguntou Magnus ao homem.

– Sim! O conhecem? – respondeu Fretad – O chamamos por Pequeno Kelta… ele foi preso também, mas não está aqui. Estávamos em um forte, antes de sermos trazidos para cá. Acho que o Pequeno Kelta seria interrogado. Pode ser que já esteja morto, mas penso que, se isto aconteceu, provavelmente teve um destino melhor do que estes pobres coitados pendurados nas correntes.

– Vamos tirar vocês três daqui e vamos destruir estas abominações. Devem subir as escadas e deixar este lugar. Um de nós, um rapaz chamado Verner, está do lado de fora. Fiquem com ele até sairmos. – orientou, por fim, Mikhail.

– Muito obrigado, senhor, mas cuidem-se! Que a sorte de Tymora lhes sorria! – desejou Fretad, cumprimentando Mikhail em um aperto de mão.

Para o resgate, Magnus e Bingo foram repetindo o método utilizado e retirando os dois outros homens das gaiolas. Estes, muito debilitados, tiveram que ser acordados e mal conseguiam se erguer e segurar na corda, tendo que ser ajudados a descer e evitar uma queda. Foram retornando, a passos curtos e trôpegos, rumo à escada que os retiraria daquele covil, enquanto a Comitiva ia ao sentido contrário.

Havia uma passagem e a caverna continuava em um corredor estreito. Bingo segurava a tocha, enquanto os demais, armas em punho, avançavam, tensos, em um tipo de fila. O ar era abafado e quente e o suor começava a escorrer-lhes. Avistaram a saída do corredor, que se abria em outro salão, um pouco menor. Adentraram a câmara e a luz que a preencheu os permitiu avistar algo.

– Caixões?! – espantou-se Baruk – Cinco caixões… é um tipo de cripta?

– Não, Baruk… Mikhail já nos disse… os vampiros dormem em caixões! Já vi um local assim uma vez no Vale da Adaga – respondeu Magnus – Uma garota foi seqüestrada por um deles e tivemos que entrar no esconderijo de um vampiro.

– Se estiverem frente a frente com estas criaturas, cortem-lhe as cabeças, o mais rápido que puderem. Caso contrário, eles podem se converter em gás, como Kyrius fez na mansão. – Mikhail retirou novamente o piquete de madeira de sua mochila e apontou para o caixão mais próximo – Vamos fincar esta estaca no coração do vampiro. Magnus… tome o piquete. Vou golpeá-lo.

– Mas só tem essa aí, Mikhail!? – perguntou Bingo – Aqui tem seis caixões!

– Dispararemos flechas, se necessário. Mirem no coração… pode funcionar! – respondeu o elfo clérigo

– “Pode funcionar”… isso não me animou muito, elfo! – franziu a testa Baruk!

Bingo deixou a tocha apoiada em uma rocha. Aproximaram-se do um velho esquife negro e empoeirado. Baruk abriria a tampa e Magnus e Mikhail se encarregariam do resto.

– Agora! – comandou o clérigo de Mystra.

A tampa foi aberta em um rompante e Magnus preparou-se para fincar a madeira no coração do morto-vivo, enquanto Mikhail aguardava com o martelo, mas… não havia nenhum corpo. O caixão estava vazio.

– Vazio? Outro alarme falso? – disse Baruk – Onde estão esses malditos?

De repente, ouviram uma gargalhada zombeteira e caíram pesadamente, da escuridão do teto, sobre os heróis, seis silhuetas medonhas. Se pudessem olhar com calma, viriam que pareciam seis homens vestidos em roupas nobres, porém sujas e esfarrapadas. Tinham as peles pálidas como a neve, olhos amarelos e arregalados e uma mandíbula monstruosa, que se abria além do normal para um ser humano, revelando dentes agudos, em especial, os caninos.

Um deles, de imediato, agarrou o pequeno Bingo e o arremessou, à distância, contra a parede, revelando sua força sobre-humana! Outro derrubou Baruk ao solo. O anão tentava, segurando com as duas mãos no cabo de seu machado, impedir que o monstro que se abatia sobre ele, alcançasse o seu pescoço com suas mordidas. Já Mikhail, surpreso, foi empurrado sobre o caixão aberto, deixando cair o seu martelo de guerra. Quando o morto vivo avançou em sua direção, o elfo colocou rápido a mão direta dentro de sua armadura e retirou um pingente, pendurado em um colar dourado, com o símbolo de Mystra.

– Em nome da Deusa, afaste-se criatura das trevas! – bradou em voz firme o clérigo de Mystra.

O morto vivo arregalou ainda mais os olhos e deu passos para trás.

O que se precipitou sobre Magnus foi repelido momentaneamente por um empurrão do robusto paladino. Magnus, então, retirou também seu símbolo sagrado do pescoço, apontou para a direção da criatura e gritou:

Helm avastazar![1]

Ao mencionar essas palavras, um brilho fulgurante preencheu o símbolo, e todas as criaturas mortas vivas gritaram de dor, em seguida tremeram, esfumaçaram e por fim, explodiram em pó e fragmentos!

– Ptuu!! Ptuss! – Baruk cuspia de sua boca parte do pó que restou do morto-vivo que estava em cima dele quando se desintegrou, e agora se levantava, sacodindo a poeira – Garoto… você mandou bem… desse jeito, aquele tal lorde não vai dar nem pro gasto.

– Não é tão simples! Estes foram derrotados mais facilmente porque não eram vampiros, mas crias vampíricas, pessoas que foram mortas e convertidas em servos do vampiro mais poderoso. – informou Mikhail, recuperando o martelo do chão e caminhando na direção do pequenino Bingo, que se levantava, colocando as mãos nas costas.

– Está bem, Bingo?

– Sim, Mikhail… com um pouco de dor, mas tudo bem! Podemos continuar!

Então o quarteto prosseguiu e localizou uma passagem estreita na rocha e seguiu por ela. O corredor irregular esculpido na rocha era interrompido por um fosso natural, continuando do outro lado. Não era possível ver o fundo, que se perdia na escuridão. Era uma distância de cerca de seis metros a que separava os heróis da continuação de seu caminho. Não havia muito espaço para um impulso e a escuridão e o peso do equipamento faziam a tarefa se tornar mais difícil.

– Teremos que pular este fosso, se quisermos avançar! – ponderou Mikhail.

– Amarraremos a corda na cintura de cada um que fizer o salto e seguramos daqui. Caso quem saltar não consiga chegar ao lado de lá, teremos como evitar a queda. – sugeriu Magnus.

A corda foi retirada da mochila de Baruk. Magnus voluntariou-se a saltar primeiro. O paladino amarrou a corda em volta de sua cintura, voltou alguns passos atrás, tomou um impulso e pulou. Imprimiu ao salto força suficiente e conseguiu cair de pé, ainda que tropeçando um tanto desajeitadamente. O jovem desatou a corda, que foi puxada de volta pelos amigos. Baruk foi o segundo. O anão, pesado, não conseguiu um bom salto e quase despencou, mas conseguiu se segurar firmemente na borda da rocha do outro lado e foi ajudado por Magnus a subir. Desta vez, eram os dois que iriam segurar a ponta da corda e os do outro lado, a amarrariam na cintura.

O próximo foi Mikhail. O elfo deu o pulo, conseguindo chegar sem problema. Bingo foi o derradeiro. Ele amarrou a corda à cintura, voltou alguns metros no corredor, correu para o abismo e saltou. Bingo estava no ar, quando surgiu vindo do corredor à frente uma terrível e sinistra silhueta. Um gigantesco e monstruoso morcego que, rápido, o segurou pelas costas com suas garras e tentou o levar para a escuridão do desconhecido à sua frente.

– Me solte, feioso! – brigava o pequenino, socando o enorme morcego, que o sustentava no ar com suas grandes asas. Porém, a força do monstro não era suficiente para superar a de Magnus e Baruk, que retesavam a corda amarrada em Bingo.

Nestes segundos de aflição, Mikhail tomou uma atitude. Sacou um vidrinho pequeno de um bolso, tirou-lhe a tampa e arremessou na medonha criatura alada. O vidro atingiu o alvo e espalhou pela cabeça do morcego um líquido transparente, que fez a criatura emitir um grito horrível e largar Bingo ao solo, voando fumegante de volta para a escuridão à frente, de onde tinha saído. O pequenino caiu ao solo, já do outro lado do precipício, acudido pelos companheiros.

– Como está, Bingo? – perguntou Magnus.

– S-sim… As garras do bicho me feriram um pouco na barriga! – respondeu o pequenino.

Mikhail estendeu suas mãos sobre o ferimento e pronunciou palavras divinas. O ferimento de Bingo fechou-se magicamente. O pequeno sorriu e levantou-se.

Baruk tinha uma dúvida e perguntou a Mikhail.

– Elfo… o que jogou naquele monstro? Algum tipo de veneno, uma poção de alquimista ou coisa assim?

– Água abençoada por Mystra! Os mortos vivos sofrem em contato com ela! – respondeu o clérigo. Agora temos que ir.

Os aventureiros percorreram mais alguns metros do corredor estreito, até que ele se abriu em outro salão. Uma leve luz amarelada escapava desta nova câmara e os heróis a penetraram com cautela. Baruk, que enxergava mais ao longe naquelas condições, foi o primeiro a avistar o local. Era bastante amplo, e estava iluminado por duas piras pequenas, colocadas contra a parede do lado oposto de onde estavam. Iluminavam uma tapeçaria com um desenho de um falcão negro sobre um fundo amarelo. A frente delas, duas silhuetas.

– Preparem-se amigos! Tem dois aí na frente! Um homem em armadura e uma mulher – avisou o anão.

– É Kyrius… e Mirina! – concluiu Mikhail – Se tiverem uma oportunidade de imobilizarem-no, o façam. Tenho uma ideia.

Segundo depois, palavras ecoaram nas paredes de pedra.

– Por favor, aproximem-se! – disse a voz conhecida – Não é para isso que vieram? Para me encontrar?

Os quatro se adiantaram firmes, armas em punho. Estavam a cerca de dez metros dos dois e viam agora com perfeição Kyrius, que vestia uma antiga armadura completa de dragão púrpura e a ruiva Mirina, que trajava um robe fino, semitransparente. Kyrius possuía a metade do rosto deformada com bolhas, que ainda esfumaçavam, mas não ostentava qualquer expressão de sofrimento. Já a bela jovem, estava ereta e parada, com os olhos perdidos no horizonte.

– Solte a garota, Kyrius! – bradou Magnus, apontando o dedo para o vampiro.

– Podiam ter ido embora, forasteiros! Ido e prosseguido em suas demandas. Não os iria perseguir. Porém, decidiram se meter em meus assuntos. E para quê? Para resgatar um bando de rebeldes condenados à morte? Se esses miseráveis iriam morrer, porque desperdiçar seu bom sangue em uma execução? E a jovem beldade do ferreiro… ela deseja ficar comigo. Talvez seja a minha hora de esquecer a solidão, não é mesmo Mirina?

– Sim, mestre! – respondeu a moça, com uma voz fria e sem emoções.

– Você se esconde atrás de uma mulher indefesa! A isto chamo covardia! – prosseguiu Magnus – Libere a moça e nos enfrente, vampiro!

– Suas palavras são um desafio insolente, crente de Helm! Porém, vou atendê-lo! Vá, Mirina, vá ao encontro dele!

A mulher então começou a andar pausadamente até a direção de Magnus. Quando chegou próximo ao paladino, o fitou com seus olhos verdes, posou a mão esquerda no seu ombro e fez menção de beijá-lo. Magnus a afastou delicadamente, quando, em inesperado, a moça retirou um punhal oculto nas costas e golpeou o paladino no flanco esquerdo.

– Arhhhh! Maldito! – gritou Magnus, levando a mão ao ferimento.

Baruk agiu e segurou a mulher, que não fez menção de libertar-se. Magnus então retirou novamente seu símbolo e gritou com convicção o brado dos paladinos helmitas:

Helm avastazar!

O símbolo brilhou intensamente, mas Kyrius permaneceu impávido.

– Seu truque não funciona comigo. Agora é a minha vez!

Kyrius apontou o punho direito cerrado na direção dos aventureiros. De um anel que usava, saltou um fulgurante raio elétrico, que correu em linha na direção de Baruk. O anão e a mulher que segurava receberam a descarga. O anão suportou a dor, mas Mirinha desfaleceu em seus braços. Seus cabelos fumegavam. Mikhail adiantou-se para ver o estado da mulher.

– Ela… está morta! – concluiu o elfo clérigo de Mystra, olhando com pesar para os companheiros.

– Sim. Agora o ferreiro vai descobrir a verdadeira dor da alma e talvez entenda o que sinto!

– Desgraçado! – Magnus sacou sua espada e partiu para o combate. Assim fizeram os outros com suas armas, correndo em direção do vampiro.

Kyrius então subiu pela parede, como se uma aranha fosse, e num salto, converteu-se no monstruoso morcego. Derrubou as piras ao solo, fazendo a escuridão avançar sobre a caverna, ainda que o pingente luminoso de Mikhail continuasse a lançar sua luz azulada. Os aventureiros ficaram desnorteados por poucos momentos, o suficiente para que o vampiro reaparecesse atrás de Bingo e, retomando sua forma humana, o atacasse de surpresa com golpes de espada. Baruk, que a tudo enxergava, conseguiu se aproximar e desferiu golpes do seu machado no morto-vivo. Conseguiu acertar alguns deles, mas ele esquivava-se de maneira sobrenatural da maioria das investidas. Kyrus também acertou o anão em retribuição: Baruk pôde sentir a potência de um grande golpe que o desequilibrou.

O vampiro aproveitou o momento em que a guarda do anão estava baixa, a abriu a bocarra, tornando sua feição humana agora somente uma caricatura animalesca de sua face, e tentou mordê-lo. Foi quando Magnus surgiu por trás e, com as mãos livres, imobilizou a criatura das trevas com seus poderosos braços. Kyrius resistia e tinha força sobre-humana.

– Mikhail! – gritou Magnus! – é a sua chance! Antes que ele vire fumaça!

O elfo clérigo de Mystra então ergueu seu braço na direção de Kyrius, voltou para ele a mão espalmada e bradou em retorno ao amigo:

– Protejam os seus olhos! – “Lux acribbus”

Ao comando do clérigo, um grosso feixe de uma luz branca e fulgurante partiude sua mão em direção a Kyrius e Magnus. Assim que a rajada atingiu o vampiro, ele começou a emitir um grito monstruoso e se debater violentamente. Magnus cerrou os olhos como pôde e reuniu todas suas forças para manter o morto-vivo sob seu domínio. A pele de Kyrius começou a ressecar, seus olhos derreteram e ele se transformou em um esqueleto. Sua armadura, espada e pertences caíram ao chão e, por fim, o Lorde vampiro se transformou em cinzas.

Magnus sentiu que não havia mais pressão em seus músculos e fitou a pilha de cinzas e pertences aos seus pés e a escuridão retornou a caverna.

– Martelo de Moradin! – exclamou Baruk – Vocês passam por isso todo dia na Comitiva da Fé?

– Quase todo dia! – respondeu Bingo.

O anão então olhou para a jovem desfalecida perto de si e se dirigiu à Mikhail.

– Você é ligado aos deuses, elfo… não pode fazê-la voltar a vida? O pobre ferreiro ficará desolado! – ponderou Baruk.

– Não é tão simples. Não posso revivê-la sem usar diamantes caros, necessários para o encanto, coisa que não tenho agora. E existe algo mais. Vejam – mostrou uma marca no pescoço da jovem – Kyrius a mordeu. Não sei se o seu corpo poderá aguardar retornarmos. Corre-se o risco dela se tornar uma morta-viva, como os que destruímos. É melhor que ela encontre seus deuses, um destino melhor do que ser uma serva da escuridão. Vamos dar-lhe um funeral e cremar o seu corpo quando sairmos daqui.

Enquanto conversavam, as cinzas do vampiro começaram a se transformar em uma névoa esverdeada. Bingo, no entanto, percebeu e apontou aos amigos.

– Olhem! Isso ainda não acabou!

A fumaça esverdeada se deslocou pelo ar até a tapeçaria, e penetrou pelo espaço entre o tecido e a parede. Os aventureiros seguiram o rastro puxaram com força o tapete, derrubando de seu suporte. Revelou-se que, atrás dele, a parede crua da rocha havia sido trabalhada e uma adornada porta de carvalho estava oculta. Pensaram em arrombá-la, porém perceberam que ela estava semiaberta. Magnus empurrou lentamente a folha pesada que rangia em suas grossas dobradiças. Não havia uma sala, ou algo assim. Apenas um nicho onde repousava um único objeto: um belo caixão de madeira escura, com geométricas filigranas douradas.

– Ele retornou para se recuperar! Está no caixão. Deve ainda estar fraco. Cravaremos a estaca em seu coração e em seguida cortaremos sua cabeça.

– E assim ele irá morrer finalmente? – perguntou Baruk.

– Na verdade, ele já está morto, Baruk, mas sim… o Livro dos Mortos de Van Dorn diz que se separarmos sua cabeça e colocar um alimento consagrado em sua boca, o vampiro é destruído. Tenho aqui comigo algo que preparei na taverna, quando desconfiei deste Lorde Kyrius.

– Então vamos logo com isso! – disse, apressando, o impaciente anão de barbas negras.

Novamente se prepararam Magnus e Mikhail. O paladino empurrou a tampa de madeira com adornos dourados. E lá estava Kyrius. Deitado, imóvel e de olhos fechados, como deveria estar um morto. Magnus preparou o piquete, encostando-o próximo ao coração do vampiro e Mikhail preparou um golpe de seu martelo. Foi quando Kyrius abriu os olhos.

Mais rápido do que o clérigo, Baruk veio gritando como um louco, com o machado erguido no ar:

– Aaaaaahhh! Morre, desgraçado!

O anão deu um golpe tão forte que a lâmina destroçou o caixão e decapitou Kyrius, cuja cabeça separada do corpo saltou e rolou do esquife quebrado, caindo ao chão. Magnus e Mikhail se olharam por um segundo e, por fim, o elfo clérigo cravou finalmente o piquete de madeira no coração do morto vivo.

Após isto, Mikhail retirou de sua bolsa um pequeno pedaço de pão, que havia abençoado com uma prece à Mystra e pôs na boca do vampiro. Imediatamente o corpo tornou-se ressecado e cinzento. A maldição que agia sobre ele finalmente tinha se esvaído.

– Está acabado! – declarou Mikhail.

– Graças aos deuses, meu amigo! Agora vamos sair daqui! Temos que levar o corpo da garota e dar a ela um funeral decente, de acordo com os ritos de sua divindade. –  disse o paladino de Helm.

– Só um momentinho, Magnus… tem uma coisa dele que pode ser interessante! – disse Bingo.

Os quatro então retornaram para o salão. O pequenino procurou entre os pertences do vampiro o anel mágico que havia disparado o relâmpago fatal, e o colocou no bolso. Mikhail utilizou suas magias de cura nos que se feriram na luta contra o vampiro e, por fim, Magnus tomou do solo o corpo de Mirina e retornaram pelo caminho percorrido pelo lúgubre lugar, até despontarem novamente à superfície, pelo caixão falso de Kyrius, em sua cripta no jardim.

Verner estava sentado, junto com os três cativos libertos, quando ouviu os ruídos de passos subindo os degraus. Sacou sua bela espada obra prima, herança de seu pai, mas notou logo a luz azulada da pedra mágica de Mikhail. O elfo de cabelos dourados foi o primeiro a sair!

– Mikhail! Onde está Mirina? – perguntou de pronto, o jovem ferreiro, ansioso e com o coração a bater potente e rápido.

Enquanto saía, Mikhail apenas pôde lançar-lhe um olhar de tristeza. Disse as únicas palavras que faziam sentido.

– Sinto muito!

Verner viu o corpo de sua amada sair em seguida, nos braços de Magnus. O jovem então, sem nada dizer, ajoelhou o chorou, tal qual pareciam fazer as estátuas de mármore branco no jardim, que recebiam as últimas gotas de chuva da noite tempestuosa.


[1] Brado de destruição de mortos vivos dos paladinos helmitas, que significa “Helm, protegei!

Continua no Capítulo 10 – O Julgamento

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