Vamos Criar uma Aventura! – Ganchos de Aventura e Cenas de Abertura
Por Shawn Merwin
Traduzido por Daniel Bartolomei Vieira
Originalmente publicado em 23 de outubro de 2019 em https://www.dndbeyond.com/posts/624-lets-design-an-adventure-adventure-hooks-and
Imagem Destacada da Wizards of the Coast
Você está em uma taverna (bem, não pessoalmente. Ou talvez você esteja mesmo! Se estiver, eu queria ser você).
A alegoria de iniciar sua aventura em uma taverna é usadíssima demais porque funciona, e funciona muito bem. Uma taverna de D&D é um espaço público onde qualquer coisa pode acontecer, onde qualquer um pode ser encontrado e onde os elementos apresentados são basicamente seguros e bem entendidos tanto pelos jogadores quanto pelos personagens. E isso é exatamente o cerne de se contar histórias: você inicia o leitor com o conhecido, onde ele se sente seguro e estável, e então o joga no desconhecido, onde o conflito e o drama podem ser expressados por completo.
A alegoria “vocês começam em uma taverna” é bastante usada por boas razões, mas é tanto usada que acabou sendo alvo de gozações. Como nós podemos extrair as melhores partes de uma alegoria, dar a ela um toque especial e fazer a abertura da aventura repercutir entre jogadores e DMs e ainda assim ser funcional?
Você Pode Se Perguntar, Como Cheguei Até Aqui?
Um grande problema de se começar na onipresente taverna? É fácil e confortável demais. Esse é o problema com o óbvio: não requer que se pense em nada, e é um território perigoso de se estar quando você está criando. Se não for colocado nenhuma ideia ali, é fácil demais se perder nas coisas que dão errado, ou perder de vista elementos que tornariam a sua criação única e memorável.
Uma das coisas mais preocupantes que eu sempre dizia em minhas aulas de escrita criativa era isto: quando você escreve uma história curta, a menos que você prenda o leitor na primeira metade da página, ele provavelmente não vai terminar de ler. Com um romance você pode ter algumas páginas de vantagem em vez de algumas sentenças, mas a premissa é a mesma. Aquela tensão de criar a abertura perfeita é um dos maiores desafios e emoções de se escrever ficção, e embora o mesmo tipo de envolvimento de público possa não ser o mesmo para aventuras escritas, ainda é importante começar de maneira mais impactante possível.
Quando você está escrevendo a abertura da sua aventura, lembre-se de que jogadores e seus personagens provavelmente terão a necessidade de terem duas perguntas respondidas quando se sentam para jogar sua aventura:
- Onde estou?
- Por que estou aqui?
quando pensamos sobre uma a criação e jogabilidade de uma aventura típica, duas perguntas normalmente são respondidas pelo DM ou pelo criador da aventura. O “onde” é a cena de abertura, e o “por que” é o gancho de aventura. “Vocês estão na Estalagem da Saudação da Donzela, e estão procurando por riqueza entre os rumores de estranhos acontecimentos na região”: esta é a minha versão resumida do gancho e da abertura para uma das mais famosas aventuras introdutórias da história do D&D, The Village of Hommlet (algo como O Vilarejo de Hommlet).
Hommlet, assim como incontáveis aventuras de seu tempo entrega aos jogadores o gancho e a cena de abertura como um pai entregando a um filho um pedaço de pão com manteiga. Não é lá muito interessante ou particularmente nutritivo, mas o distrai até a hora da janta. Quando pensamos em ganchos e aberturas de aventuras no clima do D&D atual, não queremos pensar em pão e manteiga. Queremos pensar mais criativamente. Não queremos apenas que nossos jogadores comam melhor, queremos que eles tragam seus próprios tira-gosto.
O Gancho Deve Trazer Você de Volta
Então, como podemos fazer com que os jogadores façam seus próprios ganchos? Vamos começar sendo honestos: como DM, talvez o seu grupo caseiro se preocupe apenas com o “onde” para seus personagens e sobre o “por que”. E se você está escrevendo apenas para o seu grupo caseiro, até aí tudo bem. Eles estão apenas sentando lá e esperando pelo bom e velho pedaço de pão antes do jantar. Eles só querem ouvir onde é a primeira luta e irão até lá usando qualquer razão que lhe derem. Não há nada de errado com isso.
Entretanto, se você estiver escrevendo uma aventura para ser publicada ou distribuída, você nunca sabe o que os personagens querem – ou mais aterrorizante ainda, o que os jogadores querem. Como um criador de aventuras, esteja preparado para o DM mestrar sua aventura com uma variedade de ganchos, mesmo que você seja o DM. E mais, deixe os personagens criarem seus próprios ganchos.
Se ainda estiver prestando atenção, provavelmente está se perguntando, “Como em nome de Tymora eu vou saber o que cada jogador quer ou o que faz cada personagem vibrar?”. Excelente pergunta, intrépido leitor. A questão é, você não sabe. Entretanto, você tem ferramentas que são fornecidas pelos amigáveis e sagazes criadores da quinta edição do D&D para auxiliá-lo e auxiliar os DMs.
Antecedentes são uma excelente opção para criar um gancho que acrescente um toque pessoal ao um aventureiro que você esteja criando. Dê uma olhada no capítulo 4 do Player’s Handbook: Livro do Jogador e imagine como alguém com tal antecedente poderia ter uma conexão prévia com a aventura que você está escrevendo. Você pode até agrupá-los para cobrir uma base maior, como por exemplo o charlatão, o criminoso e a criança de rua poderiam ter experiências semelhantes para se envolver com a aventura. Se você puder pensar em um gancho para cada antecedente do Player’s Handbook: Livro do Jogador, terá um gancho para praticamente qualquer personagem de D&D – ou ao menos um no qual um DM poderia trabalhar.
Outro conjunto fantástico de ferramentas são as facções. O núcleo de regras descreve algumas facções importantes em Forgotten Realms às quais os personagens podem se juntar. Estas facções, claro, são muito mais do que simples organizações. Elas representam um conjunto de ideias e objetivos que são comuns para muitos aventureiros. Se um PJ for todo bondade e luz, esse jogador poderia colocar seu personagem junto à Ordem da Manopla. Se um PJ tende andar na linha cinzenta entre o bem e o mal, os Zhentarim é provavelmente um grupo para ele. Conforme escreve a sua aventura, pense em como os personagens pertencendo a esses grupos poderiam ser introduzidos na aventura. Os jogadores estão dizendo o que querem quando se juntam a estas facções. Você simplesmente precisa criar um gancho para a facção, não para cada personagem individual. Se um personagem se preocupa com a natureza como um todo, ele seria atraído por qualquer coisa que interessaria ao Enclave Esmeralda.
Se você não está se aventurando em Forgotten Realms, essas facções ainda são úteis. Elas provavelmente possuem grupos análogos em um mundo diferente. Elas poderiam precisar apenas de sutil alterações para serem usadas em Eberron, Ravenloft ou em quaisquer outros mundos de jogo por aí, incluindo os de criação própria. Qualquer mundo de criação própria poderia ter uma organização como os Harpistas. E mais, cada mundo tem suas próprias facções. As casas Marcadas pelo Dragão de Eberron são grandes patronos para grupos de aventureiros, por exemplo.
Se você traduzir esses objetivos de facção para potenciais objetivos de personagem, e criar informação que essas facções poderiam ter em rumores que seus personagens seguiriam até a história, você tem ganchos de aventura prontos para oferecer aos personagens. Embora eles não sejam tão pessoais quanto dizer, “Ei você, Bete, a Bárbara, o burgomestre desta aldeia matou seu irmão”, estes ganchos são mais pessoais do que, “Você está procurando por aventura”. O burgomestre pode ser suspeito de matar um membro da facção de um dos personagens, e esse gancho pode carregar consigo muita narrativa e motivação assim que a aventura começa.
Mostre, Não Diga (ou Diga, Não Mostre)
Agora vamos falar um pouco a respeito de cenas de abertura. A cena de abertura de sua aventura é a primeira impressão que você dará ao DM e, por extensão, aos jogadores. Estas cenas de abertura são simplesmente poderosas justamente por estarem colocadas no início da aventura, em termos não somente da revelação da história, mas no tom da aventura como um todo. Como eu já mencionei diversas vezes, esse tom é vital para o entendimento que o DM tem da sua aventura e para o divertimento dos jogadores da aventura.
Um dos conselhos mais comuns sobre escrita é “mostre, não diga”. Assim como a maioria dos conselhos, este é um conselho sólido… até que não seja mais. Na maioria dos casos da escrita de ficção, mostrar é muito mais poderoso do que dizer. Entretanto, dizer tem lá o seu próprio poder, tornando isso uma parte essencial da caixa de ferramentas do escritor. “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos…” é uma das aberturas mais famosas na literatura, e é memorável por dizer ao leitor que a história que se segue é complexa e simples e heroica e trágica, tudo ao mesmo tempo. Meia dúzia de palavras podem carregar tamanho peso na narrativa pois elas dizem ao leitor em vez de tentar mostrar.
O mais valioso conselho sobre escrita, até mesmo para se escrever aventuras, é: “mostre se puder, diga se for preciso, mas não faça ambos”. Apesar dos meus conselhos anteriores, devemos nos lembrar que conforme escrevemos aventuras, não estamos escrevendo ficção. As aventuras de D&D são mais como uma escrita técnica do que uma escrita criativa, pois é importante que o leitor (no caso, o DM) entenda as intenções e a mecânica do trabalho, além de do potencial que a história tem de se desenrolar.
Descrever o covil de um troll com uma linguagem poética pode até ser divertido, mas não ajuda o DM a entender a disposição e os elementos mecânicos da área. Estabelecer conexões lógicas entre encontros é muito mais importante do que escrever um texto para entreter. É claro que isso não significa que você não possa escrever uma prosa que entretenha e que provoque; contudo, se você puder dizer ao DM algo em 20 palavras do que mostrar em 100, use a primeira opção em vez da última.
Tudo sobre esse conselho se encaixa em qualquer parte da aventura, mas a abertura de uma aventura é algo particularmente crucial. Você tem que estabelecer as coisas ali, tão rápida e eficientemente quanto possível, sem deixar muitas brechas as quais o DM seja forçado a preencher. Claro, muitos DMs gostam dessa flexibilidade e não têm qualquer problema em acrescentar seu próprio toque à sua aventura, mas ao mesmo tempo muitos DMs compram aventura prontas exatamente para não terem que se preocupar em preencher essas brechas. Esses primeiros DMs que citei podem sempre cortar as coisas, mas os últimos têm mais dificuldade em acrescentar. Satisfaça o maior público possível.
Encontrar o correto nível de competência versus a facilidade de uso é sempre tentar acertar um alvo em movimento, de aventura para aventura e de público para público. Mas é crucial na cena de abertura, onde toda atenção está focada. Assim sendo, o que deve e o que não deve ser feito nas cenas de abertura?
Defina a cena, mas deixe que os personagens façam suas próprias escolhas e contem suas próprias histórias o mais rapidamente possível.
Este é outro motivo pelo qual o início da taverna é algo tão tentador. Você diz, “Vocês estão em uma taverna”, e a cena é definida muito bem na imaginação da maioria dos jogadores. Infelizmente, essa cena é provavelmente muito diferente na imaginação de cada jogador, mas ao menos é um lugar confortável para eles. Na menor quantidade de palavras possíveis, diga aos personagens onde eles estão; mostre a eles alguns detalhes que sejam importantes para a trama, cena, personagem, etc.; dê a eles uma razão para estar onde estão; então faça a pergunta mais importante do jogo tão cedo quanto puder: “o que vocês fazem?”.
Estabeleça um tom e um tema rapidamente.
Se você está escrevendo uma aventura de mistério, deixe sua cena de abertura criar a sensação de mistério. Se sua aventura está seguindo o tema do terror, acrescente detalhes que sejam inquietantes e tirem rapidamente os personagens de sua zona de conforto. Isto não tem que ser exagerado, mas detalhes são importantes. Se uma aventura será particularmente sangrento e violenta, faça com que os personagens vejam um aldeão passar por eles pela rua com o nariz ensanguentado. Isso lhe custaria cerca de 15 ou 20 palavras a mais a escrever, mas é memorável e estabelece um tom. É um grande retorno para um investimento de poucas palavras.
Não dê todos os detalhes nos três primeiros minutos.
Mesmo que você tenha criado a mais brilhante e elaborada trama para a sua aventura, a qual seus jogadores vão adorar, permita que eles tragam a tona esses detalhes com suas ações e perguntar em vez de jogar a informação toda de uma vez. Apresentar a cena é legal; sufocar os jogadores com detalhes intermináveis não é. Ouvi dizer que o cérebro humano consegue se lembrar apenas de 10 coisas diferentes de uma vez. Já cérebros semi-humanos como o meu? No máximo umas três coisas. Ofereça apenas o básico e então mostre o caminho para que eles descubram mais.
Ofereça caminhos diferentes, ou vários tipos de caminho, para que eles descubram a mesma informação.
Se é importante que os personagens da sua aventura saibam a respeito das leis especiais da aldeia logo no início, e que também saibam rapidamente os nomes e personalidades dos membros do conselho da aldeia e a exata localização dos locais onde aconteceram os assassinatos, e as motivações e álibis dos suspeitos desses assassinatos, use meios diferentes para transmitir tais informações.
As leis podem ser colocadas em materiais de apoio para consulta rápida, e a localização dos locais dos assassinatos podem ser mostrados em um mapa ou em um material de apoio. O condestável com sotaque singular pode mencionar os nomes de todos os suspeitos e descrever os álibis deles, enquanto os membros do conselho da aldeia podem ser introduzidos através de interpretação com o grupo durante um evento público (e também fornecido por um material de apoio). Estas várias abordagens para introduzir detalhes possuem mais chance de serem fixadas na mente dos jogadores do que apenas ouvi-las do DM em uma monótona voz de leitura.
Vá direto para a ação o mais rápido que puder, seja lá qual ação for.
Se precisar começar in media res, o faça!
Ops, Latim é uma Língua Morta
In media res é uma fase em latim que significa, “Eu não quero criar ganchos e aberturas pomposas para minha aventura de D&D”. Minha tradução pode parecer um pouco exagerada, já que faz muito tempo que fiz aulas de latim na faculdade, mas eu acho que é uma tradução bem precisa.
Ou talvez signifique apenas “no meio das coisas”. Seja como for, a ideia é uma só. Todos os conselhos que dei até agora levam nessa direção, de qualquer forma. Se você começar com os jogadores no meio de alguma ação, onde eles estão falando e tomando decisões em vez de absorver tal informação, as mentes deles provavelmente estão em um lugar melhor para absorver tal informação ativamente em vez de passivamente. A teoria da didática confirma isso. O aprendizado ativo frequentemente se equipara ou supera o aprendizado passivo, e vários tipos de aprendizado são normalmente melhores do que apenas um.
Se você acha que os jogadores da sua aventura apreciam um bom combate, comece sua aventura com “Joguem a iniciativa”. Jogadores que preferem receber toneladas de informações antes de tomar decisões podem se sentir perdidos por um momento, mas há sempre meios de aliviar isso. Permita que cada personagem faça uma pergunta toda vez que for o turno dele no combate, como “onde estamos?” ou “com quem estamos lutando?”. Antes do fim do combate, os personagens não apenas terão ciência da situação, eles estarão prestando mais atenção do que estariam se tivessem começado com um “Vocês estão em uma taverna”.
No próximo artigo, criaremos uma abertura para a nossa aventura em criação, e falaremos a respeito de um dos tópicos mais controversos na criação de aventuras: a caixa de texto!
Qual a sua cena de abertura favorita em uma aventura que mestrou ou jogou? Conte-nos nos comentários!
Shawn Merwin é um designer profissional, desenvolvedor e editor de D&D com 20 anos de trabalho e mais de 4 milhões de palavras em conteúdo, da terceira à quinta edição. Seus créditos mais recentes incluem o livro Acquisitions Incorporated, Portal de Baldur: A Descida até Avernus e Storm Lord’s Wrath. Ele também é Gerente de Recursos para a campanha da Adventurers League Eberron: Oracle of War. Shawn é o anfitrião do podcast semanas de D&D chamado Down with D&D, e cursa um mestrado em artes em Escrita Criativa pela Vermont College of Fine Arts. Você pode seguir seus devaneios e reflexões no Twitter em @shawnmerwin.
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