Vamos Criar uma Aventura! – Construindo Encontros com os Pilares

Por Shawn Merwin
Traduzido por Daniel Bartolomei Vieira
Originalmente publicado em 12 de fevereiro de 2020 em https://www.dndbeyond.com/posts/699-lets-design-an-adventure-building-on-the-pillars
Imagem Destacada da Wizards of the Coast


O que pode ser melhor do que uma incrível batalha na boca de uma vulcão prestes a entrar em erupção, uma perigosa exploração e, territórios não mapeados e repletos de armadilhas, ou uma tensa negociação com um déspota friamente calculista e manipulador? Essa é fácil! As três ao mesmo tempo!

No último artigo nós conversamos sobre a criação de encontros que usam cada um dos três pilares de jogo do D&D: combate, exploração e interpretação (ou interação social). Agora iremos discutir a combinação destes três pilares em um encontro para compor um todo muito mais desafiador e memorável do que a soma de cada uma destas partes separadas. Mais importante ainda, vamos dar uma olhada nos modos de fazer estes encontros cantarem narrativamente juntos sem torná-los terrivelmente complicados de narrar em termos da mecânica do jogo.

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Combate + Exploração

Eu já conversei com muitos e muitos DMs e jogadores ao longo destes anos todos, e o que eles querem de uma aventura de D&D é tão diverso quanto os jogadores que participam do jogo. Alguns jogadores e DMs ficariam felizes simplesmente ao narrar/participar de um combate após o outro; para eles, a interação dos atributos dos monstros e dos atributos dos personagens é a melhor parte do jogo. Se é disso que você gosta, isso é maravilhoso.

Contudo, outras pessoas podem ficar cada vez mais enjoados dos intermináveis combates, o que em certo ponto podem parecer todos iguais: os personagens entram em uma sala da masmorra, eles lutam contra os trolls (não se esqueçam de trazer o fogo e o ácido), eles derrotam os trolls com quase nenhuma palavra trocada entre o DM e os jogadores, eles pegam o tesouro, eles decidem se descansam ou não, e ele seguem para a próxima sala para encarar o próximo grupo de monstros e seu tesouro. O que podemos fazer, mesmo na exploração de masmorra mais direta possível, para acrescentar algo ao combate que seja mais interessante do que apenas fazer um monstro ou tesouro diferentes?

A exploração pode ser um componente chave no acréscimo de algo que torne um encontro de combate único, e isso pode ser feito de várias formas. Alterar a forma do campo de batalha, variando o terreno com o qual os combatentes devem lidar, esconder partes do cenário que devem ser descobertas durante o encontro: tudo isso exige apenas um pouco de trabalho por parte do criador da aventura, mas é algo que pode dar um sopro de vida para um combate que, de outra forma, seria apenas mais um encontro de combate meio paradão.

Aqui estão algumas dicas para acrescentar alguma exploração a um combate, tornando-o mais único, prazeroso e memorável:

  • Crie um encontro para encorajar a movimentação. Taticamente, a maioria dos participantes de um combate não se movem mais até que consigam uma posição tática ideal. Isto pode contribuir para uma série de encontros sóbrios demais. Às vezes, tudo o que é necessário para criar um pouco de caos em um encontro é incluir algo no combate que encoraje ou demande de movimentação. Por exemplo, o chão está eletrificado, portanto se uma criatura termina seu turno no mesmo lugar que começou seu turno, ela sofre dano elétrico (ou pior). Coloque elemento na sala que se movem, ou que atraiam os personagens até eles. Zonas que causam dano encorajam os personagens e também seus oponentes a tentar empurrar seus inimigos até elas.
  • A simetria não é necessariamente sua amiga. O cérebro humano é normalmente atraído para a simetria. Desenhar mapas não é muito diferente disso. Costumamos desenhar salas bonitas e simétricas que são sempre as mesmas, o que leva os combates a serem sempre parecidos. Conforme você cria seus mapas das áreas de encontro, procure por maneiras de fazê-los diferentes, com formações estruturais irregulares que podem não ser bonitas, mas que são interessantes conforme as criaturas se movem por elas.
  • Esconda os monstros e permita que os personagens se escondam também. Quando ambos os lados em um combate podem ver um ao outro, eles costumam recorrer às mesma rotinas táticas que estão acostumados. Dê uma chacoalhada nas coisas um pouco e inclua alguns monstros escondidos, ou que necessitam ser removidos de uma posição tática superior. Isso faz com que os jogadores pensem um pouco mais fora da caixa e ajam de forma diferente. Da mesma forma, criar um campo de batalha que permite que os personagens se escondam ou que façam um melhor uso tático do terreno pode ser bastante interessante e diferente.
  • Incremente o encontro com alguns brinquedinhos maravilhosos. Conforme os personagens lutam contra os servos cultistas do maligno déspota, um deles tira a lona de cima de uma máquina de aparência terrível que começa a zumbir com poder mágico. Um dos servos assume o assento da máquina e sua torreta gira para mirar no personagem mais próximo. Ao fazer isto, você oficialmente tem a total atenção dos jogadores. Coloque estes objetos misteriosos em uma sala. Algo tão simples quanto um candelabro pode acrescentar momentos memoráveis a um encontro. Dê aos jogadores a oportunidade de fazer testes de atributo para descobrir o que estes brinquedinhos fazem. Se eles ainda não estiverem dispostos a interagir com qualquer coisa que não seja suas planilhas de personagem, faça com que os monstros usem tais brinquedinhos com grande efeito. Alguém deve se divertir com a exploração, mesmo que seja só o DM!
  • Fique de olho no equilíbrio do encontro. Embora acrescentar complicações a um combate seja algo divertido e memorável, não acrescente complicações a ponto delas sufocarem os personagens. Quando você cria estas complicações, pense nelas em termos de desafios. Se as complicações impedirem apenas os personagens, verifique quão difícil é a complicação em relação a um monstro, e defina um nível de desafio para ela como se ela fosse um monstro. Descubra isso em seus cálculos quando decidir quão difícil será o encontro. Se for uma complicação que pode ser usada por ambos os lados da batalha, ela não deveria afetar o nível de dificuldade do encontro, porém certifique-se que ela não seja tão poderosa a ponto de quando for usada por uma pessoa, não elimine o lado oposto.
  • Torne a exploração em combate atraente para todos os jogadores. Há certos tipos de jogadores que adoram o caos, ou ao menos adoram histórias que surgem do caos. Este jogadores normalmente precisam de pouca coisa para abandonar o combate “típico” e tentarem algo novo ou diferente. Jogadores com otimização mínima e máxima frequentemente seguem outra direção, evitando ao máximo o desconhecido pois ele poderia não ser ideal seguindo a ideia de quando criaram suas planilhas de personagem. Nesses casos, certifique-se que fique claro que estas outras ações ou situações não são abaixo do ideal. Não force personagens a usarem ações para que aprendam as coisas, e torne as ações deles em algo que tenha valor.

Você também pode contornar isso e fazer da exploração o principal objetivo do encontro, onde o combate está presente, porém age apenas como um componente menor do encontro. Imagine o exemplo a seguir: os personagens são presos em uma sala metálica onde estão recebendo dano elétrico em intervalos aleatórios, e os choques aumentam de intensidade a cada vez. Os mecanismos para desarmar a eletricidade estão escondidos em quatro estátuas, mas há doze estátuas na sala. Ao mesmo tempo, dragonetes resistentes à dano elétrico estão atacando, mas eles representam uma ameaça menor do que as descargas elétricas. Neste caso, a exploração da sala é uma tarefa muito mais urgente do que lutar contra os dragonetes.

Nesta situação, o desarme da armadilha (e a exploração para encontrar os mecanismos de desarme) é mais importante do que as criaturas que estão atacando. Novamente, é importante deixar claro que os monstros são a menor das duas ameaças – e ainda assim você verá alguns jogadores simplesmente preferindo atacar os dragonetes, pois pode ser que os jogadores só tenham essa visão limitada de sempre lidar com os monstros antes de lidar com qualquer outra coisa mais.

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Combate + Interpretação

Se misturar combate e exploração lida com a mudança de como os personagens e DMs interagem com o mapa e com o cenário, misturar combate e interpretação frequentemente tem mais a ver com a mudança de elementos narrativos do encontro; no entanto, isto não significa que a interpretação não pode ter também grande parte no poder de se determinar o desfecho de um combate.

Eu posso ouvir muitas pessoas dizendo agora, “Mas você sempre pode interpretar durante o combate!”. Oras, isso é inegável. Boa parte da graça pode ser jogar conversa fora com os inimigos, lançar-lhes provocações e ofensas, e até mesmo descrever com absolutos detalhes as ações e reações dos personagens e monstros.

O que eu estou querendo dizer aqui é que criar um encontro que não apenas permita interpretação durante o combate, mas que use ativamente a interpretação como parte integral do encontro de combate. Fazemos isso recorrendo à queles elementos dos encontros que discutimos anteriormente (informação, objetivos, ameaças, desafios, escolhas, consequências, desfechos, etc.) e descobrindo como tornar a interpretação parte integral da mistura do encontro de combate/interpretação. Se pensarmos em como a interpretação pode esclarecer ou satisfazer um ou mais destes elementos durante um combate, fizemos um encontro muito mais interessante do que somente o combate direto e reto.

Talvez os personagens precisem de informação para que sejam bem-sucedido no encontro, e ela só pode ser obtida ao se convencer um dos prisioneiros que eles estão tentando resgatar a fornecê-la – ou enganar um dos monstros que está tentando matá-lo para que ele a divulga. Talvez o verdadeiro objetivo do combate seja desconhecido até que os personagens o descubram através da interpretação. Talvez a ameaça possa ser dispersada – ou transformada em um recurso – através de uma interpretação bem-sucedida, como os personagens convencendo um mercenário a trocar de lado.

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Exploração + Interpretação

Encontros que misturam exploração e interpretação podem ser um pouco mais difíceis de se imaginar, mas mesmo assim oferecem grande desafio e exclusividade quando bem criados. Novamente, nós devemos recorrer àqueles elementos de um encontro para ver como a exploração ou a interpretação, ou uma mistura dos dois, podem ser incorporados.

Se algumas formas, um encontro social profundamente envolvente e habilmente planejado é sempre uma mistura de interpretação e exploração. Contudo, em vez de explorar o reino físico, os personagens estão navegando pelo reino social que pode ter armadilhas, perigos, passagens bloqueadas e becos sem saída que são exatamente como suas contrapartes físicas de uma masmorra. Levar um monarca a dar uma ajuda para uma causa pode ser algo carregado com tanto perigo quanto uma tumba repleta de armadilhas; dizer a coisa certa na hora certa, evitar tópicos desagradáveis e desnecessários, e usar o tom certo durante a conversa é absolutamente vital. Em vez de fazer testes de Sabedoria (Percepção) ou Inteligência (Investigação) para notar problemas, os personagens usam Intuição. Em vez de usar ferramentas de ladrão ou Prestidigitação para contornar um problema, os personagens estarão fazendo testes de Sabedoria (Intuição) ou Carisma (Intimidação) e Carisma (Persuasão).

Se preferir, o encontro poderia ser a exploração de um espaço físico, mas os personagens têm mais recursos (ou mais a perder) que podem ser afetados pela interpretação. Enquanto estão atravessando uma paisagem perigosa, cheia de ameaças e armadilhas, os personagens têm a oportunidade de ajudar ou atrapalhar as duas facções de orcs e homens-lagarto que estão em pé de guerra. Com quem os personagens se aliam, se é que se aliam, pode lhes dar bônus ou penalidades durante sua jornada: os orcs podem ajudar os personagens nas Terras Rochosas, enquanto os homens-lagarto oferecem um guia para ajudar os personagens a atravessarem o Pântano do Infortúnio. Muitos níveis da Submontanha em Waterdeep: Dungeons of the Mad Mage (Águas Profundas: A Masmorra do Mago Louco) exemplificam este estilo de exploração de masmorras com negociação com facções, principalmente do 11º nível: Troglodyte Warrens (Tocas dos Trogloditas).

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A Trinca: Misturando Todos os Três Pilares

Onde um jogo pode ter seu melhor desempenho é quando se usa todas as ferramentas à disposição para se criar desafios e recompensas. Misturar os três pilares dentro do mesmo encontro requer um bocado de ideias, paciência e retoques, mas os melhores jogos vêm disso. Vamos tentar criar um encontro assim agora mesmo, usando o exemplo do artigo sobre a Caixa de Texto como ponto de partida. Eu atualizei aquela caixa de texto para melhor se adequar ao nosso exemplo.

Neste encontro, os personagens foram requisitados a visitar um complexo subterrâneo nas fronteiras de uma região inexplorada. Eles sabem que o complexo é usado para armazenar artefatos trazidos dos ermos por exploradores. Os líderes do grupo que cuida do complexo estava aguardando algum contato das pessoas que ficam lá, mas nenhuma mensagem chegou deste posto avançado em dias. Conforme os personagens se aproximam da entrada do complexo, eles veem o seguinte:

Os corvos carniceiros na encosta alçam voo, seus bicos ensanguentados. O banquete deles é repugnante: ao menos trinta cadáveres humanos estão espalhados por toda a encosta, sujos de lama por causa da chuva que caiu mais cedo. Bem no topo da colina, perto da entrada da base secreta, dez aranhas tão grandes quanto cachorros correm na direção de vocês. Elas se movem como as outras de sua espécie, mas na extremidade de cada perna há uma mão, todas abrindo e fechando reflexivamente conforme as aranhas se aproximam. Atrás delas, outra aranha, esta do tamanho de um cavalo e exibindo oito olhos humanos, chiando furiosamente diante da sua presença. Um homem vestido com trajes de explorador está algemado por grilhões de um azul brilhante a um poste no meio do campo. Os gritos do homem são abafados por uma mordaça conforme um enxame de pequenas aranhas rastejam por ele todo.

É fácil perceber que este é um encontro de combate, com os personagens tendo que lutar contra aranhas mutantes. Nós poderíamos criar um encontro de interpretação onde os personagens precisam resgatar e conversar com o prisioneiro. Nós até mesmo podemos fazer dele um puro encontro de exploração onde os personagens devem navegar pela estranha cena na encosta da colina. Porém, vamos tentar tudo isto de uma vez e ver noque é que vai dar:

Encontro com as Aranhas Cheias de Dedos


Com base nos monstros envolvidos, este encontro é tipicamente um encontro de dificuldade Média, para seis personagens do 5º nível. Aqui se seguem alguns elementos do encontro:

Aranhas Lobo Gigantes. Estas dez aranhas têm mãos humanas na extremidades de suas oito pernas. Seu bloco de estatísticas não muda por causa dessa mutação.

Aranha Planar. Esta aranha é a líder do enxame. Embora possua olhos humanos, seu bloco de estatísticas também não muda. A aranha recebeu poderes do seu mestre para proteger a área com seus servos aracnídeos menores. Enquanto os grilhões estiverem prendendo Jodice (veja abaixo), a aranha planar é imune a dano. Quando os grilhões são removidos, a imunidade se vai e a aranha passa a ser vulnerável a todo tipo de dano, e perde sua característica Salto Etéreo.

Cadáveres. Os corpos espalhados por toda a encosta da colina são dos membros do grupo que cuidava da base secreta, e a roupa que vestem indicam esta filiação. Todos os corpos, exceto cinco deles, estão sem as mãos. Os cinco corpos que ainda têm as mãos estão infundidos de magia. Se uma criatura que não sejam as aranhas chegar a até 1,5 metro de tal cadáver, as mãos dele tentam alcançar a criatura para agarrá-la. Uma criatura deve ser bem-sucedida em uma salvaguarda de Destreza CD 13 ou é agarrada (CD 13 para escapar). Um teste bem-sucedido de Inteligência CD 10 (Arcanismo) revela que os corpos não estão vivos e nem são mortos-vivos, portanto “matá-los” com dano não os impede de tentar agarrar. Um teste bem-sucedido de Sabedoria CD 15 (Percepção) feito com uma ação pode localizar os dois corpos mais próximos que ainda têm as mãos.

Prisioneiro. O homem algemado ao poste é Jodice Velonge, um explorador que trabalha nesta base secreta. As aranhas sobre ele não estão lhe causando dano, mas nem por isso ele está menos aterrorizado. A aranha planar está tirando poder vital de Jodice através dos grilhões mágicos. A aranha planar é imune a dano por causa disso, mas os grilhões podem ser abertos com um teste bem-sucedido de Destreza CD 10 por um personagem proficiente em ferramentas de ladrão. Jodice também pode ser capaz de se livrar de suas amarrar por conta própria, mas primeiro ele deve ser acalmado com um teste bem-sucedido de Carisma CD 10 (Persuasão). Tão logo Jodice se livre de seus grilhões, a aranha planar perde sua imunidade ao dano. Se a mordaça for removida, Jodice também pode alertar os personagens sobre quais corpos ainda estão se movendo para ajudá-los evitar serem agarrados.

O Que Vem a Seguir?

No próximo artigo vamos dar uma olhada no fluxo de encontros, juntando cuidadosamente nossos encontros criados para torná-los uma aventura que seja tanto divertida de jogar quanto de mestrar! Nesse meio tempo, nos diga-nos nos comentários quais foram seus encontros mais memoráveis e que foram criados usando-se mais do que um dos pilares do D&D.


Shawn Merwin é um designer profissional, desenvolvedor e editor de D&D com 20 anos de trabalho e mais de 4 milhões de palavras em conteúdo, da terceira à quinta edição. Seus créditos mais recentes incluem o livro Acquisitions Incorporated, Portal de Baldur: A Descida até Avernus e Storm Lord’s Wrath. Ele também é Gerente de Recursos para a campanha da Adventurers League Eberron: Oracle of War. Shawn é o anfitrião do podcast semanas de D&D chamado Down with D&D, e cursa um mestrado em artes em Escrita Criativa pela Vermont College of Fine Arts. Você pode seguir seus devaneios e reflexões no Twitter em @shawnmerwin.


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