Vamos Criar uma Aventura! – Encontros e os Três Pilares

Por Shawn Merwin
Traduzido por Daniel Bartolomei Vieira
Originalmente publicado em 08 de janeiro de 2020 em https://www.dndbeyond.com/posts/693-lets-design-an-adventure-encounters-and-the-three
Imagem Destacada da Wizards of the Coast


Imagem da Wizards of the Coast

No início do processo de criação que levou às regras da quinta edição de D&D, os criadores de jogos conversavam constantemente sobre os “três pilares” de D&D: combate, exploração e interpretação/interação social. Estas discussões eram tanto uma mensagem clara para o reconhecimento de seus parâmetros de criação quanto um aceno tranquilizador aos jogadores de que os criadores sabiam o que tornava o jogo arrastado.

Eu revi e digeri esta informação quando os criadores e desenvolvedores do D&D Next o lançaram, então usei os filtros de minhas próprias experiências como criador, jogador e DM. Muitas perguntas me vieram à cabeça. O que “combate” significava em termos de regras, mas mais importante ainda, em termos de como o conceito de combate em D&D é lidado na incontáveis mesas de jogo por todo o mundo? O que exatamente era “exploração”, o que era divertido e interessante a respeito daquele conceito no jogo, e como poderia o foco em exploração desvalorizar o jogo em certas situações? O que exatamente significa “interpretação” para a variada base de jogadores, e havia uma relação contraditória entre os conceitos de “combate” e “interação social”?

Enquanto eu ponderava sobre tudo isso, eu tive a felicidade de continuar a realizar trabalhos freelance para a Wizards. A nova edição foi anunciada não muito tempo depois de eu ter entregue meu último trabalho para a aventura de capa dura da quarta edição, Halls of Undermountain (Câmaras da Submontanha). Mesmo eu estando trabalhando naquela aventura, eu estava vendo um objetivo em trazer os três pilares não somente para uma aventura, mas também para cada encontro. Eu trabalhei em duas temporadas consecutivas do D&D Encounters – War of the Everlasting Darkness (Guerra da Escuridão Eterna) e Against the Cult of Chaos (Contra o Culto do Caos) – onde vimos uma mudança das regra da quarta edição para o conjunto de regras para teste de jogo do D&D Next. Eu contribui com uma pequena parte da aventura de D&D Next Ghosts of Dragonspear Castle (Fantasmas do Castelo Lança do Dragão), que utilizava completamente o conjunto de regras para teste de jogo. Com cada nova evolução do projeto ao longo da linha do tempo de D&D, uma pergunta recorrente ecoava na minha cabeça: como eu posso trazer o combate, a exploração e a interpretação não somente para dentro da aventura, mas também para dentro de um encontro, de uma forma divertida e que faça sentido?

O Desafio de Uma Hora

Meu primeiro projeto de criação usando o recém lançado conjunto de regras da quinta edição foi Defiance in Phlan (Desafio em Flan), uma aventura inicial para as Expedition da campanha da D&D Adventurers League. Todas as minhas reflexões a respeito de usar os três pilares de D&D em um encontro seriam colocados a teste… pra valer. Minhas instruções para esta aventura eram interessantes e assustadoras para um criador. Os parâmetros da aventura exigiam a criação de cinco mini missões de uma hora de jogo cada. Como elas seriam mestradas nas convenções para introduzir o jogo aos novos jogadores, cada mini missão tinha que ser narrada exatamente no espaço de tempo de uma hora para manter a programação da convenção no horário e evitar maiores contratempos. E, mais importante, cada mini missão deveria mostrar ao menos dois dos pilares em funcionamento – até três se fosse possível. Se eu não estava certo sobre como encaixar os três pilares em um encontro, e fazê-lo de uma forma que tanto os jogadores quanto os DMs desfrutassem, eu teria que aprender rapidinho.

Eu escrevi muito em cima do que aprendi a respeito criação de aventuras e de encontros com aquela experiência, bem como através de quatro aventuras semelhantes que escervi para iniciar as quatro temporadas subsequentes da Adventurers League. Tenho que admitir que alguns daqueles encontros eram melhores do que outros, e alguns eu faria novamente se fosse possível. Todavia, de um modo geral, eu sinto que o retorno que eu recebi dos DMs e jogadores que mestraram ou jogaram aquelas aventuras me ensinaram muito não só sobre as grandes teorias sobre a criação de aventuras, mas também sobre as verdadeiras experiências de jogo de uma enorme variedade de tipos de DMs e jogadores.

Um Pilar, Dois Pilares, Três Pilares, Mais

Agora vamos mergulhar de cabeça na águas profundas da criação de encontros, olhando para eles através do prisma destes três maravilhosos pilares de D&D: combate, exploração e interpretação. Primeiro, deixe-me dizer algo: você pode criar encontros incríveis sem pensar nestes pilares de forma deliberada. As pessoas têm feito isso há anos, e continuarão a fazê-lo enquanto Bahamut estiver sentado em seu trono no Monte Celestia. Contudo, reconhecidamente usar este processo dos pilares pode ajudar a focar nos conceitos e até mesmo permitir que novas ideias floresçam diretamente para sua criação.

Imagem da Wizards of the Coast

Combate


Há apenas quatro anos, eu havia dito que quando um novo jogador passa a aderir ao hobby do D&D, o combate é provavelmente um meio deles interagirem com o jogo e a parte mais substancial de suas experiências iniciais. Durante anos, ao longo das muitas edições, o combate foi o tipo de encontro mais presente no jogo. Era o momento em que muitos DMs se sentiam mais confortáveis em suas mesas de jogo. A maior parte do jogo foca em regras que são usadas em combate. O dado, que as pessoas amam legitimamente jogar, é quem julga os sucessos e falhas durante o combate.

Contudo, a proliferação dos jogos ao vivo através de podcasts e streams podem ter trazido mais pessoas para o jogo por causa do atrativo da interpretação e das interações sociais. Se a transmissão de um jogo com quatro horas de duração contém apenas 2 combates curtos e praticamente nenhuma exploração, isso significa que os jogadores que vieram para o jogo porque assistiram D&D estão mais intimamente familiarizados com a diversão e com os desafios da parte de interpretação/interação do jogo.

Dito isso, o pilar do combate no D&D é obviamente vital ao jogo, e temos que saber o que estamos fazendo quando criando encontros de combate. Os combates são a disputa entre a vida e a morte dos personagens. Na maioria dos encontros de combate, o objetivo é derrotar os inimigos; se os personagens falharem nisso, eles costumam não conseguir alcançar os objetivos do encontro.

Todavia, isso não precisa ser sempre o caso. Existem alternativas únicas e interessantes além do costumeiro encontro de combate “matar todos e pegar tudo”. Ao ser criativo com estes três elementos de encontro que discutimos neste artigo – objetivos, ameaças e escolhas –, nós podemos imaginar uma variedade de encontros de combates diferentes.

Primeiro, vamos dar uma olhada nos objetivos de um combate. Normalmente, conforme já mencionado, o objetivo é matar monstros. Para apresentar uma nova experiência para os jogadores, mude o objetivo. Por exemplo, em vez disso, torne o objetivo do encontro incapacitar os inimigos. Isso força os jogadores a variar sua táticas e planejar mais cuidadosamente. Outra inovação divertida para se adicionar ao combate é ter alguma ação dentro do encontro – como desativar uma bomba-relógio – o objetivo definitivo. Mover-se de um lugar para o outro em uma área de encontro o mais rapidamente possível, como ir da entrada até a saída, também incrementa um encontro de combate. Faça com que todos os inimigos do encontro ignorem os personagens e tentem atingir seus próprios objetivos, o que os personagens devem tentar impedir, pode ser algo divertido e desconcertante para os jogadores.

Apenas uma ressalva: se criarmos um encontro de combate destas formas únicas e diferentes, devemos dar passos nessa direção que garantam que matar todos os inimigos não é a solução ideal para alcançar o objetivo. Vamos pegar o exemplo dos personagens que precisam desarmar a bomba antes que ela exploda. Quando criamos este encontro, se os personagens podem simplesmente matar os monstros primeiro e depois lidarem com a bomba separadamente, isso diminui a tensão e o drama do encontro. Em vez disso, devemos criar parâmetros no encontro que força os personagens a pesarem suas ações com mais cuidado. Dê apenas algumas rodadas para que os personagens desarmem a bomba, ou ofereça meios para que atrasem a bomba sem que ela detone. Isto tira da mesa a típica estratégia “derrote os monstros primeiro”, encorajando novas soluções.

Com qualquer alteração ao típico fluxo de encontro de combate, é importante garantir que os personagens saibam, ou tenham maneiras fáceis de descobrir, o objetivo final do encontro antes que seja tarde demais. É injusto punir os personagens por falharem em um objetivo de encontro do qual eles não tiveram meios de entender qual era. Se você não contar aos personagens que o tempo da bomba está acabando, ou se não der a eles um meio de descobrir quanto tempo falta para a bomba explodir, então você está escondendo informação importante que os personagens precisam para seguir adiante.

Em um próximo artigo nós vamos abordar a combinação do combate com os outros dois pilares para criar encontros mais diversificados e mais interessantes. Mas agora, vamos falar sobre os encontros de exploração.

Exploração


Imagem da Wizards of the Coast

Para mim, a exploração sempre foi a parte mais difícil da criação de aventuras: o pilar mais difícil de se deixar divertido, dramático e envolvente como parte do jogo e como parte da narrativa em andamento. Esta é uma estratégia que me ajudou a considerar a exploração em termos de encontros distintos, com seus próprios objetivos, ameaças, complicações e desfechos em potencial, ao invés de pensar neles apenas como uma mistura de coisas que acontecem conforme os personagens avançam de um encontro para o outro.

contudo, antes de falarmos sobre exploração, precisamos discutir francamente onde se encaixa este pilar no D&D. Em muitos casos, você tem que trabalhar duro para tirar a graça do combate e da interpretação. A exploração, quando não administrada de forma cuidadosa, pode facilmente se tornar repetitiva, anticlímax e terrivelmente entediante. Se você está interpretando um personagem (ou é o DM de alguns jogadores) que adora procurar meticulosamente a cada um metro e meio conforme anda por uma masmorra, com uma baliza de três metros já pronta para usar, enquanto desenha cuidadosamente o covil do dragão em papel quadriculado para registrar tudo, excelente para você! Só que você é uma exceção.

Sendo assim, temos que reconhecer, como criadores de encontros, o que os jogadores (e os DMs que narram nossas aventura) querem fazer quando jogam nossas aventuras. Portanto, o que pode ser dramático e divertido e desafiador e relevante para a história com relação à exploração?

Para responder a esta pergunta, primeiro considere o conceito de exploração no mundo real. Exploradores desbravam o desconhecido, superando perigos e atualizando seus planos com base nessa nova informação, a qual eles não devem somente descobrir, mas interpretar e usar sabiamente. Quando examinada sob este prisma, a exploração não é muito diferente do combate, exceto pelas ameaças e desafios que parecem um pouco diferentes, embora não necessariamente menos perigosas para a missão como um todo.

Quando planejo encontros de exploração, penso em armadilhas diabólicas e esranhos ídolos mágicos, rios com corredeiras rápidas e terríveis rios de lava, salas que se enchem de água ou ondas de lamentos de destruir a mente. Para mim, andar pelas estradas vazias da Floresta Plácida a caminho do castelo não é um encontro, a menos que a Floresta Plácida a caminho do castelo contenha carnívoros Entes da Destruição!

Assim, se um encontro precisa de uma ameaça, bem como consequências para os sucessos ou falhas ao se lidar com essas ameaças, sobre o que estamos falando aqui? Vamos começar sobre com o que eu não estou falando: levar a travar a aventura caso os PJs falhem. Um dos encontros de exploração mais simples é a porta fechada. Se a única ameaça que a porta representa é impedir que os PJs acessem o restante da aventura, esta não é uma boa ameaça e definitivamente é um encontro problemático.

Usando a porta trancada como um exemplo, sem nenhum outro elemento interessante, o que podemos fazer no mínimo é tornar este encontro algo que valha acontecer. A fechadura na porta pode ser arrombada ou uma magia arrombar pode ser conjurada nela para que se abra silenciosamente. Ou simplesmente ela pode ser derrubada com armas ou força bruta após alguma rodadas de pancadaria ruidosa. No nível mais simples, nós temos a ameaça (não podemos ir a lugar nenhum sem passar pela porta) e as consequências para o sucesso (continuar sem ser percebido) ou ser parcialmente bem-sucedido por causa de uma pequena consequência (as criaturas nos próximos encontros de combate têm a chance de se esconder e surpreender os PJs).

Usando este encontro super simples como um guia, você pode imaginar as diversas adaptações que podem ser feitas em um encontro de exploração. Em vez disso, uma porta em uma masmorra pode se tornar uma clareira mágica no meio de uma floresta, e a ameaça e consequências podem ser simples ou complexas de acordo com o que você quer delas. É apenas uma questão de fornecer o objetivo, a ameaça, as escolhas e as consequências. Esteja você lidando com um obstáculo físico, uma armadilha capciosa, um perigo sobrenatural ou uma viagem arriscada, sempre mantenha todos os elementos de um encontro em mente, e esteja disposto a usá-los.

Interpretação/Interação Social


Há muito tempo que a interpretação vem sendo considerada a cereja do lindo bolo que é o RPG de mesa – a coisa que diferencia o D&D de outros RPGs e dos jogos de tabuleiro. As maravilhas se se assumir uma nova personalidade, dando aos personagens seus próprios antecedentes e objetivos, isso sem mencionar suas fraquezas e excentricidades, é o que atrai uma multidão de jogadores de D&D.

Uma questão que não é apenas do D&D, mas de qualquer RPG com interação social, é que a interpretação é um aspecto do jogo frequentemente visto de forma independente do restante das regras. Há a jogada dos dados e a luta contra monstros, mas os dados são deixados de lado quando a “parte da conversa” começa. Os jogadores que amam a tensão e a estratégia do combate e a exploração poderiam ser tentados a ignorar isso, e a pessoas que querem mastigar todo o cenário proverbial com suas ações de interpretação (ou falta delas) interpretam com total entrega, frequentemente sem levar em consideração o que isso significaria para a narrativa ou para o jogo em progresso.

Por vezes, a separação combate/exploração e interpretação fica tão distinta uma da outra que o jogadores ficam chateados quando escolhas interpretativas ou os aspectos sociais do jogo têm algum tipo de impacto significativo no jogo. As reclamações de “você não pode matar meu personagem sem jogar um dado” não são poucas – como se, nas histórias do nosso mundo (e na nossa realidade), os personagens nunca fossem derrotados por causa de suas escolhas ou de seus equívocos sociais. Se você quer que a narrativa e o jogo todo tenham algum significado, preste uma atenção especial em seus encontros de interpretação.

Assim como no combate e na exploração, se focar nos elementos que compõe um encontro podem nos auxiliar a criar encontros sociais memoráveis e vitais. Novamente, vamos pensar naqueles elementos de encontro que precisamos para criar um encontro totalmente formado e que seja relevante: informação, objetivos, ameaças, escolhas e, então, as consequências e desfechos. Da mesma forma como tudo isso é válido para combates e exploração, também o é para os encontros de interpretação. Uma coisa é certa, com encontros sociais o jogo poderia exigir um pouco mais de sutileza, mas ainda assim se encaixa no padrão.

Imagem da Wizards of the Coast

Aqui temos um exemplo: uma comerciante do mercado da cidade testemunhou um assassinato, mas está muito assustada para admiti-lo, e os personagens precisam dessa informação que ela possui. Ao ir para o encontro, os personagens sabem que quem sabe é um dos quatro comerciantes que possuem barracas no mercado. Isto cobre o elemento de informação conhecida do encontro. A oposição e a ameaça no encontro são o medo da testemunha, que sabe que se ela admitir o que viu, a guilda de assassinos irá colocar uma alvo em suas costas e nas costas de sua família. A oposição e a ameaça poderia ser o fato que os personagens não podem tornar público seu envolvimento, ou a guilda colocará um alvo nas costas deles também.

Assim como o escritor da aventura, precisamos fornecer não apenas o desafio, mas também os meios pelos quais os personagens podem resolver o desafio. Isso significa fornecer motivações para os PNJs, junto com como eles podem reagir às táticas de um determinado personagem. E não apenas isto! Nós também precisamos fornecer pistas que digam aos personagens quais táticas funcionam e quais não funcionam para cada PNJ. Isto combina a informação conhecida no começo do encontro com a informação aprendida conforme o encontro acontece. Ao usar frases específicas e testes de atributo – especialmente as variações de  Carisma, Inteligência e Sabedoria – podemos traçar um “mapa social” do encontro que tem tantos fossos, portas, umbrais e passagens quanto um mapa de masmorra.

Conforme avançamos, devemos nos lembrar também de não colocar o equivalente proverbial de uma porta trancada em um encontro social. Os personagens deveriam ser capazes de continuar a aventura mesmo se falharem terrivelmente no encontro. Entretanto, isso não significa que temos que facilitar as coisas. Serem presos por autoridades, interpretarem erroneamente a informação, se depararem com encontros mais difíceis posteriormente, perderem recursos valiosos: todos estes poderiam ser desfechos de um encontro social que saia pela culatra, e o que vem depois pode ser até mais interessante por causa disso.

A Seguir

No próximo artigo daremos uma olhada em como encontros podem ser criados usando-se múltiplos pilares de uma vez, e em como esses encontros tornam-se os mais memoráveis no jogo. Também vamos dar uma olhada em como começar a encaixar os encontros e, inclusive, criaremos um encontro ou dois para a nossa aventura!


Shawn Merwin é um designer profissional, desenvolvedor e editor de D&D com 20 anos de trabalho e mais de 4 milhões de palavras em conteúdo, da terceira à quinta edição. Seus créditos mais recentes incluem o livro Acquisitions Incorporated, Portal de Baldur: A Descida até Avernus e Storm Lord’s Wrath. Ele também é Gerente de Recursos para a campanha da Adventurers League Eberron: Oracle of War. Shawn é o anfitrião do podcast semanas de D&D chamado Down with D&D, e cursa um mestrado em artes em Escrita Criativa pela Vermont College of Fine Arts. Você pode seguir seus devaneios e reflexões no Twitter em @shawnmerwin.


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