Prólogo

por Rafael Santos
Arte Destacada por Tyler Jacobson

Bem-vindos a Faerûn. Um mundo onde os aventureiros mergulham nas profundezas em busca de grandes tesouros ancestrais, reinos livres combatem os planos insidiosos de ameaças terríveis, cultos malignos tentam assolar os povos livres, e necromantes competem pelo domínio absoluto sobre a vida e dragões fazem suas caçadas. 

Durante os últimos anos, os Reinos Esquecidos foram palco de inúmeros eventos, aos quais os bardos e servos divinos referem-se como “Rompimento”, onde os olhos de todos os deuses estiveram observando o mundo de Norte a Sul. 

A Guerra nas Fronteiras Prateadas trouxe o caos no Norte da Costa da Espada, enquanto o céu escurecia, antigas alianças há muito quebradas foram refeitas em prol de um bem maior, e a guerra contra a nação Orc de Muitas Flechas terminou, assim como as mesmas alianças recém forjadas se quebraram, e uma vez mais, a coalisão das Fronteiras Prateadas se fragmentou.  

Nas Terras Centrais, o reino de Cormyr enfrentava seus próprios demônios, em uma guerra contra o, agora caído, Império de Netheril, que juntamente com o reino vassalo de Sembia, investiu contra a Terra dos Vales, forçando uma vez mais, uma aliança entre os cormyrianos e os povos dos vales. A vitória dos povos livres veio, mas a custa da queda de Myth Drannor, que pouco mais de cem anos após sua retomada, agora jaz em ruinas uma vez mais. 

Deuses há muito perdidos ou mortos retornaram durante o “Rompimento”, vestígios da Praga Mágica, uma grande catástrofe que caiu sobre os Reinos pouco mais de um século atrás começou a desaparecer do mundo. Reinos inteiros que haviam desaparecido retornaram, e outros que vieram a esse mundo pelos efeitos da Praga voltaram à sua dimensão de origem. Os Reinos Esquecidos, aos poucos, voltam a ser o que eram há pouco mais de um século atrás. 

Algum tempo atrás, dragões fizeram sua revoada sobre os Reinos, espalhando o caos, morte e a tirania entre os povos livres da Costa da Espada. O Culto do Dragão tentou trazer Tiamat, a Rainha dos Dragões, para tentar mergulhar o mundo em uma nova era dos dragões sobre os Reinos Esquecidos. Mas heróis corajosos, liderado por uma curiosa e inesperada aliança entre as cinco organizações mais proeminentes da Costa da Espada, venceram esse grande mal.  

Mesmo após eliminar a ameaça dos dragões, a Costa da Espada está longe de ser um lugar pacifico. Mesmo após a derrocada de Tiamat e seus dragões, uma grande ameaça começa a se aproximar novamente dos povos livres. E mais uma vez, heróis serão requeridos para combater esse mal.  

Por muito tempo Hekaton, o Rei dos Gigantes da Tempestade reinou, e o medo da ira do rei e o respeito pelo Ordenamento foi o suficiente para impedir que gigantes menores se levantassem contra ele. Mas nos anos recentes, o Rei Hekaton se convenceu de que a era dos gigantes tinha passado, como evidenciado pela distância crescente entre os gigantes e os seus deuses.  

Annam, o Pai de Todos, não respondia às suas orações e sua prole divina – os deuses gigantes menores – estavam fora de contato, constantemente em guerra uns contra os outros disputando nos planos exteriores. Hekaton chegou a acreditar que os gigantes não eram mais os verdadeiros mestres do mundo. 

Então, há vários meses, o medo de Hekaton tornou-se realidade quando o Ordenamento foi quebrado. O rei ficou profundamente abalado pela percepção de que os gigantes da tempestade poderiam perder seu status mais elevado entre os gigantes. No rescaldo da revolução, ele fez o seu melhor para manter a sua corte unida, assediando moralmente gigantes mais fracos para que se apresentassem a ele. Antes da ruptura do Ordenamento, o Rei Hekaton foi sem dúvida o mais poderoso de todos os gigantes da tempestade. 

Em Turbilhão, sua cidadela no fundo do Mar Sem Rastros, ele presidiu um tribunal que incluiu representantes de todas as raças de gigantes, desde os fortes gigantes da tempestade até os humildes e desapegados gigantes da colina. Ele usou o poder do Trono do Crânio de Dragão – um presente dado a ele por sua esposa – para manter os gigantes mais indisciplinados na linha. 

Mas agora, com o Ordenamento quebrado, Hekaton teme que nem mesmo o poder do Trono do Crânio de Dragão possa ser o suficiente para manter as demais castas de gigantes sob controle. 

*** 

O Trono do Crânio de Dragão, era um artefato de grande poder, e quem o via, já sentia de imediato sua força. O objeto maciço feito de obsidiana polida com pés superdimensionados, quatro crânios empalados de dragões azuis anciões pairavam a pouco mais de trinta centímetro do chão. Runas brilhavam na obsidiana esculpida, piscando vividamente com uma energia azulada. 

E aquele era o objeto de desejo de Iymrith. A gigante da tempestade tinha seus olhos e seu desejo no artefato, mas seus devaneios e sonhos de conquista e poder ficavam apenas em sua cabeça naquele momento, pois o trono tinha um dono. O rei mais poderoso de todos os gigantes. Iymrith sabia que para conseguir aquele artefato, deveria traçar um complexo plano para lançar os gigantes da tempestade em uma guerra contra todos os outros gigantes e, consequentemente, aos povos pequenos das terras do mundo seco.  

Ela deu um leve sorriso de antecipação ao imaginar o que estava prestes a acontecer no grande salão de Turbilhão, a Fortaleza subaquática dos gigantes da tempestade, e lar do Rei Hekaton. 

– Estou preocupado com meu irmão. – Uthor estava visivelmente tenso com toda aquela situação. – Eu não sei que tipo de decisão ele poderá tomar agora que saiu do seu luto. 

Iymrith não olhou para o gigante ao lado, mas não deixou de dar um leve sorriso de desdém.  

Uthor era o irmão do Rei Hekaton e também seu conselheiro. Um valoroso e poderoso guerreiro, cujas habilidades com a espada e magia é lendária até mesmo entre as outras espécies de gigantes. Estava metido em uma armadura que mesclava coral e escamas de algum animal marinho, ou mesmo de dragões, uma barba farta que lembrava nuvem, ou mesmo algas, balançava no ritmo de todo o cenário aquático ao seu redor.  

– Seja lá o que ele decidir, nós como seus súditos teremos que acatar. – Iymrith sorriu divertida e zombando com a própria ideia. 

– Acha que meu Pai possa querer atacar a superfície, meu tio? – Serissa estava visivelmente preocupada e olhava para seu tio em busca de uma resposta reconfortante. 

– Não sei, minha querida sobrinha. Teremos que esperar e ver qual a decisão do meu irmão. 

Mil e uma possibilidades passaram na cabeça de Serissa, a filha mais nova do Rei Hekaton. Ela era jovem e bela como o mar, sua pele azulada se misturava a tons multicoloridos por conta de pequenos brilhos que tilintavam em sua face. Embora fosse jovem, tinha um olhar de sabedoria e ponderamento que deixava seu tio admirado.  

– Se dependesse de mim, os pequenos já teriam sido esmagados há muito tempo. – Mirran, a irmã mais velha tinha um olhar de desdém e raiva – É graças a eles que nosso pai está nessa situação. 

– Não deve tirar conclusões precipitadas, minha irmã. – respondeu Serissa encarando Mirran – Não sabemos até onde os pequenos estão envolvidos nessa situação. 

– Nossa Mãe está morta, Serissa. – Agora era Nym, a irmã do meio – E graças a isso, nosso Pai passou os últimos dias recluso em seu quarto. 

Serissa quase engasgou com aquela lembrança ruim. Sua mãe, a Rainha Neri estava morta, e seu Pai, o Rei Hekaton havia passado o último mês trancafiado em seu quarto chorando o luto. Serissa e seu tio Uthor tiveram que assumir a corte real em meio a esse tempo, mas não sem o protesto de Mirran, a irmã mais velha que se achava no direito de assumir as rédeas da realeza, caso seu pai não estivesse em condições. Nym por outro lado, não deu a mínima para tudo aquilo, e apenas observou sua irmã mais velha reclamar por dias pela falta de consideração do seu pai e sua irmã mais nova.  

Mas a verdade é que ambas as irmãs tinham um ódio reprimido por Serissa. Tudo por conta de pouco mais de um ano, o Rei Hekaton ter escolhido Serissa, e não uma das irmãs mais velhas para o suceder no Trono do Crânio de Dragão, o que fez Mirran e Nym cultivarem um ódio ferrenho não apenas por sua irmã mais nova, mas também por seu Pai e por sua Mãe que o apoiou em sua escolha. 

De repente, todos ouviram a enorme porta ranger quando os dois guardas a abriram. 

– Sua Majestade, o Rei Hekaton! – Bradou um dos soldados gigantes que vestia uma armadura de coral – Todos saúdem a sua realeza! 

Todos os gigantes ali presentes se colocaram em posição em honra ao Rei. Hekaton passou através da porta e caminhou pelo enorme salão imponente e de cabeça erguida. O Rei era um gigante impressionante, maior até mesmo que os outros ali presentes, passando facilmente dos oito metros de altura, Hekaton era uma montanha de músculos e vigor, estava metido em mantos cobertos por placas de armaduras feitas de coral ou de escamas. Tinha uma barba farta que parecia um amontado de nuvens cinzas e carregadas de uma tempestade feroz e constante.  

Hekaton não falou nada, apenas passou por seu irmão Uthor, suas filhas Mirran, Nym e Serissa que fizeram um leve maneio, Iymrith se curvou em reverência, mas o Rei não lhe deu atenção e passou reto, não percebendo um olhar malicioso da gigante.  

O Rei Hekaton se jogou no Trono do Crânio de Dragão, encostando-se e relaxando o ombro. Olhou para todos os gigantes presentes no enorme salão de sua fortaleza subaquática. 

– Saudações, meus irmãos! – A voz do Rei ecoou pelo salão como uma trombeta de guerra – Sinto muito pela minha reclusão nesse último mês, mas agora estou de volta.  

– Fico feliz em ouvir isso, meu amado pai. – Serissa sorria aliviada ao ver seu Pai novamente. 

– Estive recluso em meu quarto chorando o luto da minha amada esposa. Mas agora, estou pronto para tomar a minha decisão. 

Os gigantes trocaram olhares ansiosos. Estiveram esperando o pronunciamento do Rei desde que a notícia da morte da Rainha Neri havia chegado a Turbilhão. 

– Em nome de Annam, o Pai de Todos, não deixarei que essa desgraça que recaiu sobre Turbilhão passe impune. Os pequenos devem pagar! – Hekaton fechou as mãos nos braços do trono, os apertando em ódio. 

– Meu irmão, se me for permitido a palavra… – Uthor tinha um olhar de preocupação. 

– Fale! 

– Não creio que devamos lançar a nossa vingança sobre os pequenos da superfície. Não sabemos se foram mesmo eles que mataram a Rainha. 

– E quem mais seria meu irmão? Neri gostava muito dos povos pequenos. Ela os visitava muitas vezes e foi durante uma dessas suas visitas que minha amada esposa foi emboscada e cruelmente assassinada.  

– Isso são apenas conjecturas, meu irmão. Não temos prova alguma de que a Rainha tenha sido morta pelas pessoas pequenas que ela tanto amava. 

– Eu concordo com meu tio, meu Amado Pai. – Era Serissa em sua infinita sabedoria. – Não podemos atacar a superfície baseados apenas em possibilidades. Assim como minha Mãe, eu compartilho o amor pelos povos pequenos e sei que devemos dar a eles, o benefício da dúvida. 

Hekaton encarou seu irmão e sua filha. Por mais que fosse o Rei dos Gigantes da Tempestade, ele ainda era suscetível a tomar decisões com base em suas emoções. Desde que a notícia de que sua esposa havia sido assassinada nas terras secas. Hekaton recebeu do seu irmão mais novo, o Imperador Uthor, comandante da guarnição Real, a notícia de que o cadáver de Neri havia sido encontrado em uma pequena ilha onde sabia-se que ela se reunia junto dos humanos. Ficou claro – pelo menos na mente de Hekaton – que ela tinha sido morta pelos pequeninos. 

– O que sugerem? – Hekaton alisava sua barba farta. 

– Que investigue primeiro a fundo antes de sair por aí destruindo tudo. – Era Serissa, a sábia. – A Mamãe iria querer que o senhor fizesse isso, é o meio mais justo de tirar toda essa história a limpo. 

– Ouça sua amada filha, irmão. – Uthor tinha um meio sorriso orgulhoso na face. 

– Tens razão. Devo investigar e descobrir o que aconteceu com Neri, e quem foram os responsáveis por sua morte. E aqui, diante de todos os meus súditos, eu juro por Annam, o Pai de Todos, que levarei minha vingança àqueles que trouxeram a desgraça até minha família. 

Hekaton se ergueu do trono e encarou sua filha e seu irmão. 

– Eu mesmo tomarei essa investigação com minhas mãos. – Hekaton tinha o peito estufado de determinação – Deixo Turbilhão aos seus cuidados, minha querida Serissa.  

– Meu Pai, eu… – Serissa ia protestar, mas Hekaton colocou sua enorme mão em seu ombro. 

– Eu sei que você consegue, minha querida. É a sucessora do Trono do Crânio de Dragão. Eu a escolhi por sua imensa sabedoria e bondade que supera até mesmo a de sua Mãe.  

Serissa abaixou a cabeça, mas percebeu ao lado que Mirran e Nym haviam virado os rostos e olhavam para os lados. A gigante ergueu a cabeça e encarou seu Pai com determinação no olhar. 

– Darei o meu melhor, Papai! 

– Eu sei que dará, minha querida.  

Hekaton deixou Turbilhão para trás, montado em sua enorme baleia que servia de montaria. Viajou em direção à superfície, centenas de metros acima das profundezas do mar onde sua fortaleza se localizava. 

Mas em Turbilhão, o mal era semeado, Mirran e Nym se acomunavam e conspiravam com Iymrith.  

E aquele foi o início de toda tribulação. 

*** 

Pedra Noturna era um assentamento fortificado localizado alguns quilômetros ao sul da Floresta Ardeep, nas colinas entre Águas Profundas e Vau da Adaga. Estava ligado à Estrada Alta por uma trilha lateral, construído no rio Ardeep e formando nele uma ilha cercada conectada a um monte achatado artificial que mantinha a fortaleza da aldeia e de onde dava para ver todo o assentamento. O nome da aldeia derivava de um misterioso obelisco de obsidiana no centro do assentamento, onde havia estranhos glifos esculpidos que davam a sensação de que existia um céu estrelado em seu interior e emanava uma aura mágica, principalmente durante a noite. 

Velrosa Nandar encostou-se em sua cadeira macia e confortável atrás da grande mesa abarrotada de papeis e bibelôs recebidos de presente por sua posição privilegiada. Era uma mulher bela com seus mais de quarenta invernos, cabelo curto e olhos azuis com aspecto de cansados. Vestia um manto azul adornado com detalhes e fios de prata, joias por tudo.  

Diante dela estava dois homens que trajavam cotas de malha e usavam elmos. A bela nobre respirou fundo relaxando os ombros e não escondendo o cansaço de tantas obrigações para com o povo de Pedra Noturna. 

– Problemas novamente com os elfos da Floresta Ardeep. – Velrosa estava visivelmente desanimada com aquilo. – Me pergunto quanto ainda temos que fazer para tentar chegar a um acordo definitivo com eles. 

– Talvez devamos contratar aventureiros ou pedir ajuda para a Aliança dos Lordes, senhora. – Um dos soldados à frente falou, esperando ser útil à sua senhora. 

– Já temos problemas demais com goblinoides na região. – Relutou a nobre. – Pedir para que a Aliança dos Lordes se intrometa em nossos assuntos diplomáticos com os elfos da Floresta Ardeep não é uma boa escolha da minha parte. 

– Podemos contratar aventureiros para lidar com eles. – Opinou o outro soldado. – Eles podem ser de grande ajuda. 

– Já disse que não quero envolver aventureiros, ou mesmo incitar a fúria dos elfos. Isso já trouxe grande desgraça a Pedra Noturna, principalmente para minha família. 

Velrosa Nandar lembrava com desgosto, a catástrofe que ocorreu em sua família há pouco mais de cinco anos atrás. Cerca de uma década antes da Guerra das Fronteiras Prateadas, os habitantes de Pedra Noturna, liderados por Lorde Drezlin Nandar de Águas Profundas, começaram a fazer expedições de caça na floresta em uma tentativa de restabelecer a cabana de caça construída pela Casa Nandar por dois séculos. Essas incursões enfureceram os elfos da Floresta Ardeep, e nos anos seguintes o conflito se intensificou até que os elfos mataram Drezlin. Na sequência, sua viúva, Velrosa Nandar, fez as pazes com os elfos e prometeu nunca mais fazer tais expedições na floresta. 

– Além do mais, temos que nos preocupar com o avistamento de goblins na região. Os caçadores disseram que viram um grupo vagando perto das colinas a dois dias.  

– Podemos enviar avisos para Águas Profundas buscando aventureiros. A Cidade dos Esplendores é conhecida por atrair muitos novos aventureiros em busca de oportunidade. 

– Faça isso. Sobre o problema com os elfos, talvez seja hora de eu empreender uma nova visita diplomática e conversar com eles sobre os novos problemas que estamos enfrentando. 

Os dois soldados fizeram uma mesura respeitosa e deixaram a sala.  

Velrosa levantou-se de sua cadeira e caminhou até a grande janela de sua sala, que dava vista para a aldeia, viu os moinhos, as torres, as fazendas e o povo de Pedra Noturna que vivia uma vida penosa e trabalhadora e longe da nobreza que a cidade próxima, Águas Profundas, tinha, mas muito perto da selvageria e xenofobia dos elfos da Floresta Ardeep, alguns quilômetros dali. 

Velrosa Nandar respirou fundo, era uma mulher forte, mas naquele momento, queria que seu falecido marido estivesse ali, para resolver aquele problema infortúnio. 

Continua no Capítulo 1 – Uma Grande Tribulação – Parte 1

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