O que está por trás das edições do D&D e será que a quinta edição é a Definitiva? PT. 4

Por Augusto Assad Luppi Ballalai

Imagem destacada: Capa de Baldur’s Gate: Descent Into Avernus, por Tyler Jacobson, Hydro74


Do que estamos falando?

A série de postagens trataram do efeito esteira (neste link ), a segunda versou sobre a precisão restrita (neste link) e a terceira foi sobre o guerreiro linear/mago quadrático (neste link).

O Objetivo final é, após fazer estes apontamentos, ponderar se a 5ª edição é a edição definitiva ou se podemos já esperar a vinda de uma 6ª edição.

Quais os dilemas desta postagem?

Como dito acima, são diversos os assuntos. Hoje iremos tratar de dois importantes: Sobrevivência e Realização.

O Primeiro passa pelas chances de vida/sobrevida e longevidade dos personagens. O segundo aborda a alegria de se construir um personagem que faça aquilo que o jogador esperava quando idealizou ele em um primeiro momento.

E veremos que as diversas versões do jogo projetaram o sistema de formas distintas, dentro destas visões.

1 – O jogo é bem mais fácil de se sobreviver

A primeira coisa a ser dita: nunca uma partida de RPG foi tão fácil de se sobreviver do que na 5ª edição.

O jogo foi concebido por Gygax e Arneson para ser um jogo difícil, de muita estratégia e rompantes de ideias mirabolantes que salvavam a equipe.

Ao longo das edições, a ligação a uma história longa e a vontade de ter uma carreira longa com o mesmo personagem se opunha à mecânica do jogo e uma série de adaptações técnicas (aka gambiarra) tinham que ser feitas para garantir a sobrevivência do grupo.

AD&D – A vida é dura, a morte é suave

O jargão popular “Aqui o sistema é bruto” traduz perfeitamente a concepção original do jogo. O AD&D foi feito para ser um desafio.

Os jogadores antigos se gabavam de ter personagens que sobreviviam a certas aventuras. Outras o papo era o quão longe o personagem chegou. A Tumba dos Horrores e o Templo do Mal Elemental são exemplos de masmorras assassinas,onde sobreviver já era uma vitória.

Mecanicamente, o jogo não permitia recuperação alguma em descansos, o jogo corria contando dias. A cada dia o personagem tinha uma carga de poderes a serem recuperados pelo jogador. Se ele não falasse para o mestre, perdia a oportunidade (ficando sem magias p.e.)

Recuperar pontos de vida? Só com magia. O AD&D era uma divertida encosta que os PVs desciam alegremente com seus escorregadores de papelão.

A Recuperação natural era na proporção de 1 PV por dia! Apenas personagens com CON muito alta conseguiam regenerar (alguns regeneravam como um troll!).

O jogo previa recuperação de golpes críticos (ossos quebrados, membros amputados) e havia magias para se recuperar deste tipo de dano, que vai além de números. A Espada Vorpal era o exato exemplo de que cabeças podiam rolar em um golpe de sorte.

As armadilhas tinham um lugar especial aqui. As armadilhas mais perigosas eram aquelas que debilitavam o personagem (quase todas), impondo penalidades. Uma perna perfurada poderia impedir uma disparada pela vida. Um braço inutilizado poderia forçar o personagem a usar a arma na mão ruim e tirar o escudo. Um mago com braço inutilizado podia não conseguir conjurar magias de componente somático etc. Efeitos de área como bolas de fogo, relâmpago e as muralhas conseguiam matar vários personagens ao mesmo tempo e causar o famoso TPK (MET – morte da equipe toda).

Os encontros eram aleatórios e desbalanceados. Você poderia encontrar um orc, um troll, um golem de ferro, ou um semi-deus. Ou seja, fugir era SIM uma opção estratégica*.

Por fim, a morte vinha ao se chegar a ZERO pontos de vida! Sim. zero, sem testes ou segundas chances.

O jogo era realmente para os fortes, mas também muito frustrante para iniciantes ou jogadores que gostavam de se jogar contra o perigo.

3.x – Morrer é uma possibilidade e o DM tem culpa

A versão 3.x tinha como maior problemas uma quantidade insana de possibilidades em combate. No cardápio das regras, o jogo poderia ser tão desbalanceado, tão injusto, que era bastante comum o DM suprimir algumas regras.

Era possível flanquear, atacar objetos, partes do corpo (AD&D tbm) com maestria. Presenciei alguns combates em que o PNJ perdia sua arma mágica poderosa para um golpe de desarmar.

O que se quer dizer é que o jogo fazia o mestre planejar reativamente, tendo que lidar com manobras previsíveis e outras imprevisíveis. Já no final da versão 3.5 as regras de sinergia terminaram por jogar uma pá de cal no equilíbrio do jogo. Jogadores conseguiam fazer manobras de equipe usando habilidades treinadas. Algumas eram absolutamente desequilibrantes.

Então, neste sentido, o jogo era frustrante para o DM, pois o clímax do jogo poderia acabar rapidamente. Resultado? O DM tinha que pesar a mão na criação de monstros e PNJs.

Armadilhas e desafios seguiam a mesma escalada do efeito esteira. Só que ao ter que elevar o adversário, aumentavam as possibilidades de 1-hit kill (MCUG – morte com um golpe).

Outra coisa bizarra era o coup de grace, manobra que permitia o inimigo a cortar a garganta do PJ e matá-lo imediatamente. Qual a graça disso? Sou adepto do realismo do jogo**, mas esta é uma opção extremamente banalizadora da morte e desmerece o investimento que o jogador faz no personagem.

O jogo então forçava e trabalhava dentro de extremos. Um erro de cada lado era a morte. Uma jogada de dados com sorte, podiam mudar o equilíbrio do combate.

A morte vinha com -10 pontos de vida. Com zero, o personagem caia inconsciente e ia perdendo 1 ponto até chegar ao -10 e à morte. Acontece que se o dano somado levasse a vida imediatamente ao -10, a morte era irrevogável.

Jogar 3.x era lidar com a sorte. Quem jogava sabia que estava se arriscando.

E a culpa do mestre? Ao simplesmente anexar novas opções e regras, fazia o jogo ficar muito desequilibrado e mudava completamente as capacidades do grupo, afetando a Build (construção) dos personagens.

Para se mestrar a 3.x o mestre precisa ser experiente e testar algumas regras em laboratório, antes de implementar no jogo, senão a morte vinha a galope.

4,0 – O Descuido Fatal

A quarta edição trouxe muita estabilidade ao jogo, comparada a outras edições.

Os pulsos de cura, a recuperação de Dados de Vida em descanso curto/longo, a possibilidade de muitos poderes curarem ao menos um pouco, aumentam e muito a chance de sobrevida.

O sistema da 4ª edição previa duas regras de morte: chegar a zero e não passar em três testes de morte, ou sofrer um dano que extrapole os pontos para estar ensanguentado (50% dos PVs totais).

Havia um efeito cumulativo em prol dos personagens. À medida em que eles acumulavam pontos de vida em sua progressão, estes pontos iam entrando na faixa de sobrevida dos 50%.

Isso sem contar na essência de todo bem e de todo mal da 4ª edição: o jogo permitia muitas interrupções de ações. Aquele golpe fatal? Não aconteceu! Acumulo de ações para dar um golpe super poderoso? Acho que não!

O jogo se baseava em um pensamento de que há poucas regras e muitas exceções.

A 4ª edição tinha uma diferença enorme de design: a dinâmica do jogo e suas regras pertenciam mais aos jogadores-personagens, ao jogador-mestre, ficava o planejamento, a narrativa e a atuação dos PNJs e monstros. Nesta mudança, ficava muito fácil de ver que um personagem só morreria se a equipe descuidasse ou ignorasse o personagem. Ainda era possível morrer se a equipe decidisse torrar seus poderes em um adversário, avançando na cara e na coragem.

Evidentemente que tem o fator DADO, que sempre assombrou o D&D é para ser considerado. Acidentes acontecem, mas a partir da 4ª edição, o jogo passou a fazer os acidentes muito mais raros.

Afinal, se você pode usar a mesma criatura com diferentes papeis em combate, você não precisa inventar uma nova criatura na sua intuição. Há regras para ajudar a fazer este planejamento de encontro***.

5.0 – Extremamente fácil pra você, e eu e todo mundo jogar junto..

A 5ª edição enxugou as regras, trouxe ao DM a responsabilidade de arbitramento e guarda das regras do jogo, manteve a simplicidade de números sempre positivos, sem enormes acúmulos e deixou as ações interruptivas como uma exceção à regra.

A mote da 5ª edição é: Poucas regras, poucas exceções.

A regra sobre morte(Livro do Jogador, p. 197) diz que se o personagem chegar a zero pontos de vida, cai inconsciente. Ele precisa então fazer três salvaguardas contra morte e ser malsucedido em 3 para ser considerado morto. Se tirar 1, ele sofre 2 reveses e se tirar 20 acorda com 1 ponto de vida. Há ainda a possibilidade de morte instantânea caso o personagem sofra um dano além daquele que o deixa com zero igual ou maior que os pontos de vida MÁXIMOS.

Sim! Se na 4e a morte vinha com 50% do dano máximo de vida, a 5e deu de lambuja mais 50% de chances, igualando a morte instantânea para os pontos de vida máximos.

No padrão desta versão, qualquer dano quando o personagem está inconsciente é considerado crítico, além de ser considerado uma falha automática no teste de salvaguarda. De outra forma, se o personagem está sujeito a dano contínuo (fogo, ácido, etc) ele morrerá em três turnos.

Mesmo assim, no padrão, a pessoa não morre, ficando inconsciente e podendo ser acordada de imediato com a cura de apenas 1 ponto de vida. Isso supervaloriza a magia Palavra Curativa, que cura pouco, mas age à distância e usa apenas uma ação bônus. Em combate o resultado é o efeito joão-bobo. O personagem cai com um golpe para logo se levantar.

É fácil crer que o jogo pensa em níveis iniciais, onde a taxa de mortalidade é maior, mas em níveis superiores, a taxa de mortalidade cai bruscamente, até pelo potencial de cura dos personagens e de seus muitos PVs.

Outra ponderação é de que o sistema é feito para jogadores iniciantes e mais jovens, deixando essa mortalidade das primeiras edições como algo indesejado. Cabe ao DM e à equipe configurarem melhor o sistema de morte, para que haja um desafio à altura de aventureiros experientes.

Existem regras opcionais para deixar o jogo mais difícil no Livro do Mestre, mas no Livro do Jogador ou usando o DRS, este é o sistema de morte. Em um podcast que fizemos no Masmorras & Cervejas, debatemos algumas diferenças e nuances da implementação de regras opcionais.

 

2 – A possibilidade de errar a montagem dos personagens

Outra questão que era histórica, era a possibilidade de errar o personagem na criação ou na progressão. Era preciso experiência, visão ou ambos.

AD&D – Se vira!

A versão mais antiga obrigava o jogador a estudar meticulosamente as possibilidades. Havia os tais de kits que possibilitavam a customização de personagens, com dicas de interpretação, atuações políticas, relações com outras raças e vantagens e desvantagens (sim, desvantagens).

Era importante você pensar bem o personagem e entender a proposta da mesa e do DM, para não errar a mão. De nada adianta você ter o bárbaro mais forte do mundo no meio de uma investigação de assassinatos dentro da maior biblioteca do mundo e cujas pistas estão escritas em livros obscuros; um rato de biblioteca pouco faria de excepcional em uma perseguição contra orcs montados em worgs e suas flechas assassinas.

Gygax embutia a criação do personagem como parte da dificuldade do jogo e deixava claro que esse tipo de satisfação era uma busca do jogador e não do sistema. Isso porque tinha um hack no sistema: os itens mágicos.

O DM podia oferecer itens variados para suprir qualquer necessidade. Até o mais comum dos capitães de uma vila poderia matar um poderoso dragão negro wyrm com uma flecha negra, bastava um 20 e um item que fosse dragon slayer. Haviam itens específicos, apropriados e muito desequilibrantes que superavam as deficiências de construção do personagem.

3.x – Estude!

Na versão 3.x o jogo passou a trazer uma profusão de classes de prestígio, algumas de classe única, outras para multiclasse. O jogo evoluiu demais no quesito, sendo possível criar desde um físico (médico medieval) a um paladino celestial, ou os raros olin gisir de Evereska.

A construção do personagem exigia a definição já no nível 1, da classe de prestígio que o personagem buscaria. Isso afetaria sua história, seus antecedentes e escolha de perícias e talentos, já que alguns eram obrigatórios.

O personagem desejado era fruto de ao menos 5 níveis, sendo o mais comum que as CPs fossem acessíveis a partir do nível 7.

Ou seja: Estude o personagem, gaste seus pontos de forma exata ao progredir e com paciência e resiliência, terá o personagem desejado. Não por menos, os jogadores jogavam os primeiros níveis querendo que as aventuras acabassem logo e o jogo tinha que ter uma progressão acelerada, para se alcançar a Classe de Prestígio almejada.

E aí vinha o teste-em-jogo do personagem, que poderia ser a realização de um sonho ou o início do pesadelo. Não foram os poucos jogadores que abandonaram seus personagens porque estavam amarrados a escolhas que não permitiam alterar para outras classes de prestígio. O que fazer? Lançaram a regra do retreino.

Isso piorou a vida do DM, que imaginava uma campanha com determinados personagens e CPs e, no meio do caminho se via com um grupo totalmente diferente, depois de uma temporada de retreino.

Os itens mágicos em 3.x tinham a função de reforçar os melhores atributos e talentos dos personagens e com o retreino, havia grande possibilidade de o personagem perder potencial e se tornar frustrante novamente, por estar portando artefatos que não se somavam aos seus pontos fortes.

Esse vai e vem terminou por fazer que muitas pessoas criticassem esta edição, que tem muitos méritos, mas nesse quesito era realmente uma tristeza.

4.0 – Uma luz no fim do túnel

Aproveitando a lição das árvores de talentos e pré-requisitos, a 4ª edição fez um design elegante de árvores de progressão.

No fim, a grande jogada foi possibilitar um caminho claro para a progressão, mas a confusão residia na escolha dos poderes das classes, que não necessariamente deveriam potencializar o personagem (como poderes utilitários).

Os itens mudavam o jogo, mas não eram o foco do jogo. O poder na 4ª edição não estava nos itens, mas no próprio poder inerente dos personagens.

O retreino poderia ser feito no curso do caminho e os pontos de gargalo de escolhas dos personagens eram claros, mas isso é tudo.

A forma como o personagem era construído, apesar de ser segura foi desfigurada se comparada às outras edições e este foi um divisor de águas entre aqueles que amam a edição e os que a odeiam. Como a progressão ficou mais mecânica, surgiu aqui a pecha de que a 4e era um vídeo-game MMO de mesa.

Só que isso não é verdade. A ideia era quebrar a tradição maldita de uma construção equivocada de personagem e eles tiveram grande êxito nisso. É um grande mérito, mas aí vai literalmente do gosto do freguês.

5.0 – Problema Resolvido.

A simplificação do sistema e a precisão restrita, fizeram com que os personagens habitassem um lugar comum. Com isso, os personagens terão diferentes sabores, mas não terão receitas diferentes. Cabe ao jogador escolher a raça e a classe que praticamente toda a progressão está resolvida. As sub-classes dão um tempero a mais, para que o jogador se destaque em algo que queira, mas sem ser considerado um expert que conta com habilidades insuperáveis.

É comum ver pessoas perguntando qual a melhor configuração para um tipo de personagem (arqueiro, tank etc) e as redes sociais responderem com mais de uma opção.

Isso em outras edições era impensável, mas agora, montar um personagem depende mais dos antecedentes, do que dos itens mágicos, até porque o sistema restringe veementemente que o personagem tenha mais que 3 itens sintonizados.

Sendo assim, os frutos não caem muito longe da árvore em matéria de sub-classes. Alguns talentos são campeões e algumas estratégias são manjadas.

Na verdade até o Caçador de Sangue (Blood Hunter) as coisas estavam bem equilibradas. Os novos ventos parecem soprar as velas da 5ª edição para águas mais profundas e alguns parâmetros perigosos. As classes básicas, que estão no livro básico devem ter relevância, senão voltaremos à 3.x em que ninguém abria o livro do jogador, pois as coisas boas estavam em outras obras.

Eu vejo muito mérito da 5ª edição ter essa uniformidade das classes. Há quem queira avançar além dos limites, mas o núcleo de regras do D&D 5e é minimalista e um passo fora da linha é praticamente um teleporte.

Conclusão

Então, será que a 5ª edição de D&D é a edição definitiva?

A 5ª edição veio com o duro papel de recuperar terreno para o D&D. A 4ª edição foi disruptiva demais e o jogo precisava voltar às suas raízes.

Tendo a participação de milhares de jogadores como jogadores de teste, através do D&D Next, a 5ª edição já veio testada e aprovada pelo público. Seu sucesso foi imediato e logo alcançou uma popularidade sem igual.

Atualmente o D&D é o jogo de maior sucesso de todos os tempos. Seus livros já venderam mais do que todas as outras edições juntas. A saúde comercial do sistema já garante à 5ª edição muitos e muitos anos além de hoje.

Outra coisa, como o sistema foi jogado à exaustão, a 5ª edição tende a não ampliar o núcleo de regras, mas tem espaço para melhor delimitar algumas regras específicas.

A cada nova aventura ou suplemento, há alguma nova regra a ser aproveitada: guerra marítima, regras para se jogar com 1, 2 ou 3 jogadores e usando os seguidores. Ainda há muito a ser explorado, melhores regras, novos ambientes etc.

Agora, o que há necessidade é de se avançar na história e nas lendas de cenário. Descent into Avernus traz alguns novos fatos sobre o Anjo caído Zariel, atualizando alguns fatos do Portal de Baldur, mas após tantos anos, já se começa a fazer necessária a vinda de uma obra de mais fôlego em Forgotten Realms.

E a 6ª edição, essa não virá por mais alguns anos, ainda mais se os designers do sistema forem cautelosos nos lançamentos da franquia.


*Este raciocínio merece uma postagem posterior: Ecologia das masmorras – Aquele monstro come o que?

**Realismo ou Fantasia extrema são também outros temas interessantes de serem abordados.

***Esta possibilidade de termos diferentes papeis de um mesmo monstro flexibiliza o jogo e pode ser mostrada em uma postagem posterior.


Agora temos material de D&D em português. Não perca a chance e adquira seus livros do jogo de RPG mais popular do mundo!

 

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