Forjando os Reinos – Na Hora Certa

por Ed Greenwood
traduzido por Daniel Bartolomei Vieira
disponível em: http://dnd.wizards.com/articles/features/just-time
Imagem de Destaque, “Ranger Attacks”, por Jesper Ejsing


Como, onde e quandos os Reinos Esquecidos começaram? Qual é o cerne da criação de Ed Greenwood, e como o Grande Mestre dos Reinos usa seu próprio mundo quando narra aventura de D&D para os jogadores em sua campanha? “Forjando os Reinos” é uma série onde o próprio Ed Greenwood responderá essas perguntas, e mais.


Qualquer um que tenha desfrutado de uma das peças de Oscar Wilde, ou de qualquer uma das dúzias de “peças de quarto” de alto nível escritas por outros dramaturgos, em que as portas se abrem e fecham bem na hora que os personagens vão passar por ela, ou mesmo quando vão se ver através dela, sabem que a sincronia (ou aquilo que chamamos de “timing”) pode ser tudo.

Até mesmo os Mestres novatos estão familiarizados com a boa e velha tática do “jogue um monstro desagradável contra o grupo logo depois deles terem ficado sem pontos de vida e magia ao mesmo tempo após terem derrotado um grande inimigo”. Isso, no entanto, é o que eu chamo de Coincidência Devastadora, ou seja, se isso é realmente uma coincidência ou o um resultado predeterminado das ações dos jogadores, é muito difícil para eles verem isso como algo diferente do Mestre vindo pessoalmente atrás deles com uma marreta, justamente quando eles estão mais fracos e sem recursos.

Pois é, algumas vezes a vida é injusta, mas os jogos de fantasia não precisam ser assim.

Construindo a Diversão

Sendo assim, vamos dar uma olhada em algumas maneiras de construir uma situação de antecipação e, com isso, medo e excitação. Aprenderemos a construir um sentimento em que a sensação de que um desastre se aproxima rapidamente é algo que podemos prever, é realista ou fundamentado em causas integrais de disposição dos eventos, fazendo com que isso pareça mais coerente para os jogadores.

Antes de mais nada, daremos uma olhada na inevitável (com exceção dos ermos verdadeiramente sem lei) espinha dorsal da lei local e na aplicação que ela tem. Elas podem fornecer o fator “se você fizer isso, é claro que as autoridades aparecerão, e em um estado um pouco menos do que levemente divertido”. Permita que os personagens dos jogadores vejam os mantenedores da lei, ou sejam inspecionados por eles ou até mesmo advertidos por eles “para que se comportem, pois estamos de olho em vocês” antes que a diversão comece. Em seguida, recompense os personagens que cuidem de observar discretamente onde os mantenedores da lei estabelecem bases, rotas de patrulha e como respondem a alarmes. E, por fim, mostre aos personagens o nível de competência e força das autoridades, fazendo com que eles lidem com PdMs criadores de problemas, situações essas que os personagens podem testemunhar. Este último elemento pode lembrar aos aventureiros de que eles não são os únicos astros da conivência e violência na cidade, e eles podem querer manter um olho nas costas, pois outros ladrões e pessoas violentas podem direcionar os equipamentos e recursos que têm para saquear enquanto os aventureiros estão com as mãos ocupadas com outras coisas. Esse elemento também pode deixar os mantenedores da lei irritados e alerta para mais problemas.

Em segundo lugar, temos sentimentos locais. Qual tumulto surgiu nos dias ou meses que antecederam a chegada dos aventureiros, e em que clima está a população local? Será que os valentões e bêbados locais provavelmente serão deixados a mercê dos próprios destinos se eles brigarem com os personagens, ou será que todos os outros na taverna irão em  defesa deles? E se um aventureiro quebrar o pescoço de um valentão local ou derrotá-lo em um duelo justo (se tal coisa for localmente permissível), qual é a probabilidade de que haja uma multidão sedenta de sangue de aventureiros ou das entranhas de todo e qualquer visitante? Os moradores locais odeiam ou temem os membros de raças que não vivem na região, ou eles acreditam que estes estejam em conluio com os inimigos dos locais (como o mago caído que permanece dentro da torre próxima e é evitado, ou o barão corrupto que mora do outro lado de uma fronteira próxima e invade o local muitas vezes? Ou eles vivem em terror devido uma gangue local ou sociedade secreta inclinada ao assassinato e incêndio criminoso? Mestres que retratem os moradores locais não precisam fazê-lo de forma pesada ou interpretar por muito tempo para transmitir o humor local. E nós, como Mestres, podemos plantar suculentos rumores sobre monstros locais, contos de tesouro e também que avisos de “oh, esse confronto vai acontecer em breve!” cheguem aos ouvidos dos aventureiros.

Terceiro, exploremos o desastre óbvio que está prestes a acontecer. Podemos ter o domador de feras, que chega na aldeia com poucos guardas para proteger as gaiolas enferrujadas e frágeis. Essas gaiolas estão rangendo sob as tentativas de testar as barras que seguram os monstros famintos que ele capturou. Também, poderíamos ter o banquete de casamento, onde todos vêm armados e ficam muito embriagados enquanto um companhia de indivíduos se opõe ao casamento ou tentam impedir que a nova união seja consumada. Talvez tenhamos a chegada anual de um odiado e injusto coletor de impostos da Coroa que fez inimigos e gostou disso, mas desta vez ele chega doente ou ferido, com poucos ou nenhum guarda-costas. Talvez haja um criminoso fugitivo que jurou vingar-se e que foi visto à espreita nas altas horas da noite, espiando e, obviamente, tramando algo. Poderíamos ter uma disputa religiosa entre os templos locais sobre um limite ou local sagrado ou recente portento. Outro exemplo poderia ser os primeiros vôos de famintos filhotes de dragão vermelho cuspidores de fogo, cerca de três a seis, ao mesmo tempo, talvez, vindos de uma montanha próxima… com uma mãe vigilante planando alto e atrás deles, esperando para atacar qualquer um que lhe ofereça alguma ameaça. Em suma, use o fator “ah não!”, semelhante a uma chama ateada no chão de uma fábrica de pólvora.

Aventureiros veteranos devem pesar o que o Mestre lhes mostra sobre todos esses fatores. Qualquer personagem envolvido na perseguição a um ladino, ou que valorize as vestes sacerdotais que usa ou que façam uso de magia arcana, os torna um alvo natural, e devem procurar um pouco mais em qualquer local desconhecido para descobrirem quão poderosos esses fatores são por aí.

Alguns deles se lembram de fazer isso de vez em quando. No entanto, isto é surpreendentemente raro para os aventureiros de qualquer tipo, e determinados personagens jogadores aventureiros em particular, apenas se viram e correm (ou escapam), quando notam problemas. Se aventurar é, afinal de contas, o que eles fazem.

Nada disso significa que um Mestre precisa perder a construção de uma situação tensa. Às vezes, a briga pode ser quase um anticlímax, enquanto a espera, o risco e as ameaças antes da erupção desta (como em qualquer bom velho-oeste, seja ou romance ou filme, por exemplo) podem ser deliciosas.

Eu sempre ilustro jovens mimados de três famílias nobres cormyreanas que detestam uns aos outros, viajando com tios ou pais mais velhos, que acabam sempre na mesma estalagem de beira de estrada graças ao clima desagradável. A estalagem não tem vinho ou carne de qualidade suficiente para satisfazer todos os três grupos, mas apresenta algumas garotas bonitas o suficiente para atrair os olhos dos nobres. A parada para os três grupos acontece quando elas viajam para um encontro onde vão acabar em uma disputa, ou estão voltando para casa desta disputa (um julgamento da Corte sobre terras ou direitos comerciais, por exemplo). Você apenas sabe que coisas ruins vão acontecer. No entanto, ao mesmo tempo, especialmente se mulheres da nobreza também estiverem na estalagem, sejam elas membros das três famílias ou não, haverá muito preâmbulo educado e verbal antes que as armas saiam das respectivas bainhas, ou os punhos sejam erguidos. E durante esse tempo, um Mestre não só pode se divertir muito, mas também pode dar um monte de ganchos de aventura para os empreendimentos futuros dos jogadores em meio a respostas mal educadas e ameaças.

Sincronia em Campo de Batalha

Sempre que exércitos ou até mesmo patrulhas se chocam, o momento em que alguém sai em investida pode ser tão importante quanto a força da investida em si. Os jogadores de jogos de guerra e os historiadores do mundo real debatem sem incessantemente sobre a chegada dos prússios em Waterloo, ou como o momento deste ou daquele movimento de tropas afetou a Batalha de Bulge. No entanto, nos Reinos, onde o apoio aéreo é raro em batalhas, a magia de batalha é sempre muito escassa e o bombardeio verdadeiramente de longo alcance é quase desconhecido, o momento dos ataques (e contra-ataques) é muito mais crucial. Se uma investida ensurdecedora da cavalaria puder atingir o alvo antes que uma linha de lanceiros puder ser formada ou antes que os arqueiros tenham tempo de abater os guerreiros montados com uma saraivada de flechas atrás da outra, aqueles realizando a investida receberão muito menos baixas e se chocarão com guerreiros a pé com uma força muito mais devastadora. Um defensor com uma arma de fogo ou arco tem uma pequena esperança de causar dano a um cavalo antes de ser pisoteado; um defensor sem essas armas (ou tendo o benefício de fossos escondidos diante de si) quase não tem esperança alguma. Defensores exaustos ou adormecidos lutam muito menos do que tropas novas e alerta prontas para um ataque, e assim por diante.

Há uma coisa na qual as batalhas das guerras do mundo real e do mundo de fantasia nos Reinos são semelhantes: a sincronia e um bom julgamento são necessários para evitar incidentes envolvendo “fogo amigo”. Bolas de fogo mal direcionadas podem ser tão devastadoras para os aliados quanto uma saraivada de artilharia que caia no lugar errado. Então, ser um mago de batalha eficaz envolve conjurar raios, bolas de fogo e coisas do gênero com total consideração de onde e como elas causarão mais dano ao inimigo, não aos amigos (unidades de milícias de retaguarda ou as pessoas das aldeias locais, por exemplo, podem sofrer grandes danos causados por uma magia conjurada erroneamente).

Aventureiros dos jogadores veterano em minha campanha caseira nos Reinos aprenderam que o tempo pode compensar a falta de números. Em diversas ocasiões, um ou mais Cavaleiros de Myth Drannor enfrentaram grandes patrulhas Zhentarim ou até mesmo exércitos. Um contra seiscentos, ou mais, esses aventureiros viram. No entanto, ao esconder e atacar os inimigos quando estes estavam perdidos, cansados ou lutando contra a escuridão, ou atravessando terreno difícil ou esquivando-se dos monstros da região (muitas vezes nada mais formidável do que um bando de lobos famintos ou um urso ou um gigante solitários), os Cavaleiros causaram um dano considerável. Ataques mágicos precisos contra magos, sacerdotes e oficiais Zhents deixaram soldados sem líder e assustados; armadilhas perto de latrinas criaram muita cautela, falsas assombrações e maldições deixaram os Zhents temerosos; vítimas Zhents organizadas de maneira que sugerissem motins e traição entre suas próprias forças, e assim por diante. As táticas de guerrilha podem ser muito eficazes, mas o dano destas aumenta quando alguém que entende de psicologia básica as sincroniza corretamente.

Os Cavaleiros ficaram muito satisfeitos quando escutaram um soldado Zhent assustado em terreno desconhecido e hostil que foi destituído de liderança, mas que temia represálias se uma missão não fosse cumprida, perguntando ansiosamente a um colega Zhent: “Agora? Agora é a hora certa?“.

Como o nobre e heróico John Hunter disse uma vez, enquanto interpretava o ainda mais nobre e heróico Florin Garra-de-Falcão: “É sempre a hora certa de fazer a coisa certa se você fizer na hora certa“.

Ou, como meu pai comentou certa vez ao assistir a um exercício de treinamento militar do mundo real que deu errado, mas depois sendo revertido por um raciocínio rápido no último momento: “Derrota evitada por se fazer as coisas certas, na hora certa“.

Lembrei-me disso na ocasião que o Povo dos Vales lutou e morreu para defender seus lares contra um vasto exército Zhentarim, e os Cavaleiros correram daqui para lá tentando reforçar os defensores onde quer que estivessem mais sobrecarregados, quando ouviram um fazendeiro moribundo e agonizante balbuciar “Quando o Deus da Morte chegará aqui?“.

E o vizinho dele respondeu laconicamente, “Na hora certa”.


Sobre o Autor

Ed Greenwood é o homem que lançou o cenário de Forgotten Realms, os Reinos Esquecidos, em um mundo vivo. Ele trabalha em bibliotecas, e ele escreve histórias sobre fantasia, ciência, ficção, terror, mistério e romance (algumas vezes tudo isso em um mesmo livro), mas ele fica feliz quando produz Conhecimento dos Reinos, Conhecimento dos Reinos e mais Conhecimento dos Reinos. Ele ainda possui umas salas em sua casa que têm espaço para guardar mais algumas pilhas de papel.

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