Capítulo 5 – Campos Dourados – Parte I

por Rafael Santos
Arte Destacada,  “Separating Wheat” por ejkej0046 (https://www.deviantart.com/ejkej0046/art/Separating-wheat-173476617)

Após o retorno dos heróis das Cavernas Gotejantes escoltando o povo de Pedra Noturna, o grupo de aventureiros passou a ajudar na limpeza da aldeia. Turok usava sua força para carregar destroços e madeira, enquanto Calima e Hendel usavam de suas magias para auxiliar na movimentação de madeiras ou passagens obstruídas. Ray e Lara também ajudavam como podiam. 

O primeiro lugar a ser limpo e reorganizado foi a Taverna Pedra Noturna, o anão Morak Ur’gray abrigou os heróis e algumas famílias que tiveram suas casas destruídas durante o ataque dos gigantes. Porém, as outras famílias que tiveram suas casas destruídas, foram acudidas por aquelas que tiveram a sorte de não terem perdido seus lares. Infelizmente, o Forte Nandar estava inacessível, e talvez fosse melhor assim. 

Durante um dos dias que se seguiram, os habitantes que foram ao túmulo da senhora Velrosa Nandar relataram que o fantasma de Drezlin Nandar estava vagando pelo cemitério e atacando os habitantes de Pedra Noturna. O clérigo local, Hiral Mystrum, covarde como era, pediu a ajuda dos aventureiros para lidar com a aparição e forçar o velho Drezlin a voltar ao seu descanso eterno. Porém, a verdade é que Lathander havia abandonado o clérigo desde suas ações nas Cavernas Gotejantes. 

Drezlin Nandar se lamentava pelo que tinha ocorrido com sua cidade, e se culpava pela morte de tantos, choramingando o tempo todo sobre ter deixado sua ganancia falar mais alto e, agora, sua amada esposa havia perecido em uma tragédia que ele não entendia, sem nem mesmo ter tido a chance de uma vez mais casar-se e viver uma vida feliz. 

Com muito esforço, conseguiram convencer Drezlin Nandar a descansar. O espectro desapareceu em uma nuvem azulada. 

Os trabalhos em Pedra Noturna duraram por quatro dias. Nesse meio tempo, os heróis tinham abrigo, comida e bebida de graça na estalagem de Morak. Mas era visível que não podiam ficar ali para sempre. 

– Temos que retornar a Águas Profundas e relatar o que aconteceu aqui – decretou Vince. 

– Eu concordo – era Ray. – Um novo governante deve ser enviado para Pedra Noturna. Esse povo não pode ficar sem um governante. 

– Talvez Morak deva ser o novo governante – disse Lara olhando para Morak. O anão servia uma mesa ali perto. – Ele me parece um líder muito capaz. 

– Não creio que ele vá aceitar liderar uma cidade inteira. Normalmente, alguém da família Nandar que ainda viva em Águas Profundas deve vir, ou talvez a Senhora Laeral possa enviar alguém mais capaz e da nobreza. 

De qualquer forma, quando os heróis levaram a possibilidade de liderar Pedra Noturna a Morak, o anão logo negou, pois não se sentia à vontade liderando tanta gente. 

– Não serei um bom líder – disse o anão com um meio sorriso. – Além do mais, não quero me envolver com essas coisas de nobreza, não é para minha barba! 

O anão deu uma grande gargalhada animada, mas logo ficou sério, e até meio triste. 

– Desculpe por pedir algo assim a vocês, aventureiros – continuou o anão. – Sei que já fizeram mais do que o necessário para Pedra Noturna. Mas gostaria de pedir um favor a vocês. 

Os heróis trocaram olhares curiosos. Vince pediu para que o anão prosseguisse. 

– Preciso enviar avisos de condolências a três famílias que tinham parentes aqui em Pedra Noturna. Porém, eles vivem longe demais daqui e, por isso, necessito de mensageiros que possam levar os avisos para as três famílias. 

– Estávamos pensando em retornar a Águas Profundas e avisar sobre o que aconteceu aqui, mestre anão – Revelou Vince. 

– Entendo, mas se isso servir de consolo, eu posso enviar mensageiros para entregar a notícia à senhora Laeral. É que essas mensagens aos familiares são realmente muito importantes. 

Vince ficou um pouco frustrado e preocupado. Queria ele mesmo levar a mensagem e ter a chance de encontrar com a Senhora Laeral, mas no fundo, ele via que aquela missão que Morak estava oferecendo era também de grande importância. Após uma breve reunião com os companheiros em uma mesa mais afastada, o grupo decidiu que deveriam aceitar a missão de levar a mensagem a uma das famílias. 

– E por que não fazemos melhor? – Ray tinha um meio sorriso no rosto. – Podemos levar as três mensagens para as três famílias. 

Embora não concordasse com aquilo, Vince não podia ir contra a vontade dos outros companheiros. Ray era mais jovem do que ele, era marrento, convencido de suas habilidades e impulsivo em muitos momentos, mas não podia negar que o rapaz era carismático e já tinha ganhado o respeito e a confiança dos outros aventureiros, principalmente Calima, que via na imprevisibilidade do rapaz um charme à parte.  

Foi decidido que eles, então, levariam as mensagens aos familiares, enquanto Morak enviava outro mensageiro para Águas Profundas. 

– Perfeito, meus amigos! – exclamou Morak ao receber o veredito dos aventureiros. – Fico feliz que possam me ajudar com essa missão de grande importância. Não esperava que aceitassem levar as três mensagens. 

– Diga-nos o que devemos fazer. 

– A primeira mensagem deve ser entregue em Campos Dourados. Já ouviram falar sobre aquele lugar? Campos Dourados é o Celeiro do Norte, um lugar abundante de colheitas fartas o ano inteiro. Um grande templo fazenda dedicado a Chauntea. 

– Já ouvi falar desse lugar. – disse Calima.  

– Pois bem, os Xelbrins foram mortos em sua casa quando os gigantes bombardearam a aldeia. Lembro que o casal de idosos tem um filho, Miros, que mora em Campos Dourados e é o proprietário da estalagem Fim da Trilha Setentrional. Miros é um dos membros mais antigos da Sociedade da Guilda dos Estalajadeiros de Águas Profundas e, como tal, deve operar dentro das restrições de sua guilda em Campos Dourados. 

– Espera, tem uma guilda de estalajadeiros em Águas Profundas? – perguntou Ray surpreso com esse fato. 

A Guilda de Estalajadeiros de Águas Profundas era um grupo formado por taverneiros e estalajadeiros da Cidade dos Esplendores, tendo um dos mais famosos membros, Durnan, o dono da Estalagem do Portal Bocejante

– Quero que visitem Campos Dourados e digam a Miros o que aconteceu. É uma lástima, mas ele deve saber o que aconteceu com seus velhos pais. 

– Odeio ser arauto de más notícias – disse Lara. 

– A segunda mensagem deve ser levada a Trijavali. Um amigo e vizinho chamado Darthag Ulgar, foi comido por ratos gigantes enquanto estávamos nas Cavernas Gotejantes. Ele foi uma das primeiras vítimas a serem levadas pelos ogros. Darthag dirigia o posto comercial da Vendas Escudo do Leão aqui em Pedra Noturna, e sua ex-esposa dirige um posto comercial similar em Trijavali. Devem viajar até lá e entregar a triste notícia do falecimento de Darthag para Alaestra Ulgar. 

Calima e Vince lembraram que passaram por Trijavali enquanto viajavam do Norte até Águas Profundas. É uma cidade que fica no caminho para o extremo Norte. 

– A terceira e última mensagem deve ser levada a Bryn Shander, no Vale do Vento Gélido. Uma amiga e vizinha chamada Semile Poçosul, foi morta no ataque dos gigantes. Embora não tivesse família em Pedra Noturna, Semile falava frequentemente sobre seu irmão, Markham Poçosul. Sei que Markham é o xerife de Bryn Shander e vocês devem levar a mensagem até ele para que ele saiba da morte de sua irmã. 

– É isso! Infelizmente seremos donos de más notícias para essas pessoas – disse Ray sério.  

– As cidades que devem ir ficam todas no caminho para o Norte, eu posso conseguir um mapa das Fronteiras Selvagens. Vai ajudá-los a não se perderem. Além do mapa, posso arranjar alguns cavalos. A família Nandar adquiriu cavalos para a vila e os mantiveram no estábulo. Os moradores, em pânico, deixaram os cavalos para trás após uma rocha atravessar o telhado do estábulo. Felizmente, nenhum dos cavalos foi ferido e vocês podem usá-los. 

E assim foi. Morak entregou um grande mapa com todas as cidades das Fronteiras Selvagens, o que os ajudaria a se mover pelo Norte sem se perder. Ray decretou que deviam partir logo pela manhã e, como sempre, ninguém discordou do rapaz. 

– Será uma jornada de descobertas – decretou o rapaz. – Vamos conhecer novos lugares e viver muitas aventuras. 

– Ou morreremos na primeira emboscada goblin que encontrarmos no caminho. – disse Lara com um meio sorriso debochado. 

– Para uma humana, você é bem pessimista. 

– Já disse que não sou uma humana… não completamente. Sou uma MEIO-elfa. 

Ray deu de ombros. Para ele, a companheira era apenas uma humana muito bela. A verdadeira beleza élfica estava em Calima, na qual ele teve sonhos naquela noite. 

*** 

No dia seguinte, o grupo recebeu cinco cavalos de montaria, os quais ajudariam os heróis a se moverem com maior velocidade pela estrada. Além das montarias, receberam dois cavalos de carga para levar seus pertences. 

Os heróis deixaram Pedra Noturna para trás, cavalgando a uma velocidade razoável rumo ao Norte, seguindo por uma região de colinas ondulantes na paisagem. 

O grupo cavalgou por um dia inteiro sem grandes problemas, passando por bosques, planícies verdejantes e pequenos córregos e trechos do Rio Dessarin. No caminho, encontraram alguns comerciantes ou outros viajantes pela estrada. Descansaram durante a noite ao redor de uma fogueira. Embora alguns lobos estivessem caçando pela região naquela noite, não houve um ataque aos heróis ou qualquer imprevisto. 

A jornada continuou por mais dois longos dias, e logo, não havia nada à vista além da bem viajada estrada diante deles e a terra plana que se estendia interminavelmente pela terra a leste e a oeste. As Montanhas da Espada eram visíveis à distância. 

Durante a última noite, os heróis fizeram um acampamento perto de um grande lago, onde aparentemente era seguro. Porém, durante o horário de guarda de Lara, a patrulheira percebeu que os cavalos estavam agitados demais e então decidiu acordar os demais aventureiros. Um a um, eles se levantaram ainda sonolentos e atordoados, surpresos pela chamada repentina. 

– Alguma coisa está agitando os cavalos – alertou a patrulheira para os companheiros. 

Eles se esgueiraram por entre as rochas até o local onde os cavalos estavam. Enquanto se aproximaram, ouviram um resmungo e então uma pancada poderosa que silenciou um dos animais no meio de um relincho. Os aventureiros trocaram olhares preocupados. 

Quando chegaram ao local, viram duas figuras enormes, maiores do que os ogros que lutaram nas Cavernas Gotejantes, as duas figuras tinham ombros largos, porte desajeitado, barriga protuberante e pescoços largos e grossos, cheios de nervos. Os braços, embora fossem desprovidos de músculos – eram mais gordura flácida – eram grossos como troncos. Eram tão ou mais feios do que os ogros, embora parecessem humanos enormes e deformados. Cada um deles empunhava um tacape, o qual usaram para abater dois dos cavalos que acabavam de colocar debaixo de seus enormes braços e começavam a carregar para longe dali. 

– Gigantes da colina! – revelou Calima. 

– Aqueles malditos mataram nossos cavalos! – praguejou Ray. 

Um dos gigantes parou de repente, cheirando o ar e olhando ao redor. Ele resmungou e balbuciou alguma coisa para o companheiro que também começou a farejar o ar e procurar ao redor como um cão faminto. Mesmo sendo noite, as duas criaturas perceberam a movimentação dos heróis atrás das rochas. 

– Eles nos viram! – Lara disse rilhando os dentes. 

Um dos gigantes soltou o cavalo morto que foi se estrebuchar no chão. Em seguida, o monstro urrou e avançou na direção dos heróis, O outro repetiu o gesto do primeiro e seguiu o companheiro logo atrás.  

Ray deu ordem de ataque aos demais, e então uma batalha começou. Lara pulou de detrás das rochas e já disparou duas flechas que foram se cravar no ombro do gigante que vinha mais à frente. As setas pareceram não ter surtido qualquer efeito de dor, pois o monstro continuou sua corrida louca e brandia seu tacape no ar, girando-o sobre a cabeça e berrando. 

O gigante desceu sua arma pesada de cima para baixo, e os heróis tiveram que saltar para longe, evitando serem esmagados pela criatura. Turok se colocou de pé em um salto e investiu contra a criatura, desferindo um golpe de seu machado contra a canela do monstro, que se curvou e uivou de dor. O segundo gigante veio brandindo seu tacape no ar, porém, Vince levou a mão espalmada a frente e liberou um raio de luz vermelho e calcinante que atingiu o peito do brutamontes. O monstro urrou e recuou batendo a mão no peito tentando amenizar a dor da queimadura. 

Calima dedilhou seu alaúde, criando uma nuvem de adagas espectrais, e então bombardeou a criatura com as armas etéreas. Ray correu contra o gigante que Turok havia atacado e enterrou sua espada na coxa do grandalhão. O gigante uivou de dor e fúria, e com um safanão de seu tacape, atingiu o guerreiro em cheio, o mandando voar a três metros no ar e ir se chocar contra uma pedra. Ray sentiu os ossos da costela estalando e o sangue na garganta golfar para fora. 

Lara disparou uma segunda flecha que atingiu o pescoço grosso do monstro, porém o gigante não caiu, apenas recuando atordoado, agarrando a haste da flecha e a puxando. Turok desceu seu machado de cima para baixo, decepando um dos dedos do gigante que berrou de dor e pulou em uma perna só, ficando completamente desequilibrado. 

Vince ordenou que Calima ajudasse Ray, enquanto se concentrava no segundo gigante. O mago faz uma série de movimentos no ar, e então sua mão ardeu em chamas. Uma enorme bola de fogo voou e explodiu sobre o gigante, engolfando a criatura em chamas furiosas. O ser se debateu e urrou de dor, e em seguida se jogou ao chão, rolando e tentando apagar as chamas que cobriam o seu corpo. 

Calima chegou até Ray, cantarolou algumas palavras e colocou sua mão no peito do guerreiro. O corpo do rapaz pulsou em uma luz branca e pura e ele se sentiu revigorado novamente. 

– Você é um anjo? – disse o guerreiro não perdendo a oportunidade de cantar a companheira. 

– Talvez eu seja para você. – a elfa respondeu com um sorriso. 

O guerreiro riu e levantou, olhando na direção do gigante que pulava em uma perna só e uivava de dor. Ele pegou sua espada no chão e correu na direção da criatura, visando dar o troco pelo golpe recebido anteriormente. Porém, antes de chegar ao monstro, uma nova flecha deixou o arco de Lara e foi se cravar na testa do brutamontes. O gigante parou de urrar, ficando com a boca aberta e frouxa. 

Turok deu com o machado na panturrilha do gigante, o derrubando de costas no chão. Ray veio por último, deu um salto no ar e pousou sobre o peito largo do gigante, enterrando sua espada no coração da criatura. O gigante não gritou, apenas estremeceu dando os espasmos finais de vida. 

O outro gigante se erguia, o corpo esfumaçando e a carne queimada exalava um fedor nauseabundo que invadia as narinas de todos ali presentes e causava ânsia de vomito. O monstro urrou e avançou na direção de Vince, mas o mago descarregou uma bateria de mísseis mágicos que fustigaram o peito do monstro, causando vários furos na pele deste. O gigante tombou novamente, dessa vez sem vida. 

A batalha havia acabado e os dois gigantes da colina estavam mortos, assim como dois dos seus cavalos de montaria. Os aventureiros respiraram fundo, mas não tiveram tempo de questionar ou comemorar aquela vitória, pois ouviram urros vindo de detrás das colinas. Lara correu e escalou uma das elevações e viu que pela trilha do outro lado do rio, um bando de goblinoides acompanhados de quatro gigantes da colina que vinham correndo na direção deles, atraídos pelo barulho e elos gritos dos companheiros na batalha contra os heróis. 

– É melhor sairmos daqui! – alertou Vince. – Não creio que possamos lidar com tantos inimigos poderosos assim. 

Montaram nos cavalos que restavam – Ray e Calima em um, Turok e Lara em outro, e Vince seguiu sozinho – e partiram em cavalgada veloz daquela região. Quando os outros monstros chegaram ao local, encontraram apenas os companheiros mortos. 

*** 

Os heróis estavam no final de um longo dia nas extensões cinzentas e pálidas do Vale Dessarin quando, enfim, avistaram as muralhas de Campos Dourados ao longe. 

– Lá está, meus amigos. Campos Dourados! – disse Calima com um sorriso no rosto. 

Vistas de longe, as muralhas de Campos Dourados pareciam intransponíveis. Mas quanto mais se aproximavam do grande muro, mais pareciam pequenos diante da grandiosidade do lugar. Percebem que em várias partes haviam rachaduras de pancadas. Ray se perguntava o que teria causado aquelas enormes frestas naquele paredão infinito. 

A Trilha terminava diante uma magnifica portaria de pedra esculpida com imagens de uma mulher roliça e sorridente carregando cornucópias. Estava em pé com suas mãos no quadril, cercada por um jardim de trigo dourado. 

A portaria era uma fortaleza por si só. Acima de sua alta e grossa porta de madeira existiam seteiras que pareciam olhar com suspeita para todos os heróis abaixo. 

– Saudações, visitantes! – gritou o soldado lá do alto. – Em que posso ajudar vossas senhorias? 

– Viemos de Pedra Noturna – revelou Vince. – Somos viajantes rumo ao Norte e precisamos de um lugar para ficar. 

– Por um acaso são da Aliança dos Lordes? 

Os heróis trocaram olhares, Ray sorriu e confirmou para Vince. 

– Sim… – mentiu o Mago. – Pode-se dizer que sim. 

Os soldados trocam olhares e confirmam. Logo o enorme portão se abriu revelando o interior do lugar. O grupo foi recebido por uma pequena turba de soldados bem armados e armadurados, liderados por um homem de aparência elegante. Vestia um tabardo prateado com o símbolo de Águas Profundas, o cabelo era bem penteado e ostentava um ar de superioridade. 

– Sejam bem-vindos a Campos Dourados! Sou Hantanus Tarm, o Castelão. Fui o responsável por enviar o pedido de ajuda. Só uma pena que a senhora Mão Argêntea tenha demorado tanto para enviar alguém para ajudar. 

Houve uma troca de olhares curiosos entre os aventureiros. Eles não estavam cientes, mas Campos Dourados havia enviado pedido de ajuda a Águas Profundas para que enviassem agentes da Aliança dos Lordes para lidar com problemas na região. 

– Desculpe a demora pelo auxilio, senhor Tarm – Vince insistiu na mentira. – Mas agora estamos aqui, e vamos ajudar. 

– Espero que sim. Sorte que os malditos gigantes não nos atacaram novamente. Caso contrário, haveriam muitas reclamações à Senhora Declarada de Águas Profundas. Venham, podem entrar! 

O grupo trocou olhares novamente e então adentraram em Campos Dourados. A primeira coisa que os heróis viram quando passaram através da portaria foi uma estátua de Chauntea. Ao norte da estátua existia uma construção de pedra com sua frente aberta, onde acima jazia uma placa onde podia ser lido “Recompensa da Mãe Terra”.  

– Contemplem a magnifica estatua da deusa Chauntea! – disse Calima olhando a bela estátua.  A deusa parecia mesmo com uma mãe sorridente e sempre disposta a amamentar seus filhos. Ali a mãe terra era a deusa mais venerada. Campos Dourados era um grande templo-fazenda dedicado a ela. 

Passaram por dois grandes campos de touros reprodutores e de gado, com currais isolados para ovelhas, galinhas, perus e porcos. Cada campo era contornado por cercas de madeira com cavalos de criação esculpidos em seus palanques. Pastores e trabalhadores carregando baldes de leite e tesouras de tosar lã podiam ser vistos movendo-se entre os rebanhos de vacas e ovelhas. 

– Serão levados até o atual administrador desse lugar, Ellardin Darovik – revelou Hantanus. – Ele vai os deixar a par de todos os acontecimentos envolvendo os gigantes. 

– Gigantes aqui também? – Sussurrou Ray para Calima ao lado. – Isso está ficando estranho. 

O grupo se aproximou da aldeia no centro daquele enorme aglomerado de fazendas. Os edifícios eram arranjados em meios-anéis em torno de uma praça central. Filas ordenadas de cabanas de madeira, cada uma grande o suficiente para abrigar uma centena de pessoas, estavam voltadas para dentro, em direção a uma praça central. Cada cabana era uma obra de arte, suas vigas esculpidas com imagens de um determinado animal, desse modo diferenciando-a das suas vizinhas. 

– Esse lugar é um paraíso! – disse Lara olhando ao redor. – Nem dá para imaginar que algum mal possa a vir assolar esse lugar. 

– Também achava isso até quatro dias atrás, quando gigantes da colina vieram nos atacar – revelou Hantanus. – Foi terrível, terrível. 

Os heróis estavam visivelmente incomodados com a história que o nobre contava. O grupo se aproximava de uma enorme abadia que se destacava na paisagem.  

– Aquele é o maior e mais elaborado edifício em Campos Dourados – revelou Hantanus. – A Abadia Casa da Colheita! Um templo dedicado a Chauntea! 

A abadia era um edifício de pedra com séculos de idade, cujas paredes exteriores ostentavam estátuas de Chauntea em cada canto, suas mãos levantadas ao céu como se conjurasse um feitiço para invocar a chuva. Cercas bem cuidadas contornavam a fundação, e uma janela em vitral na forma de sol estava disposta sobre a entrada e os degraus que levavam ao seu interior. Estreitos vitrais decorados com imagens de ramas de trigo, frutas e vegetais iluminavam as arcadas e pilares lá dentro. Em direção à parte de trás do edifício, montado entre as vigas do robusto telhado, havia um grande sino de bronze. 

– É uma bela construção, tenho que admitir – disse Turok, que não era acostumado a elogiar construções como aquelas. 

O grupo parou logo a frente e desmontou de seus cavalos. Eles viram quando um homem metido em mantos clericais conversava com um jovem acólito, ele fez uma mesura ao mesmo e o jovem se retirou para dentro do templo. O clérigo foi receber os heróis. 

– Saudações, visitantes. Castelão Hantanus – O clérigo saudou os aventureiros com uma mesura. 

– Esses são os aventureiros que foram enviados pela Aliança dos Lordes – revelou Hantanus. – Sinceramente, eu confesso que esperava um pouco mais da senhora Laeral. Esperava um grupo um pouco mais… imponente. 

Hantanus olhou os heróis de cima abaixo, não confiava ou não acreditava nas capacidades daquele grupo. 

– Acredito que nós sejamos o bastante para lidar com esse problema, nobre Hantanus – disse Ray com um sorriso confiante. 

– Tenho minhas dúvidas. De qualquer modo, estão com você agora, irmão Ellardin. 

Hantanus se retirou de volta em direção à aldeia. Os heróis trocaram olhares indignados. 

– Que sujeitinho mais nojento – disse Turok rangendo os dentes. 

– É o típico nobre almofadinha de Águas Profundas – foi Lara quem disse. – Duvido que ele saiba usar aquela espada. 

– Sei que o castelão Hantanus é um tanto quanto… antipático – riu Ellardin. – Mas é um homem rígido e preocupado com a defesa de Campos Dourados. É claro que essa preocupação é mais por sua própria segurança e comodidade. 

– Saudações, irmão Ellardin! Sou Vince Harpell. Esses são meus amigos Ray, Turok, Calima e Lara.  

– É uma honra conhecê-los. Venham, adentrem a abadia. 

Os heróis seguiram Ellardin para dentro do templo, o trio se surpreendeu quando atravessou a porta e deram de cara com dois enormes ursos negros deitados em um canto próximo. 

– Não se preocupem, Darlow e Tilbee são mansos e não atacam. 

– Não esperava ver dois enormes ursos negros vivendo tão tranquilamente em meio a tanta gente – se surpreendeu Lara com a cena. 

Ellardin revelou que Darlow e Tilbee, os dois enormes ursos negros, apareceram há alguns meses, assustando alguns trabalhadores nos campos ao sul. Ninguém conseguiu imaginar como os dois ursos entraram no complexo sem serem vistos, despertando rumores de que eram presentes da Mãe Terra. Em vez de expulsá-los, os trabalhadores os abrigaram e alimentaram.  

– E aposto que você acredita que eles são mesmo presentes de Chauntea – Ray riu divertido da história maluca. 

– Sim e não. Os ursos eventualmente seguiram os trabalhadores até a abadia. Eles tentam mendigar alimentos dos visitantes sem representar nenhum perigo a ninguém. 

O trio foi conduzido a uma sala em particular, onde havia desde poções de várias cores, até pergaminhos, vidros cheios de sementes de todos os tipos e frutas em uma cesta sobre a mesa. 

– Estão servidos? – perguntou Ellardin mostrando a mesa cheia de comida. 

O grupo pegou, cada um, uma fruta e começaram a comer. Ellardin pediu que todos se sentassem e assim o fizeram. 

– Irmão Ellardin – começou Vince. – Quero pedir-lhe desculpas desde já, pois, na verdade, não somos agentes da Aliança dos Lordes. 

Ellardin ergueu uma sobrancelha, intrigado, e fez um gesto para que os heróis se explicassem.  

Vince contou tudo o que ocorreu em Pedra Noturna, sobre o ataque dos gigantes das nuvens e o resgate dos moradores de Pedra Noturna e sobre sua missão de entregarem uma simples mensagem a Miros em Campos Dourados. A cada detalhe, Ellardin ficava mais e mais preocupado. 

– Gigantes das nuvens em Pedra Noturna também? – sussurrou o clérigo se erguendo de sua da cadeira com a mão ao redor do queixo. – E gigantes da colina em Campos Dourados. Meus amigos, eu tenho a impressão de que estamos no meio de algo grande aqui. 

Os heróis trocaram olhares curiosos. 

– Muito bem, como Hantanus já deve ter falado, Campos Dourados foi atacado por gigantes da colina há quatro dias atrás. Nunca havíamos sido atacados dessa forma tão ousada antes. As defesas das muralhas conseguiram expulsar os monstros que fugiram para as colinas. Na verdade, eu não queria chamar a atenção da Aliança dos Lordes para isso, pois gigantes são comuns nas Colinas Caídas. No começo, achei que eles estavam atacando apenas para conseguir comida, mas recentemente, ouvi muitos boatos vindos de outras aldeias e cidades nos arredores que falam de ataques de gigantes na região. E agora vocês me falam o que aconteceu em Pedra Noturna. 

– Quer dizer que gigantes estão atacando outras cidades e aldeias? – Vince estava surpreso com a informação.  

– Sim. Cheguei à conclusão de que os gigantes estão se reunindo em algum lugar nas colinas, formando uma comunidade.  

Tudo aquilo parecia absurdo demais. Gigantes se reunindo? Os heróis conversaram mais um tempo com Ellardin e contaram sobre o encontro com os gigantes da colina na estrada até Campos Dourados, e o clérigo revelou que havia recebido relatórios de gigantes sendo avistados em todo o Vale do Dessarin. Ele compartilhou estes relatórios com Strog Lâmina-Trovão, seu capitão da guarda. Infelizmente, Strog não fez nada para se preparar para outro ataque dos gigantes.  

– Strog diz que é comum os gigantes rondarem a região, já que vivem nas Colinas Caídas, e vez ou outra, acabam se perdendo – revelou o clérigo de Chauntea. 

Ellardin, por algum tempo, acreditou que o ataque dos gigantes a Campos Dourados fora apenas uma coincidência, que eles haviam tropeçado na cidade-fazenda por um acaso, e acharam que seria uma boa ideia tentar invadir e roubar alimento, e que depois de serem espantados, não retornariam em um novo ataque. Mas depois dos relatos dos aventureiros, ele estava visivelmente preocupado com as atividades dos monstros na região. 


Continua no Capítulo 5 – Campos Dourados – Parte 2

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