Vamos Criar uma Aventura! – Esboços e Estruturas
Por Shawn Merwin
Traduzido por Daniel Bartolomei Vieira
Originalmente publicado em 09 de outubro de 2019 em https://www.dndbeyond.com/posts/623-lets-design-an-adventure-outlines-and-frameworks
Imagem Destacada da Wizards of the Coast
Quando eu era jovem e mais tolo, eu me vangloriava de não precisar de esboços para os meus projetos de escrita. Esboços eram algo que pessoas mais velhas precisavam. Meu “brilhantismo” poderia me levar adiante sem eu nem precisar da chatice do planejamento!
Anos depois, agora estou mais velho (ainda que continue tolo) – mas menos tolo a respeito do poder e da utilidade dos esboços e do planejamento. A lição que aprendi ao longo dos anos, lenta e dolorosamente, é que embora eu não estivesse criando esboços ativamente antes de começar a escrever, eu estava esboçando passivamente enquanto escrevia, normalmente às custas de vários rascunhos de um projeto – e muitas mais palavras desperdiçadas. Eu achava que estava economizando tempo ao não planejar lá na frente através da não criação de um esboço, mas na verdade eu estava desperdiçando muito mais tempo aleatória e ineficientemente fazendo o trabalho de esboçar sem sequer perceber que já estava fazendo um esboço.
Criar aventuras de D&D não é muito diferente de escrever outros projetos neste aspecto: um esboço é inestimável. De várias maneiras, esboçar para criar aventuras de D&D é mais valioso do que para outros tipos de escrita, pois aventuras podem parecer muito diferentes de uma para outra quando se considera os diversos fatores de criação. Pensar a respeito destes fatores no começo do processo e então incorporá-los em um esboço desde o início permite a você processar suas necessidades mais rapidamente, aumentando sua eficiência e abrindo as portas da criatividade em sua mente desde o começo, em vez de focar na logística da coisa posteriormente. Em essência, quando você sabe o que sua aventura necessita para funcionar, você pode imaginar mais facilmente como ela será.
Forma, Lhe Apresento a Função
O famoso arquiteto Louis Sullivan criou o ditado “a forma segue a função”. Pegando isto no nível mais básico, este princípio diz que a forma de algo está inerentemente ligada à sua função ou propósito. O aprendiz de Sullivan, Frank Lloyd Wright, ampliou essa filosofia ao explicar a ideia mais claramente: “forma e função são uma coisa só”.
Ideias pomposas a parte, o senso comum dita que as aventuras escritas por si mesmo para mestrar apenas para o seu grupo caseiro durante 6 horas seria diferente de uma aventura a ser mestrada em duas horas em uma convenção e mestradas por DMs que você não conhece, que seria por si só desenvolvida de forma diferente do que uma aventura de doze horas de duração que você está escrevendo para ser publicada em um livro de capa dura. Pense a respeito da função, então você estará pronto para esboçar a forma.
Entretanto, enquanto você pensa a respeito da função, não pense somente na duração, mas sobre o escopo da aventura. A aventura ocorre em uma localização genérica, em algumas ou em várias? Se for mais de uma, qual a distância em os locais de encontros? Envolveria uma viagem? Os personagens precisarão providenciar seus próprios meios para viajar, e a viagem será perigosa? Ou se a aventura inteirar ocorrer em um só local, como uma masmorra, será apenas uma história de derrubar a porta e derrotar o maligno senhor-da-guerra, ou há algo mais envolvido na história? O escopo da aventura provavelmente influencia a duração dela e vice-versa. Prepare-se para ajustar a duração da aventura para que ela “caiba” dentro do escopo, ou prepare-se para alterar o escopo para se adequar à duração.
O escopo também é dependente do nível para o qual a aventura é criada. aventuras épicas de nível alto que ocorrem em apenas um local frequentemente são problemáticas, pois personagens de nível alto possuem as ferramentas para realizar tarefas que personagens de nível baixo não conseguem. Paredes de masmorra feitas de pedra raramente impedem personagens de nível alto, que possuem acesso a magias como moldar rochas ou espadas que podem partir um dragão em dois. No que diz respeito a personagens de nível alto, a configuração da aventura precisa frequentemente ser alterada ou oferecer algum tipo de ameaça para tornar o jogo tão épico quanto deveria. Por outro lado, personagens de nível baixo são seres frágeis, mesmo diante de alguns goblins saqueadores, portanto o ambiente não deveria ser uma ameaça.
Os Suspeitos de Sempre
A criação de aventuras mudou com o tempo e com a evolução das regras do jogo, mas certos conteúdos estão presentes na maioria das aventuras. Estas seções padrão de uma aventura, independentemente do significado exato de suas palavras, são úteis quando colocados em seu esboço, ajudando a forcar no caminho da sua criação:
Introdução
Uma introdução costuma ser uma breve descrição do que a aventura contém, e quais parâmetros sob os quais a aventura foi criada. A introdução permite que o leitor tome conhecimento a respeito das informações sobre duração e escopo, onde a aventura é situada, qual o tom que a aventura deveria ter, quais níveis de personagens a aventura suporta e quaisquer outras informações relevantes que um DM deveria saber em uma leitura superficial da aventura.
Para a aventura que estou planejando escrever ao longo desta série de artigos, está é a minha introdução. Ela pode, obviamente, mudar se a minha criação me levar para uma direção diferente, mas posso usá-la como minha estrela guia enquanto começo minha criação.
“Atualmente Sem Título” é uma aventura para a quinta edição de D&D para personagens de 5º a 7º níveis, otimizadas para personagens de 6º nível. A aventura foi planejada para ser jogada ao longo de 4 horas, e acontece em um ermo subtropical. A aventura contém elementos de terror, com ênfase em exploração e resolução de problemas.
Cenário da Aventura
Seções de cenário fornecem ao DM as informações mais básicas e importantes a respeito do que iniciou o conflito nos quais os personagens estão prestes a se envolver. Geralmente, quanto maior escopo da aventura, mais extenso o cenário deve ser. Entretanto, é importante manter a seção do cenário o mais breve e conciso possível. A informação de cenário que é essencial para o entendimento do DM para mover a trama é o suficiente. Informação de cenário que os PJs podem descobrir enquanto avançam através da história pode ser relevante o suficiente para ser incluída aqui também. Qualquer coisa a mais, independentemente de quão criativa ou poderosa possa parecer, arrisca levar o DM para detalhes desnecessários.
è importante entender que o cenário da aventura pode mudar – e provavelmente mudará – conforme você desenvolve a aventura. Ideias melhores vão borbulhar conforme você vai criando, portanto o esboço não precisa polir demais a informação sobre cenário. Se você sabe o que quer para a história começar, isso é o suficiente por enquanto.
Resumo da Aventura
A seção com o resumo da aventura fornece uma visão geral do que poderia acontecer durante a aventura. Mesmo que a aventura não seja linear, ainda é importante permitir que o DM saiba o fluxo esperado dos encontros em uma aventura. Se houverem conectores importantes entre as cenas e encontros, deixe-os claros. Não há necessidade de destacar cada encontro nos mínimos detalhes; apenas dê ao DM o básico do que pode acontecer, e em qual ordem.
Para propósitos de esboço, não se preocupe ainda com esta seção. Conforme você for escrevendo as ideias para cenas e encontros (veja adiante), o resumo da aventura vai se formando. Após você ter criado os encontros, você pode voltar e escrever o resumo. Esperar até o fim para escrever o resumo ajuda você a garantir que o fluxo da aventura faça sentido pós criação, já que você deu um passo adiante através dos encontros que você escreveu.
Elenco de Personagens
Se você está escrevendo uma aventura com mais do que um par de PNJs, é inteligente incluir um elenco de personagens. Isso dá aos DMs um modo rápido de consultar os PNJs que eles precisam trazer à vida para seus jogadores. Um guia de pronúncia ajuda nos nomes mais complicados. Assim como no resumo da aventura, esta seção não precisa estar incluída no seu esboço, embora acrescentar PNJs conforme você avança é bem útil, oferecendo um referência de fácil acesso conforme você escreve.
Encontros/Partes/Cenas/Atos
Seja lá como for que você os chame, eles são o coração da sua aventura. Muitos desenvolvedores têm uma tendência, compreensivelmente, de concentrar seus esforços aqui do que em um esboço. Talvez, se você não tiver muitos parâmetros que esteja desenvolvendo, possa fazer isso. Entretanto, se você tiver restrições em seu tempo de jogo e no escopo da aventura, esboçar primeiro é importante.
no caso da aventura que criaremos juntos, vejamos algumas diretrizes. Precisamos que ela seja jogada em 4 horas, pois vamos criá-la para um jogo padrão de convenção (criar aventuras para campanhas de jogos organizados também traz limitações à criação). Isto significa que eu preciso ser muito ponderado no número de encontros, onde eles acontecem e quanto tempo cada um levará para ser resolvido na mesa (se você está escrevendo uma aventura para um grupo caseiro sem limite de tempo, talvez não precise disso, mas é bom praticar para estabelecer alguns limites de modo a ser objetivo na sua criação. Você sempre pode retirar esses limites caso seja necessário).
Nós discutiremos a criação de encontros – e o uso dos três pilares de jogo do D&D – nos próximos artigos, mas por hora eu os deixarei com isto: use o seu tempo de esboço para estabelecer o fluxo geral dos seus encontros e fique ligado não apenas com o que acontece durante a aventura, mas como acontece. Você provavelmente vai querer variar os tipos de encontro para garantir que o DM não fique tentando narrar o mesmo tipo de encontro (combate, interpretação, exploração, enigmas, etc.) repetidamente.
Para colocar isso de maneira mais sucinta: onde estão os personagens no começo da aventura, onde eles deveriam estar no final da aventura e quais são alguns dos passos que eles devem tomar em sua jornada do começo ao fim. No nosso caso, precisamos preencher 4 horas. Podemos assumir certa de 5 a 8 encontros com o entendimento de que alguns dos encontros poderiam ser pulados, ou que alguns encontros poderiam ser encontros bem curtos de interpretação ou exploração.
Materiais de Apoio, Mapas e Apêndices
Enquanto imagina os DMs mestrando sua aventura, considere que seria útil ou divertido se ela fosse representada visualmente em materiais de apoio para os jogadores. Quebra-cabeças e enigmas que possuem peças móveis ou que sejam altamente detalhados podem se beneficiar de um material de apoio. Mais importante, fornecer material de apoio no formato de cartas ou diários ou outras coisas que os personagens podem encontrar aprofundam a experiência do jogador e também tiram um pouco da sobrecarga de trabalho do DM.
Alguns dos seus encontros contém elementos melhor representados em um mapa em vez de um texto simplesmente escrito? A maioria dos DMs e jogadores aprecia mapas, especialmente em áreas com masmorras ou outras área de encontro complexas.
Qualquer informação que poderia ser de uso do DM, mas que não pode ser vista pelos jogadores, pode ser incluída em um apêndice. Respostas decifradas para quebra-cabeças e enigmas podem ajudar DMs que, de outra forma, não entenderiam uma solução descrita no texto. Se você usar vários PNJs complicados e importantes na aventura, um apêndice com informação sobre eles em uma única página pode ser de muita ajuda para o DM.
Esboços para Trabalhos Maiores ou Complexos
O que tenho descrito é como eu esboço aventuras relativamente simples e que podem ser narradas em uma sessão ou duas. Mas e sobre esboços para aventuras maiores ou mais complexas que poderiam ter muitos capítulos, ou componentes de recurso de arte que devem ser descritos, criados, revistos e, então, refletidos na apresentação do material ou em uma contagem específica de páginas na qual você deve se ater?
Se você está trabalhando neste nível, é melhor empregar uma planilha para administrar suas necessidades de criação em uma base página-a-página. Eu falarei mais sobre esses conceitos em um artigo mais para o final desta série, e recorrerei à experiência de gerentes de projeto, produtores e especialistas em layout para dar conselhos mais relevantes sobre isso.
Quando um Esboço Está Completo?
Quando conversei com pessoas ao vivo e online sobre esboços para criação de aventuras, sempre ouço a pergunta: “quando eu sei que meu esboço está concluído?”. Minha melhor resposta para isso é, “seu esboço nunca está concluído, mas em algum ponto, você precisa começar a escrever”. Pessoalmente, eu paro de trabalhar no esboço quando respondi às principais perguntas da aventura da melhor forma possível., e eu poderia começar a escrever qualquer parte da aventura e me sentir confortável em fazê-lo. E não importa a partir de onde eu comece a escrever, eu prossigo com o entendimento de que enquanto escrevo aquela parte, ela provavelmente mudará algo em meu esboço. Isso significa que constantemente estou voltando para o esboço e atualizando algo que tenha sido mudado em algum lugar. Desta forma, eu não esqueço as mudanças que fiz e posso manter a criação mais precisa do que se eu não tivesse feito um esboço.
Em muitas das criações de aventura que faço, eu me pego escrevendo de um modo que chamo de “de frente para trás e de volta para frente”. Usando meu esboço, começo o primeiro encontro ou cena e escrevo até conseguir manter o ritmo. Se eu chegar em um ponto em que não sei o que fazer a seguir, mesmo com o esboço diante de mim, pois algo me parece diferente, então começo a “escrever de trás para frente”. Eu olho o que já escrevi e faço mudanças baseadas onde parei. Note que isso não é uma edição; isso é leitura e reescrita para garantir que o lugar onde parei faça sentido com o lugar para onde estou indo. Normalmente antes de voltar tudo até o começo, eu dou mais uma olhada para onde deveria ir, então eu continuo.
Se eu tiver sorte, eu vou até o fim com uma primeira versão antes de perder o ritmo, então minha reescrita “de trás para frente” da aventura pode me levar literalmente do fim até o começo. Se eu saí dos trilhos em termos de tema ou compasso de história, eu posso ver o fluxo e descobrir o que pode ter acontecido. Se minhas transições entre cenas ou encontros são fracos e poderiam ser melhorados, eu posso ver isso.
Mas sempre ao fundo, pronto para me ajudar e me relembrar do que eu queria quando comecei este processo, está o esboço. Ele é o marco que me ajuda a focar a mente que quer brincar no parquinho das infinitas possibilidades. E se o esboço precisar de uma mudança porque uma balançada no balanço do parquinho é muito melhor do que o balanço onde estou agora , está tudo bem também. Mas eu devo me lembrar de alterar o esboço antes de mudar a aventura, pois preciso do meu guia.
O Que Vem a Seguir?
No próximo artigo, vamos dar uma olhada na criação de ganchos para a trama e as cenas de abertura para aventuras. Quantos ganchos para a trama são suficientes? Qual a melhor maneira de iniciar uma aventura? Como você pode usar as características do D&D para fazer a melhor abertura possível? Quais são algumas das armadilhas mais comuns na criação de cenas de abertura para aventuras?
Você já esboçou alguma aventura, ou mesmo já mestrou uma aventura inteira a partir de um esboço? Deixe sua experiência nos comentários!
Shawn Merwin é um designer profissional, desenvolvedor e editor de D&D com 20 anos de trabalho e mais de 4 milhões de palavras em conteúdo, da terceira à quinta edição. Seus créditos mais recentes incluem o livro Acquisitions Incorporated, Portal de Baldur: A Descida até Avernus e Storm Lord’s Wrath. Ele também é Gerente de Recursos para a campanha da Adventurers League Eberron: Oracle of War. Shawn é o anfitrião do podcast semanas de D&D chamado Down with D&D, e cursa um mestrado em artes em Escrita Criativa pela Vermont College of Fine Arts. Você pode seguir seus devaneios e reflexões no Twitter em @shawnmerwin.
Quer ler o primeiro artigo desta série? Veja Vamos Criar uma Aventura! e fique por dentro de tudo.
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