Como Interpretar um Dragão Vermelho como um Gênio do Mal
por James Haeck
Originalmente publicado em 07 de março de 2018, disponível em https://www.dndbeyond.com/posts/164-how-to-play-a-red-dragon-like-an-evil-genius
traduzido por Alexandre de Silvestre; revisado por Daniel Bartolomei Vieira
Arte destacada, imagem da Wizards of the Coast
O dragão vermelho arremeteu-se de um céu sufocado por cinzas. Fumegando pelas narinas, ele pousou no meio de um grupo de aventureiros que estava aproximando-se do seu covil. Ao erguer a cabeça para trás, cuspiu um cone de chamas crepitantes que engolfou um dos combatentes. No entanto, uma expressão arrogante perpassou-lhe as mandíbulas no momento em que a fumaça baixou, revelando que o alvo quase não tinha sido chamuscado.
Felizmente, para a aventureira, o anel de resistência que tinha pego na última aldeia havia cortado o dano pela metade. Acontecia que ela também era uma ladina que, mesmo tendo falhado na salvaguarda contra o sopro de fogo, a característica Evasão cortou o dano pela metade novamente.
Então, o turno do dragão acabou. Encontrou-se em um número menor, sem aliados, fora de seu covil, sem sua arma de sopro e cercado por um sólido grupo. Mesmo com impressionantes CA e pontos de vida, foi massacrado em apenas um turno.
Caso essa experiência lhe soe familiar, você não está sozinho. Os dragões vermelhos estão dentre os mais icônicos vilões devido a incrível força física, genialidade, raciocínio astuto e carisma obscuro que têm. Claro, também pela habilidade de voar com a agilidade de um caça de combate. Todas essas qualidades são as que tornam um dragão vermelho um ser aterrorizante para os jogadores. Ironicamente, são os motivos pelos quais é tão difícil utilizá-lo sendo o DM. Jogar utilizando um dragão vermelho demanda um premeditação genial e táticas perfeitas de combate, tornando muito difícil utilizá-lo de um modo que agrade o DM e os jogadores ao mesmo tempo.
Porém, não é impossível. Jogar malevolamente com um dragão vermelho demanda entrar na cabeça dele e pensar como ele pensaria. É um erro comum pensar que a interpretação e as táticas de combate são dois pontos separados ao se jogar. No entanto, eles são inexoravelmente conectados. Interpretação é mais do que falar do personagem, é fazer escolhas baseadas, neste caso o dragão vermelho, em como ele agiria. Jogar como um ogro desse modo é fácil, apenas bata em tudo que esteja diante de você. Jogar com um dragão vermelho com um valor 18 na Inteligência é um pouco mais complexo. Um dragão é tão esperto quanto o DM pode ser, mas até mesmo um DM esperto tem dias de folga. O desafio ao comandar as habilidades de um dragão vermelho aparece no momento em que o DM precisa administrar dez milhões de outras coisas que um DM deve administrar, como controlar os subordinados do dragão, submeter as ações de covil e gerenciar os jogadores, apenas para citar algumas coisas. Este artigo o ajudará a jogar com um dragão vermelho bestial, deixando algum poder cerebral para que possa lidar com as pequenas coisas.
Planejando como um Dragão
Ser um dragão vermelho não é como ser um brutamontes comum; é ser e possuir um intelecto dominante tão afiado quanto suas garras. Até mesmo os recém chocados dragões vermelhos filhotes são mais espertos que um ser humano normal, compare a INT 10 de um humano comum com a de um filhote de dragão, que possui INT 12. Você nunca deve ser pego de guarda-baixa por um grupo de aventureiros que, casualmente, aproxima-se de seu covil. É necessário saber exatamente quem possui a espada longa matadora de dragão e quem está usando o anel de resistência a fogo.
A única razão de um dragão com intelecto dominante ser pego com a guarda baixa, por um grupo de aventureiros, é quando a equipe investe pesadamente e espertamente em permanecer incógnita. Isso pode envolver contratar espiões que espalhem falsos rumores sobre os planos deles ou o uso liberado de magias como indetectável e passos sem pegadas, para ocultar os movimentos. Sendo um dragão de intelecto dominante, sempre deverá estar preparado para a chegada dos personagens em seu covil. Isso inclui o seguinte:
Espionar os personagens para aprender sobre os seus equipamentos e táticas. Colocar lembretes em seu Escudo do Mestre para lembrar os maiores perigos a serem evitados, como itens mágicos matadores de dragão e para ter à vista as maiores fraquezas do grupo, por exemplo o clérigo com baixa Destreza. Caso saiba sobre uma estratégia devastadora, que os personagens inventaram para massacrar você, é necessário ter na manga itens mágicos que oponham-se ao plano. Uma bola de cristal é uma ferramenta excelente para explicar como soube de todos os detalhes do plano, caso os personagens o derrotem e encontrem o item no tesouro do dragão. Eles gostarão de desvendar o mistério de como você preparou-se tão bem para a chegada do ataque.
Nunca confronte os personagens fora de seu covil. Você está em sua forma mais poderosa dentro de seu covil. Ações de covil concedem uma vantagem enorme em combate, portanto jamais lute até a morte do lado de fora. No entanto, você também deve…
Atormentar os personagens antes de chegarem ao seu covil. Caso saiba que seus inimigos estão vindo para matá-lo, é necessário enfraquecê-los antes de chegarem à sua porta. Os force a reagir contra seu voo sobre as cabeças deles, enquanto lutam contra o terreno montanhoso e rochoso e contra seus lacaios salamandra. Então, caso seja atingido algumas vezes, volte para seu covil e faça um descanso curto antes da chegada dos personagens. Você pode patrulhar os arredores da área em que os personagens estão, interrompendo o descanso curto deles e forçando-os a lutar em desvantagem.
A habilidade de atormentar seres terrestres do alto é essencial; não utilize essa tática caso os personagens possam facilmente atraí-lo ao chão ou segui-lo durante seu voo!
Lutando como um Dragão
Dragões não lutam limpo. Mesmo você possuindo um incrível poder bruto e até resistências lendárias que podem tirá-lo de situações estúpidas, gênios do mal nunca entram em situações estúpidas, caso possam evitar. É tentador demais aterrissar diante dos personagens, fazendo-os se lamentar pelos seus muitos ataques devastadores. Porém, isso apenas deixa abertura para um contra-ataque ainda mais mortal.
As Habilidades de um Dragão
Caso queira jogar como um intelecto tático superior, é necessário saber exatamente quais são suas opções em todos os turnos. Isto lhe ajudará a ter escolhas sensatas em vez de adivinhar, no calor do momento, qual opção é a melhor. Estas são as opções:
Movimente-se. Suas opções de movimento são algumas de suas armas defensivas mais fortes, caso usadas corretamente. Você tem deslocamento de caminhada, escalada e voo, mas voo é, certamente, o mais útil dos três. Com um deslocamento de voo de 24 metros (18 como filhote), você pode ultrapassar qualquer possível matador de dragão utilizando a magia voo, uma vassoura voadora, um tapete voador, assim como um aarakocra, feiticeiros de Linhagem Dracônica, feiticeiros Alma Divina e feiticeiros da Tempestade. Isso permite você reposicionar-se em três dimensões dentro de combate, e até mesmo escapar de batalhas perdidas.
Monges aarakocra e monges que ganham deslocamento de voo igual a deslocamento de caminhada, como se tivessem usando botas aladas, ainda podem ser um problema, no entanto são bastante raros.
Sopro de Fogo. Sua arma de sopro de fogo é sua ferramenta mais perigosa, e quando utilizada corretamente pode lançar um grupo de aventureiros em completo caos no primeiro turno de combate. Use essa habilidade o quanto antes, já que é provável os aventureiros estarem agrupados no primeiro turno do combate. Suas ações de covil são úteis para os manter juntos, maximizando o potencial de possíveis ataques da arma de sopro. Mesmo que o grupo não esteja aglomerado, sua habilidade de voo pode o posicionar bem o suficiente para pegar ao menos metade deles.
Presença Aterradora. Aterrorizar seus inimigos é um efeito poderoso, porém muitos aventureiros têm meios muito acessíveis de contra-atacar, assim como a magia heroísmo, em níveis mais baixos e banquete de heróis de níveis mais altos. Caso você saiba que o grupo tem poucos meios de contra-atacar estando amedrontado, é bom utilizar essa ação o quanto antes no combate, dificultando que o ataquem, e permitindo que você ataque alvos fáceis como os conjuradores na retaguarda.
Ataque. Seus ataques corpo a corpo são impressionantes, mas não são sua arma principal. Eles causam dano considerável, porém não possuem nenhum “efeito adicional”, como agarramentos automáticos e veneno incapacitante, que tornam outros monstros em mortíferos combatentes corpo a corpo Seus ataques corpo a corpo se destacam, por causa de seu alcance excepcional (especialmente vindos de um dragão ancião), permitindo que você faça ataque ao estilo bater-e-correr, sem provocar ataques de oportunidade.
Percepção às Cegas. Não esqueça da percepção às cegas! Isso permite que você veja criaturas invisíveis nas proximidades, evitando que elas se escondam de você sem nenhuma cobertura. Isso nega a elas as vantagens de combate ao usar invisibilidade.
Resistência Lendária. Essa é a sua mais poderosa opção defensiva (sendo um dragão adulto ou ancião), portanto não a desperdice. Utilize seus três preciosos usos de Resistência Lendária para evitar efeitos paralisantes de evite-ou-sofra, como o da magia confusão, mas não o utilize para evitar dano, a menos que este o mataria.
Ações Lendárias. É fácil esquecer sobre essas ações, que apenas podem ser usadas no final do turno de uma criatura (apenas como um dragão adulto ou ancião). A ação Detectar é útil para observar criaturas escondidas, mas, geralmente, é uma das escolhas mais fracas. A ação Ataque com Cauda o permite aumentar o dano causado, caso não tenha algo melhor para fazer com suas ações lendárias. Mais importante, a ação Ataque com Asa o permite escapar de situações de bloqueio, em função da possibilidade de deixar inimigos próximos caídos (aplicando desvantagem em ataques de oportunidade), e permitindo que você se mova 12 metros.
Táticas de um Dragão
Mesmo tendo uma vasta quantidade de poderosas opções de combate, é necessário usá-las taticamente para derrotar aventureiros espertos e bem equipados.
Suas táticas irão variar baseadas na composição do grupo e na personalidade do dragão que você está interpretando, mas uma boa tática recorrente para dragões é:
- Fique escondido até os personagens estarem a até 24 metros. Ao iniciar o ataque, fique planando o máximo possível, para evitar ataques corpo a corpo.
- Voe a até 12 metros dos personagens e use o Sopro de Fogo para acertar o máximo possível de aventureiros, e jamais termine seu turno a menos de 9 metros deles. Use o Sopro de Fogo sempre que recarregar, e recue para cobertura enquanto ele recarrega, caso seja muito perigoso atacar corpo a corpo.
- Voe e use Presença Aterradora, então, em turnos subsequentes, ataque criaturas que não estejam amedrontadas. Os aventureiros amedrontados têm desvantagem em atacá-lo, sendo assim, menos ameaçadores.
- Use ações de covil para forçar os personagens a se juntarem, permitindo devastá-los utilizando seu Sopro de Fogo quando este recarregar.
Magia Inata de um Dragão
Em edições antigas de D&D, a maioria dos dragões eram conjuradores. Uma variante na regra no Monster Manual: Livro dos Monstros permite um dragão saber um número de magias igual ao seu modificador de Carisma, assim expandindo o seu arsenal tático sem causar um aumento severo em nível de poder (ou nível de desafio). Você pode dar a dragões magias de qualquer lista de magias, permitindo a criação de um algo a mais interessante para cada dragão. Um dragão vermelho com magias de druida ou paladino contam uma história bem diferente de um com magias de feiticeiro! Aqui temos alguns exemplos de listas de magias de feiticeiro para dar a você opções para um simples dragão conjurador, mas você deve personalizar sua lista de magias para encaixar no seu vilão
Um dragão vermelho ancião sabe 6 magias do 8º círculo, e pode conjurar cada, uma vez por dia. Um exemplo de lista de magias é coroa de estrelas, dedo da morte, forma etérea, palavra de poder dor, perdição elemental e redemoinho dão ao dragão uma maneira de se preparar para a batalha, agrupar alvos e escapar do combate, caso necessário. Perdição elemental é um jeito sorrateiro de subjugar a comum e lamentável resistência a fogo de um grupo.
Um dragão vermelho adulto sabe 5 magias de 5º círculo, e pode conjurar cada, uma vez por dia. Um exemplo de lista de magias é controlar ventos, invisibilidade maior, passo distante, perdição elemental e sinapse estática, que permite ao dragão ter ferramentas de fuga para situações difíceis, para enfraquecer inimigos e para fazer uso total da impressionante disponibilidade de ataques corpo a corpo que tem.
Um dragão vermelho jovem sabe 4 magias de 3º círculo e pode conjurar cada, uma vez por dia. Um simples exemplo de lista de magias é bola de fogo, irromper terra, névoa fétida e velocidade, que ajudam o dragão a limitar as opções de movimento dos inimigos e causar dano enquanto a arma de sopro recarrega.
Um dragão vermelho filhote sabe duas magias de 1º círculo e pode conjurar ambas, uma vez por dia. Um simples exemplo de lista de magias é escudo e tremor de terra. Essas magias dão algumas opções defensivas, mantendo a sensação de um dragão bebê utilizando instintivamente os incontrolados poderes mágicos que tem.
A Arrogância de um Dragão
Dragões talvez sejam criaturas inteligentes, mas possuem lá suas falhas fatais. Caso queira jogar de um modo inteligente, até buscando um pouco do “meta-jogo”, é preciso ter algumas fraquezas que jogadores espertos possam explorar de maneiras divertidas e dramáticas. Todos que leram O Hobbit sabem que o dragão Smaug caiu por terra em função da arrogância e ganância que tinha, pois Bilbo foi capaz de, inchando o ego da monstruosidade, enganando-o e fazendo-o revelar seu ponto fraco, que mais tarde, foi explorado por Bard, o Arqueiro, com uma flecha bem colocada.
A melhor parte de qualquer luta contra dragões é quando os personagens conseguem transformar o tático super-gênio em um tolo arrogante ou em uma fera em frenesi. Isso pode ser verdade, tanto para jogadores quanto para DMs. Jogar com um inteligente e tático dragão é um trabalho árduo, tornando a sensação de apenas atacar, deixando de lado a furtividade e as provocações, muito mais agradável. Contudo, o único modo de fazer essa transformação parecer natural é encaixar nas ações dos personagens que compram a ideia dos acontecimentos, através de suas encenações.
Com os personagens tendo sérias dificuldades em derrotar o dragão em seu estado mais tático, é de esperar do feitio de um dragão vermelho sair da luta e entregar um pomposo monólogo de como todos os personagens estão condenados. Isso dá aos personagens um heroica chance de virar a mesa ou correr e deixar a batalha para outro dia. Ambas são excelente opções dramáticas, que poderão se tornar histórias de jogos contadas por muitos anos a fio.
Os jogadores, porém, podem utilizar suas habilidades em interpretação para atrair o dragão para lutar de maneira tola. Observe a descrição de um Dragão Vermelho no Monster Manual: Livro dos Monstros para ver uma lista de traços de personalidade… muitos são gigantescos defeitos de caráter. Dragões vermelhos são “tiranos arrogantes” que “voam em cóleras destrutivas e impulsivas, quando enfurecidos”. Jogando com esses traços, tão audaciosamente quanto com a inteligência tática de um dragão, é possível dar aos jogadores, que preferem história e desenvolvimento de personagens a combate, uma batalha um pouco mais fácil.
Se gabar sobre o tamanho de suas vastas riquezas pode influenciar os jogadores a procurar bugigangas durante o combate. Esses personagens fazem testes de Carisma resistidos a seus testes de Sabedoria (Intuição) enquanto andam pelo covil, lhe enfurecendo e lhe distraindo a cada sucesso. Não existe nada mais odiado por um dragão que um ladrão, e ele largará tudo para recuperar seu ouro de volta — assim como o Monster Manual: Livro dos Monstros diz, dragões vermelhos “notam a falta uma única moeda, inflamando sua ira enquanto rastreiam e massacram o ladrão, sem misericórdia”. Um dragão em frenesi não é uma mente astuta, porém é uma criatura que correrá precipitadamente em direção ao perigo, pisoteando lacaios kobolds pelo caminho, em prol de proteger seu frágil ego.
Divertindo-se Jogando como um Dragão
Dragões, como todo vilão crucial de uma campanha, merece uma luta dramática. Esse drama pode ser alcançado através de altos níveis de narrativa ou por interpretações incríveis, mas ajuda muito ter um combate duro como aço. O ápice do D&D é quando a exploração de uma desafiadora catacumba culmina em um combate de alto nível, que facilmente pode tanto acabar em uma vitória quanto a morte de todo o grupo.
Ao menos é assim para mim. É fato que você pode preferir uma simples luta, com seus jogares ansiosos por combates fáceis contra inimigos divertidos de serem provocados e ridicularizados, em vez de se estressarem com a possibilidade de perderem seus personagens. Caso sua ideia de gênio do mal esteja mais para um Dr. Evil do que para um Rei do Crime, essas táticas podem ser úteis a você, apenas ajuste a intensidade dela um pouco a baixo que o sugerido. Desde que todos estejam se divertindo, vocês estão jogando D&D da maneira correta.
Agora vá torrar alguns aventureiros!
James Haeck é o escritor chefe em D&D Beyond, co-autor de Critical Role: Tal’Dorei Campaign Setting e escreve como um freelancer para Wizards of the Coast, D&D Adventurers League e Kobold Press. Ele ama dragões, mais que a vida, e ama combate tático em igual tamanho. Ele vive em Seattle, Washington com seus dois filhotes de dragão, Mei e Marzipan. Você normalmente pode encontrá-lo perdendo tempo no Twitter em @jamesjhaeck.