Forjando os Reinos – Eu me Vanglorio Diante de Vocês
por Ed Greenwood
traduzido por Daniel Bartolomei Vieira
disponível em: http://dnd.wizards.com/articles/features/i-gloat-your-general-direction
Imagem de Destaque, “Ranger Attacks”, por Jesper Ejsing
Como, onde e quandos os Reinos Esquecidos começaram? Qual é o cerne da criação de Ed Greenwood, e como o Grande Mestre dos Reinos usa seu próprio mundo quando narra aventura de D&D para os jogadores em sua campanha? “Forjando os Reinos” é uma série onde o próprio Ed Greenwood responderá essas perguntas, e mais.
Não, não, espere! Não se trata provocações cômicas, eu prometo (a maioria de nós já foi enriquecida culturalmente de alguma forma pelo grupo Monty Python[1], ou, se formos mais velhos, pelo Goon Show[2], e consegue administrar essas indulgências espontaneamente, mais ou menos como respirar). Isso se trata daqueles enredos estranhos em que um vilão pausa pouco antes de alcançar a vitória ou de matar os heróis para se vangloriar do sucesso alcançado até o momento, ou para explicar o plano diabólico.
Por vezes, esse tipo de coisa é necessária para que o leitor (ou jogador em um jogo de D&D) saiba o que diabos está acontecendo, mas o que é realmente necessário é comprar mais tempo para os heróis, para que eles possam escapar, armados definitivamente com o útil conhecimento absoluto do plano diabólico do maligno vilão no proverbial “momento certo”.
Por Que Ser Tão Estúpido?
Então, por que os vilões sentem tanto a necessidade de explicar tudo e se regozijar? Por que não matar os heróis ou, pelo menos, quebrar todas as articulações deles e confiná-los em proteções anti maga primeiro, fazendo com que a fuga milagrosa deles seja algo impossível?
Porque não, não importa. Eu poderia me aprofundar nas profundas necessidades psicológicas dos vilões de humilhar os oponentes e divertir-se com os esforços deles para compensar, mas no fim, tais explicações realmente se resumem a uma mistura diferente de justificativas para cada um dos vilões.
O que eu vejo como mais útil para um Mestre, para esse Mestre aqui que vos fala, pelo menos, é uma razão um tanto sustentável dentro dos Reinos para um vilão se regozijar.
Primeiro, se a vingança (ou vingar um amigo, um aliado ou um ente querido morto) for uma motivação primária, o vilão tem a necessidade de dizer aos heróis que eles merecem o que estão recebendo e por quê. O vilão vai querer dizer a eles que a maldição do velho que eles desprezaram, enquanto o mataram há tanto tempo atrás, chegou até eles depois de tudo. Em suma, o vilão precisa sentir um senso de justiça (e se este vilão passou anos na caça ou preparação, talvez porque seu nome seja Inigo Montoya[3], ele sente a necessidade de justificar ter gasto tanto tempo para conseguir chegar até esta situação). Isso envolve todas as necessidades psicológicas variadas dos vilões em um fator.
Segundo, tal regozijo pode ser feito para motivar os heróis se eles, de alguma forma, ganharem algo de graça, ou se o vilão estiver deliberadamente poupando um sobrevivente para entregar uma mensagem de aviso ou fazer com que outros espectadores realizem algo que intencionalmente avance os objetivos do vilão, graças ao que ele zombou para os aventureiros. Talvez o vilão queira uma família inteira erradicada, ou outro inimigo que ele não possa encontrar para caçar e matar, ou fomentar uma guerra entre este e aquele reino, então para isso ele ou ela Diz Tudo (ou até mesmo despeja um monte de mentiras) para estimular os ouvintes sobreviventes a agir de maneiras específicas. Assim, esses que foram motivados poderiam potencialmente promover a vilania mesmo depois que o vilão tiver sido incapacitado, aprisionado, tornado impotente ou morto. Este é um fator que muitos Mestres e jogadores de D&D ignoram, pois eles pensam nos vilões sempre como egocêntricos ou excessivamente ambiciosos, em vez de se dedicarem a causas maiores do que eles mesmos.
Por exemplo, as ações do vilão têm sido um chamariz para atrair os heróis e outros defensores de um reino para um determinado local, enquanto uma poderosa ameaça invade o reino em outro lugar. O vilão não quer apenas se vangloriar disso, ele ou ela quer direcionar equivocadamente qualquer um que saia correndo para defender o reino em um local onde este não esteja sendo ameaçado, enquanto a ameaça real ataca em outro lugar. As guarnições do castelo que se preparam apressadamente para repelir os cavaleiros de dragões que mergulham dos céus podem não notar nem mesmo grandes incursões hostis surgindo através dos próprios sistemas de esgoto e masmorras.
Terceiro, talvez o vilão voluntária ou involuntariamente seja um fantoche ou porta-voz em tais momentos, controlado de longe por uma divindade, um sacerdote poderoso, um mago habilidoso ou portador de um item mágico poderoso (uma coroa que domina os pensamentos, por exemplo). Pode-se obter muita diversão retratando qualquer um desses vilões como estando em guerra com seus próprios corpos em tais ocasiões, tendo espasmos e se contorcendo enquanto lutam para entregar golpes mortais aos heróis ou a outros (esse fator inclui situações em que o vilão pode querer eliminar os heróis presos ou derrotados, mas a divindade ou superior do vilão os quer poupados para uso posterior).
Quarto, e último, insanidade. Este é um aspecto muito frequentemente retratado da vilania, em que o bandido ri histericamente ao ver o triunfo à mão, e ignora o perigo em potencial, ou descarta os perigos óbvios ou as capacidades dos heróis ou canta para se divertir ao brigar com os heróis e aceita o conflito com eles como um jogo em andamento. Por qualquer que seja a razão, esses bandidos balbuciam e se regozijam em vez de tomar medidas para eliminar os heróis. Tais estados desequilibrados podem ser retratados no sentido mais pesado, fazendo com que o vilão decapite os inimigos menores e as arremesse enquanto cantarola explicações para tais oponentes decepados, ou entrega-se a outras exibições horrendas (como “Eu sempre quis apertar sua mão, então eu vou cortar e levá-las para que eu possa apertá-las sempre que eu quiser!“).
Como Visto nos Reinos
Mas chega de razões para vangloriamento e generalidades vilanescas. Vamos nos voltar para os Reinos e desfrutar de dois momentos infames de regozijo muito diferentes que a maioria dos sábios com Conhecimento dos Reinos, até agora, negligenciaram.
Imagine uma noite quente de verão em 1.271 CV, em uma festa na mansão da família nobre Artemel de Águas Profundas, onde três nobres (Neldror Artemel, Larondras Ravina-Fendida e Elglor Escudáguia; todos “tios mais velhos”, não exatamente patriarcas ou herdeiros das respectivas casas) sentaram-se desamparados em torno de uma mesa em uma galeria interna de um salão alto, os músculos deles congelados devido a um paralisante colocado nas bebidas por uma empregada de serviço. Ela os informou venenosamente que ela era a desprezada Reldra Wyntersar, anteriormente uma beldade em ascensão da sociedade aguaprofundense. Por fim, ela os prendeu pela forma que a trataram. Todos os três tinham prometido separadamente casar-se com ela, levando consigo a nobreza, riqueza e status que o acompanhavam. Entretanto, depois de desfrutar dos encantos da jovem, a renegaram, afastando-a da presença deles com empregados usando chicotes e porretes, e dizendo à Guarda da Cidade que ela era uma ladra que os roubara. Eles a deixaram ferida, de coração partido, humilhada e expulsa da alta sociedade, porém jurando vingança.
Ela, então, empurrou cada homem indefeso por sobre o corrimão da galeria, com cadeira e tudo, para baterem contra o chão bem abaixo. Artemel e Escudáguia morreram, e Ravina-Fendida acabou por ficar mutilado e viveu o resto dos dias que lhe restaram em uma agonia dolorida.
Depois de empurrá-los, ela sacou uma espada e uma adaga escondidas, e lutou furiosamente contra os guardas, servos e nobres que tentavam capturá-la, morrendo perante as lâminas deles depois de ferir muitos e matar um punhado mais enquanto imploravam a eles “Casem-se comigo! Casem-se comigo!“.
Isso tudo foi abafado, é claro, mas não antes de se tornar um ditado popular de um extremo a outro de Águas Profundas. O acontecimento ainda é lembrado entre os nobres da cidade como uma dura lição sobre as conseqüências de se maltratar aqueles que não são filhos da alta sociedade; entre as casas nobres de Águas Profundas e até nas reuniões dos Lordes Secretos, as palavras “Casem-se comigo!” podem ser ouvidas como um aviso sombrio ou cínico até os dias de hoje.
Ao visitar uma adega úmida e gotejante em Marsember durante uma manhã fria de primavera em 1.344 CV, três Magos de Guerra encurralaram um cidadão local, Mahloun Vaercraw, a quem há muito tempo viam como contrabandista, sequestrador para traficantes de escravos e traficante de drogas operando entre Portão Ocidental e Marsember.
Eles soturnamente disseram a Vaercraw que a carreira dele havia acabado e conjuraram feitiços para imobilizar os membros do homem e invadiram-lhe a mente para descobrir tudo o que ele estava tramando, apenas para serem atingidos por magias mais poderosas ainda, e acabaram por aprender da maneira mais difícil que Vaercraw era um illithid metamorfoseado à forma humana que dominava a magia arcana de forma realmente poderosa, talvez de forma superior ao do próprio Vangerdahast. O illithid matou um dos Magos de Guerra; manteve o segundo para aprender tudo o que este sabia e o deixou em um estado lamentável, babando em estado vegetativo para o resto da vida; o terceiro ele mutilou, mas o poupou o suficiente para que ele levasse “um aviso justo” a Vangerdahast, depois de se regozijar em eloqüente extensão verbal.
Felizmente para o Reino Florestal, Vangerdahast prosseguiu com cautela ao agir sobre as palavras triunfantes de Vaercraw, suspeitando do engano. O illithid tinha ido embora há muito tempo, e se as alegações dele fossem verdadeiras, sete famílias nobres muito poderosas estavam na liga contra a Coroa. Apenas uma família continha um punhado de traidores; os demais eram culpados apenas de desacordo com determinados decretos reais. Ainda assim, embora a cautela do Mago Real tenha evitado uma guerra civil em potencial, muitos esforços dos Magos de Guerra foram dedicados a investigar onde nada foi encontrado, por mais do que algumas temporadas. Durante essas investigações, Vaercraw (que mais tarde acabou sendo preso) lucrou deveras com a criminalidade em outras partes do reino e estabeleceu duas identidades muito sólidas e confiáveis que escaparam a todas as suspeitas por décadas.
Estes são dois pequenos exemplos de vanglória com que os sobreviventes acabaram descobrindo algo, e eles se destacam porque muitas vezes as lições não são aprendidas ou não há sobreviventes.
Vilões, deixem suas novas intrigas darem início.
[1] NT: Se você não conhece Monty Python, trata-se de um grupo de comédia britânico famoso entre o final dos anos 60 e começo dos anos 70. O estilo de humor negro e non-sense foi o que mais marcou o grupo, dando-lhe status e colocando-o para a comédia tal qual os Beatles está para a música. Se você nunca assistiu nenhum programa ou filme deles, assista. Tem na Netflix.
[2] NT: Goon Show era o nome de um programa humorístico de rádio, também britânico. Foi ao ar entre os anos 50 e 60. Depois do sucesso foi transmitido em outros países de língua inglesa, e acabou se tornando a maior referência da comédia britânica e americana, bem como da cultura popular. Influenciou diretamente a criação do Monty Phyton.
[3] NT: Inigo Montoya é um personagem fictício do romance The Princess Bride, escrito por William Goldman em 1973. Inigo é um pirata e espadachim que, quando criança, testemunhou a morte do pai, e passa a vida tramando a vingança contra o Conde Rugen, o assassino.
Sobre o Autor
Ed Greenwood é o homem que lançou o cenário de Forgotten Realms, os Reinos Esquecidos, em um mundo vivo. Ele trabalha em bibliotecas, e ele escreve histórias sobre fantasia, ciência, ficção, terror, mistério e romance (algumas vezes tudo isso em um mesmo livro), mas ele fica feliz quando produz Conhecimento dos Reinos, Conhecimento dos Reinos e mais Conhecimento dos Reinos. Ele ainda possui umas salas em sua casa que têm espaço para guardar mais algumas pilhas de papel.