Vamos Criar Uma Aventura – Conceitos Básicos dos Encontros
Por Shawn Merwin
Traduzido por Daniel Bartolomei Vieira
Originalmente publicado em 04 de dezembro de 2019 em https://www.dndbeyond.com/posts/626-lets-design-an-adventure-encounter-basics
Imagem Destacada da Wizards of the Coast
Quando a maioria dos jogadores de D&D pensa a respeito do jogo, eles pensam em seus personagens primeiro, já que estes personagens são a interface deles com o jogo: são tanto as lentes pelas quais eles enxergam o jogo, quanto também são os cinzéis que lhes permite esculpir sua partes na narrativa da campanha. A seguir, os jogadores podem pensar na campanha de modo geral: o que eles conseguiram realizar, qual é seu futuro imediato e o que pode acontecer no caminho. Eles podem até mesmo pensar a respeito das aventuras: alguns objetivos que cumpriram e o inimigo que derrotaram.
Raramente os jogadores pensam em termos de encontros (a menos que algo saia muito errado, obviamente). Ainda assim, para os criadores de aventura, os encontros são um dos elementos mais importantes do jogo. Se os encontros não funcionarem (sejam eles encontros de combate, encontros sociais ou outro tipo de encontro), o cuidadoso desenvolvimento do mundo, o planejamento da história e as tramas abrangentes não terão servido de nada. O encontro é onde os jogadores e seus personagens interagem com a campanha de forma mais significativa. Frequentemente, nós criadores de jogos construímos grandes mundos e imaginamos grandes histórias, mas falhamos no ponto mais importante e crucial: a criação do momento específico onde os personagens encontram nossas grandes criações.
Conforme construímos aventuras, sessões, histórias, campanhas, mundos ou qualquer aspecto ao qual você queira dar um nome, o encontro é o menor bloco de construção que temos à nossa disposição. Enquanto construímos o mosaico que se tornará nossa aventura, os encontros são os pedaços mais ricos que temos que podemos utilizar. Nós devemos garantir com certeza absoluta que eles são do tamanho, forma, cor e textura certos, para que ele se encaixem perfeitamente em nossa obra de arte maior.
Durante nossos esboços, nós nos deparamos com uma lista de possíveis encontros que levarão os personagens do começo ao fim da aventura. Agora, nós só precisamos criar estes encontros.
Então, o Que é um Encontro?
Conforme crio aventuras, penso nos encontros como processos distintos e auto suficientes, já que eles contêm seus próprios elementos, seus próprios desafios, suas próprias histórias e suas próprias variedades de desfecho. Após criarmos o encontro, nos deparamos com variáveis desconhecidas: a mais importante entre elas, os jogadores trazerem seus personagens, esses personagens trazerem suas motivações, desejos e o conhecimento sobre a história apresentada até o momento.
Conforme os personagens entram no processo de um encontro, eles deveriam saber o que está em jogo e quais são seus objetivos – ou eles deveriam descobrir o que está em jogo e quais são seus objetivos em algum momento durante o encontro. Em algum momento os personagens são testados conforme perseguem estes objetivos, ou eles tomam decisões que afetam o desfecho, ou ambos. Então, baseado nas escolhas – e nos sucessos ou falhas, sem mencionar a sorte nos dados – eles saem desse processo de encontro de forma bem diferente da qual entraram. Então, o próximo passo na jornada deles começa. O próximo encontro pode ser baseado no novo conhecimento que adquiriram ou em novos objetivos, ou eles podem ter mais escolhas a fazer. Independentemente do caminho que escolham através de suas escolhas e seus sucessos ou falhas, os personagens seguem para o próximo encontro, com novos objetivos e a nova informação adquirida.
Se sabemos o que é o encontro, então podemos descobrir o que é necessário para ir fundo no encontro no nível mais básico, e então podemos nos aprofundar nos diferentes tipos de encontros e nas diversas formas que podemos apresentá-lo. Novamente, aqui é onde muitos criadores de aventura encontram problemas. É muito mais divertido pensar na construção do mundo e em contar histórias, pensar em grandes enredos e em personagens incríveis, quando o trabalho pesado na aventura, onde os personagens estão aproveitando de verdade o jogo e sua narrativa, é realmente feito no nível do encontro. Tenha esse trabalho árduo e você (e mais importante, os jogadores), vão colher as recompensas.
Se Você Construir…
Baseado na descrição acima, podemos começar a apontar os componentes e as considerações necessárias para qualquer encontro, seja ele estritamente de interpretação, estritamente de exploração, estritamente de combate ou uma combinação de todos estes três:
- Informação Conhecida
- Informação Aprendida
- Objetivos
- PNJs
- Ameaças/Desafios
- Cenário
- Escolhas
- Posição e Propósito na Aventura
Vamos dar uma olhada neles individualmente:
Informação Conhecida
Os personagens saberem que estão entrando em um encontro pode ser vital para o encontro inteiro que eles estão prestes a encarar. Quanto mais verdadeira e detalhada a informação que eles têm, mais fácil deve ser para eles planejar e lidar com o encontro.
Se você já mestra há algum tempo considerável, sabe que alguns jogadores descobrem tudo rapidamente sobre o encontro que estão prestes a encarar. Personagens enfrentando um dragão querem saber não apenas a cor do dragão para se preparar para um determinado tipo de sopro, querem saber também como o covil parece ser, quais armadilhas há na área, outras criaturas que podem encontrar por lá, etc. Estas tentativas de se obter informação sobre um encontro iminente pode, obviamente, tornarem-se encontros por si só, com seus próprios desafios a serem superados, PNJs com quem interagir, áreas a se explorar e escolhas a se fazer.
Portanto, o que estamos falando aqui é de registrar esta informação conhecida conforme criamos encontros iminentes. Quais informações nós já demos? Como esta informação poderia ser usada? E a pergunta mais importante de todas: esta informação é verdadeira, falsa, incompleta ou irrelevante? Como podemos criar o encontro para recompensar, subverter, enfatizar ou complicar o encontro baseado nesta informação?
Há drama e tensão na dissonância entre a informação conhecida no início do encontro e a informação aprendida uma vez que o encontro se inicie. Se usada em demasia, esta tática pode rapidamente tornar-se uma chateação. Use-a com parcimônia e para se obter o melhor dos efeitos. Se os personagens entrarem em cada encontro já sabendo tudo sobre o que vão enfrentar, isto se tornará uma muleta e pode acabar ficando chato. Seguindo a mesma lógica, se eles entrarem em cada encontro sem conhecimento algum, ou sempre com conhecimento impreciso, essa repetição pode não ser legal para o jogo também.
Informação Aprendida
Conforme os personagens avançam no encontro, eles provavelmente aprendem mais informação que os ajuda a tomar decisões dentro do encontro. Esta informação pode ser nova, pode confirmar uma informação adquirida previamente ou pode mostrar aos personagens que a informação que a informação adquirida previamente era incompleta ou incorreta.
A maior parte do processamento da informação será entregue imediatamente, quando o encontro começar, provavelmente na forma de caixa de texto ou algum outro tipo de meio de entrega de informação (cenário, PNJs, monstros e outros desafios ou ameaças imediatos contêm informação óbvia, mas falaremos disso daqui a pouco). a informação a qual estou me referindo são detalhes que podem estar escondidos ou ocultos, mas que são importantes para concluir o encontro. Ou, mais importante ainda, é informação que eles podem precisar assim que concluírem o encontro, para que possam continuar em seu caminho ao longo da aventura.
Seja qual for a informação que os personagens precisam ou que sentimos que precisamos fornecer, é crucial se lembrar do seguinte: não esconda a informação. Podemos ficar tentados a fazer os personagens trabalharem para obter a informação, e isso pode ser divertido e satisfatório para eles – mas na maioria das vezes isso é simplesmente frustrante.
Por exemplo, digamos que haja um altar no templo maligno que absorve dano radiante quando os mortos-vivos ali perto são alvo de efeitos radiantes. Esta é uma complicação que pode ser acrescentada a um encontro. Primeiro chame a atenção para o altar na descrição. Descreva a energia das trevas que emana dele, e como essa energia envolve os zumbis perto dele. Isto deveria despertar a vontade do jogador questionar sobre o altar. Se ele questionar, peça um teste de Inteligência (Acanismo ou Religião) com uma CD razoável. Em caso de sucesso, descreva o efeito em termos de mecânica do jogo da forma mais clara possível.
Se eles não se tocarem com a dica dada na descrição, descreva novamente quando o altar absorver dano radiante pela primeira vez. O mesmo teste deve fornecer os detalhes – talvez até mesmo concedendo vantagem no teste pelo fato dos personagens terem testemunhado os efeitos. Em algum ponto pode ser necessário dizer diretamente a eles após um certo número de rodadas, especialmente se o efeito estiver alterando drasticamente a dificuldade do encontro. E tudo bem acontecer isto.
Uma outra observação sobre distribuir informação: não faça da obtenção da informação por parte dos personagens através de testes de atributo, uma ação bônus ou uma reação (ou sequer faça outras coisas em um encontro). Ações bônus e reações são elementos de jogo específicos de certas características de classe, magias ou outras regras. Ou faça uma ação se for algo altamente envolvido ou não faça ação alguma se for apenas um lembrete de informação ou se for para notar algo.
Objetivos
A razão de se ter um encontro é consequência dos personagens estarem tentando fazer algo, ou possivelmente várias coisas. Considera-se que “sobreviver” seja sempre um objetivo, então nem precisamos mencionar isto (claro, alguém poderia imaginar encontros onde a sobrevivência não é o objetivo, então podemos deixar isso de lado também). Assim como outras informações, o objetivo dos jogadores no encontro deve ser claro, ou ficar claro à medida que o encontro acontece. Mudar de objetivos no meio de um encontro às vezes é divertido, mas novamente, isso pode levar a maiores problemas ou frustrações se acontecer muito frequentemente.
Variar de objetivos de um encontro para o outro, por outro lado, é um excelente recurso para se fazer grandes encontros e grandes aventuras. Nem todo combate deveria ser simplesmente sobre matar todos os monstros. Nem todo encontro de interpretação deveria ser simplesmente sobre persuadir alguém e conseguir informações. Nem todo encontro de exploração precisa ser simplesmente sobre encontrar a armadilha e desarmá-la.
E mais importante, nem todo objetivo de encontro precisa estar diretamente ligado ao objetivo da aventura – embora você queira que cada objetivo leve a história da aventura adiante de formas novas e empolgantes. Mesmo que uma aventura pareça um simples e direto “matar/pilhar/destruir” dentro de uma masmorra, o objetivo de um encontro nela poderia ser ajudar o amigável gnomo das profundezas a encontrar os cogumelos mais saborosos para sua sopa, pois somente ele tem a chave que pode abrir a porta pela qual eles precisam passar. Tais mudanças de ritmo são muito bem-vindas nas aventuras (quando falarmos sobre usar os pilares de D&D na criação de encontros, retornaremos a este tópico).
PNJs
Estes são os inimigos, aliados e grupos neutros com os quais os personagens interagem durante um encontro. Entretanto, eu prefiro pensar em PNJs como algo com quem os personagens podem conversar. Uma estátua animada que os personagens devem convencer a abrir a porta para um templo assombrado é um PNJ para mim. Assim como todos os outros elementos dos encontros sobre o qual já conversamos, variar os PNJs – e usá-los de formas novas e diferentes dentro de um encontro – pode surpreender e agradar seus jogadores.
É importante dar personalidades, peculiaridades, fraquezas e motivações próprias aos seus PNJs, de forma que eles sejam relevantes para o encontro. Estes elementos são importantes para trazer um PNJ à vida, tanto quanto são importantes os detalhes, tamanho e forma de uma sala durante os combates. Os parâmetros para um encontro focado em um PNJ dependem do que eles querem e em como eles agem ou reagem na presença dos personagens.
Uma dica para PNJs e encontros: reutilize PNJs tanto quanto possível no encontro e na aventura enquanto ainda fizer sentido. Sempre fique de olho em PNJs que você usou em encontros anteriores e veja se eles podem fazer uma aparição, sob uma nova perspectiva, caso seja possível. O bandido que escapou no primeiro encontro poderia informar o que aconteceu naquele encontro. As decisões que os personagens tomaram antes, e a informação que eles reuniram, ajudam (ou impedem) o próximo encontro.
Ameaças/Desafios
As ameaças e desafios de um encontro são, explicando de maneira simples, as coisas que ficam entre os personagens e seus objetivos. As ameaças mais óbvias durante a maioria dos encontros são os monstros horrendos que se opõe aos personagens. Esta é uma das bases do jogo, e cabe a nós lembrarmos que este é uma das coisas que atraem pessoas para o jogo. Isto não significa que cada encontro precisa ser sobre superar este tipo de ameaça; apenas é importante lembrar-se que se afastar da ameaça de que monstros assassinos querem matá-los faz com que um número significante de jogadores possa ficar um tanto insatisfeito.
Dito isto, a maioria dos jogadores apreciará a ampla variedade de ameaças e desafios, estejam ou não envolvidos monstros mortíferos. Da mesma forma, nem todo desafio precisa envolver apostas tão altas quanto a vida ou a morte. Pergunte a um jogador cujo personagem tenha um item mágico muito poderoso se ele preferiria perder seu personagem ou o item mágico, e você pode ficar surpreso (ou não) com a resposta. O desafio de completar uma dança ritual em um encontro social da realeza sem pisar nos pés de alguém pode ser tão tenso e memorável quanto lutar com o lorde demônio.
Cenário
Onde o encontro ocorre e os detalhes que você usa para descrever o cenário são muito importantes para a imersão, mas eles podem ter ramificações por todo o encontro. O cenário tornará o desafio mais difícil ou mais fácil para os personagens? Os personagens podem afetar o cenário de modo que altere os aspectos do encontro? Ou talvez os PNJs ou monstros possam alterar o cenário também, a menos que os personagens os impeçam?
A coisa mais importante a se lembrar com relação ao cenário é como a área e seus componentes podem afetar os personagens conforme eles tentam lidar com os desafios. Foque-se no que é relevante, ignore o que não é, e mantenha os personagens concentrados nos detalhes que são importantes para eles e eles necessitam.
Escolhas
É certamente possível que um encontro possa não ter qualquer ameaça ou desafio, ou o objetivo pode ser tão simples quanto fazer uma escolha. Após recuperar a coroa mágica do covil do orc, os personagens têm que decidir a quem eles devem entregá-la. Esta é uma decisão digna de um encontro, mas pode não ter todos os elementos de um encontro de combate ou exploração. Tudo bem! Mas assom como outros encontros, certifique-se que os jogadores têm toda a informação de que precisam, e forneça os elementos que tornam o encontro mais interessante e evocativo.
Posição e Propósito na Aventura
Nossa aventura poderia dois ou três encontros, ou poderia ter 50 encontros. Seja qual for o número de encontros, temos que prestar muita atenção em como este encontro se encaixa na aventura, qual o propósito do encontro e em quão difícil o encontro pode ser para que os personagens o completem e ainda alcancem seus objetivos.
No nível mecânico de sua capacidade como um jogo de gerenciamento de recursos, parte da tensão e do drama de D&D é quando o progresso narrativo do jogo confronta suas realidades mecânicas. Quando um grupo está com pontos de vida baixos, sem magias e exaurido de seus recursos mais úteis e poderosos – ainda que a história os encoraje a avançar mais e mais mesmo diante das atrozes consequências narrativas – você está inspirando alguns dos melhores momentos que o D&D (e a narração de histórias em geral) tem a oferecer. Você também deve ser cuidadoso em não exagerar nisso, empurrando os personagens para uma posição impossível e desesperançosa.
Descansos curtos e longos são uma ferramenta não só para os jogadores. Eles deveriam ser considerados em todo e qualquer encontro. Este encontro oferece uma oportunidade para se fazer um descanso? se sim, quais são os benefícios e desvantagens de que um grupo faça este tipo de descanso? Tanto como criador de jogos como facilitador de uma história, o que faz mais sentido, e o que pode ser alterado para tornar o jogo ou a história (e, consideremos, ambos) mais interessante?
Construído Sobre Pilares Resistentes
No próximo artigo, continuaremos a falar sobre a criação de encontros para nossa aventura, dando uma atenção especial para os três pilares do D&D: combate, exploração e interpretação. Então criaremos um ou dois encontros para nossa aventura!
Que tipo de encontros vocês mais gostam de criar? Qual a dificuldade que você tem de fazer isso? Diga para a gente nos comentários.
Shawn Merwin é um designer profissional, desenvolvedor e editor de D&D com 20 anos de trabalho e mais de 4 milhões de palavras em conteúdo, da terceira à quinta edição. Seus créditos mais recentes incluem o livro Acquisitions Incorporated, Portal de Baldur: A Descida até Avernus e Storm Lord’s Wrath. Ele também é Gerente de Recursos para a campanha da Adventurers League Eberron: Oracle of War. Shawn é o anfitrião do podcast semanas de D&D chamado Down with D&D, e cursa um mestrado em artes em Escrita Criativa pela Vermont College of Fine Arts. Você pode seguir seus devaneios e reflexões no Twitter em @shawnmerwin.
Quer ler os outros artigos desta série? Veja Vamos Criar uma Aventura!, Esboços e Estruturas, Ganchos de Aventura e Cenas de Abertura e Caixa de Texto para ficar por dentro de tudo!
Agora temos material de D&D em português. Não perca a chance e adquira seus livros do jogo de RPG mais popular do mundo!