Tempo e Cebolas
por Will
Entendendo que “plot” se trate no fim das contas do enredo, mas mais especificamente daquela parte da história em que todas os fatos principais se amarram, o verdadeiro “porquê” daquilo que os jogadores passam, ou vão passar, posso dizer que em minha experiência existem duas coisas que facilitam a criação de um enredo interessante: O Tempo e as Cebolas.
Veja que não é necessária uma plot complexa, uma simples sessão baseada em “uma tribo de goblins está a atacar o vilarejo” já é o bastante para garantir as horas de diversão de uma sessão ou duas. A complexidade só vem a acrescentar e às vezes instigar os jogadores a irem além daquilo que normalmente nos deparamos em sessões mais tranquilas e rasas, aquelas em que nos baseamos naquilo que o mestre descreve para tomarmos nossas decisões. Uma plot complexa normalmente faz o jogador ser mais atento com a descrição e pensar melhor, ou aceitar que será punido por este descuido, e se é isso que está procurando, farei meu melhor para compartilhar como engrosso o caldo da história nas sessões em que narro.
O Tempo: Costumo dividir as campanhas, e até mesmo as sessões, que narro na emoção que gosto de passar pros jogadores e no final das contas consigo dividi-las em três tipos de narrativa: Ação, Suspense e Terror.
Narrativas de Ação costumam ser mais acessíveis e as vezes as fazemos sem muito esforço, o próprio sistema D&D foi voltado para a ação, afinal mais da metade da planilha de um personagem é referente a bônus e anotações que modificam suas probabilidades de ser bem sucedido em… ações. Mas com o empenho você consegue incutir aquela necessidade de pressa, aquela gana de “temos que resolver isso logo”, “estamos ficando sem tempo”, “vai do jeito que dá”. O tempero ideal para narrativas de ação é a velocidade, você passar a impressão que os jogadores têm que agir, e agir logo, e que a punição que poderiam receber (missão falhar, perda de recursos e influência) seria por que tiveram inatividade e ou foram rendidos à inércia.
O Suspense é em sua essência trabalhar com a incerteza, e esse é o tempero que as sessões devem carregar, incutir a dúvida e paranoia nos jogadores. Não é tão fácil como sessões de Ação, porque basicamente todas as ações interativas são feitas acompanhadas de rolagem, ao mesmo tempo que se você retirar essa facilidade estará punindo mecanicamente classes que se destacam nisso, a solução mais justa é condicionar a rolagem de determinadas ações a uma interpretação e interação com o ambiente exemplo: permitir a rolagem de Investigação apenas se o jogador de fato demonstrar atenção a um detalhe do ambiente que foi descrito, permitir a diplomacia caso a interação com o PdM tenha sido de fato amigável (a frase “percebi que você fala demais” não é algo diplomático por exemplo). A punição ao jogador ao usar a temática de suspense deve ser aplicada devido á desatenção e afobação, bem ao contrário de Ação.
O Terror é em minha sincera opinião uma das mais complexas e difíceis narrativas, envolve uma gama de fatores bem maior que a Ação e o Suspense, o medo de perder o personagem normalmente é o caminho mais fácil para fazer o Terror ser sentido na mesa, e nem todos os jogadores desenvolvem afeição a seus personagens a ponto de sentirem a perda, e é nesse ponto que o mestre deve trabalhar para começar a usar o Terror. Uma boa característica desse tipo de narrativa é a negação da Ação, ou seja os jogadores devem ter a impressão de que não é através do combate e da violência que podem superar ou sobreviver a aquilo que os ameaça, ou que a morte iminente só pode ser evitada com cautela e a única maneira escapar das garras da ameaça é a fuga. O Terror pune a inatividade e inércia assim como a desatenção e afobação, isso mesmo ele pune como o Suspense e a Ação, o jogador é forçado a agir em momentos extremos e ter cautela e atenção o tempo todo. Essa alternância, aliada a incerteza, costuma causar boas doses de pavor e inquietação.
Mas por que falo disso justo no Tempo, pois bem, falo por que o plot pode ser resumida em uma frase, vamos voltar ao exemplo: uma tribo de goblins está a atacar o vilarejo.
Digamos que esse seria o Tempo Presente, esqueça as regras da gramática e interpretação, a ideia é que o plot está acontecendo. No exato momento em que a sessão se desenvolve as coisas estão em andamento, os goblins estão correndo com forcados e espetando pessoas, celeiros estão sendo incendiados, porcos e pessoas estão sendo violadas, os goblins estão fazendo a maldade que são notórios em alguns mundos de fantasia (e animes também, por sinal aquele lá é ótimo). O Tempo Presente é excelente para a Ação, os jogadores devem agir, as coisas estão acontecendo, a inércia diante do que se passa vai piorar a situação, os goblins podem fugir com inocentes, os porcos podem morrer sem a lavagem, o celeiro pode incendiar a floresta próxima, é como o flavor desta carta (também da nossa amada WoTC):
“Há momentos em que o destino chama um povo e demanda uma ação. Agora, é o momento. Nós somos o povo. Está é nossa ação: Ataquem!”
Se mudarmos o plot para: uma tribo de goblins irá atacar o vilarejo.
A ideia é que um evento vai acontecer, alguma coisa esta maquinando para que essa cena ocorra. Há forças conspirando para o fim de celeiros e porcos, a vontades interessadas em destruir o cercado do criador de galinhas e se apoderar de seus ovos, a iminência de um evento incita a possibilidade e investigá-lo e talvez encontrar uma maneira de evitar que ocorra, ou diminuir seu impacto. Esse tipo de proposta sempre foi mais apropriada para quando estive afim de narrar algo de mais Suspense, fazendo com que os jogadores corram atrás de informações sobre o que vai acontecer, por que vai acontecer, quem “quer os ovos do vizinho?”.
E por fim: uma tribo de goblins atacou o vilarejo.
A ideia por trás de um plot no passado é a pergunta “por que?”. É fazer com que paire sobre a mente dos jogadores a dúvida sobre o que de fato aconteceu, se foram mesmo os goblinoides que transformaram tudo em um pós-feira bizarro, ou foi agricultor de rabanetes que se mancomunou com entidades cujos nomes são impronunciáveis e habitam o vazio dentro das estrelas para usurpar os repolhos de seu rival na rua da frente. O fato de já ter acontecido, e as dúvidas sobre o fato, aliados a possibilidade de que isso possa ocorrer novamente, foram as melhores maneiras que encontrei nos últimos anos de ajudar a incutir o Terror.
Não há “cagação de regra”, é possível fazer uma sessão de Ação em um plot que já aconteceu, veja o caso da perseguição de Aragorn, Legolas e Gimili ao destacamento de Uruks que sequestraram Merry e Pippin, sabe-se lá quantas milhas em alguns dias para salvar dois halflings ladinos, que foram sequestrados em um evento passado: Ação!
As Cebolas: Estão lá, nenhum goblin quis levá-las, são importantes demais! De fato, as cebolas são o melhor exemplo de como trabalhar um plot, enredo seja lá como você prefere se referir ao cerne de sua história.
Basicamente a ideia de camadas é que permite a construção mais aprofundada de um enredo complexo, seguindo uma ordem de informação, um bom exemplo voltamos aos nossos goblins e vamos aplicar eles á primeira camada que eu costumo chamar de: O que as pessoas sabem que está acontecendo? vulgo Conhecimento Popular.
1ª Camada: Conhecimento Popular – Uma tribo de goblins está atacando um vilarejo.
Essa informação é comum, qualquer pessoa que transite as ruas de um ponto civilizado ouviu sobre isso, leu no mural da cidade, ouviu as lavadeiras comentando, enfim, é o que as pessoas sabem que está acontecendo. O empenho dos personagens nessa camada resultará em informações que rondem isso no máximo, talvez uma pista e uma desinformação.
2ª Camada: Conhecimento Técnico – Uma tribo de goblins está acumulando recursos.
Essa informação pode ser obtida com pessoas específicas, pode ser desconfiada através de uma pista com o conhecimento popular ( algum viajante viu os goblins escondendo recursos atrás de uma árvore ) ou completamente desbaratada por uma desinformação ( outro viajante descreve que os goblins atacam a vila apenas para realizar rituais com corpos e sangues). Nesse ponto os jogadores começam a cogitar que há algo além daquela informação inicial. Normalmente o plot é revelado até aqui, a menos que seus jogadores estejam acostumados a sua construção de narrativa.
3ª Camada: A Deep Web, quer dizer, A verdade – Os goblins estão pagando tributos para um ogro e seu bando.
Eis o que de fato se passa nas redondezas, um ogro montou um grupo de rufiões, salteadores e está demandando tributos, ao invés de extinguir a tribo goblin, surrou o líder tribal, cegou o xamã e sequestrou a filha dele, exigindo tributos constantes. Os goblins que antes eram apenas ladrões de galinhas e rabanetes se tornaram saqueadores impiedosos por que o xamã está temeroso pela saúde da filha, afinal todos temos relações familiares e empáticas e isso inclui goblins. Veja que se os jogadores não investigarem até essa camada, e apenas matarem a tribo de goblins, o ogro simplesmente vai começar a saquear ele mesmo a região, ou designar outro bando para fazê-lo. Problemas futuros.
O enredo pode ter quantas camadas forem necessárias, cada uma menos acessível que a outra, todas ligadas entre si por informações e desinformações. A essência é que isso passe a impressão que o mundo aonde o jogo ocorre é vivo, e que as coisas acontecem com a intervenção do jogador ou não. Essa perspectiva faz com que os jogadores normalmente passem a se interessar mais pelos detalhes e pela história, afinal ninguém gosta de ser feito de trouxa, nem mesmo em um mundo de “faz-de-conta”.
Até a próxima!