Capítulo 2 – Pedra Noturna – Parte 1

por Rafael Santos
Arte Destacada, “Condessa Sansuri”  arte da Wizards of the Coast

O grupo de cinco havia deixado Águas Profundas e seguia pela Estrada Alta, uma estrada longa que ia de Águas Profundas até a porção mais meridional da Costa da Espada, mais precisamente até o reino de Amn. Era a estrada que interligava as grandes cidades mercantes da Costa da Espada, e era o trilho do desenvolvimento da região. Os cinco aventureiros seguiam a pé, não tinham recursos para comprarem ou alugar cavalos, mas mesmo assim, a caminhada até Pedra Noturna iria durar pouco mais de dois dias, caso não houvesse grandes imprevistos. 

– Me fale um pouco de vocês. – Ray estava curioso quanto aos seus dois novos companheiros. 

– Como eu disse, sou de Sela Longa. – Respondeu Vince com um sorriso. – Sou da famosa e nobre família Harpell. 

– Confesso que nunca ouvi falar sobre essa família. 

– É claro que não. – Riu o mago. – Mas os Harpell são bastante conhecidos no Norte, principalmente em Inverno Remoto, Mirabar, Luskan, onde temos rivais fervorosos na Torre das Hostes Arcanas, Salão de Mitral e Manoplasevera.  

A família Harpell era um clã excêntrico de magos que, na maior parte, vivem na Mansão de Hera em Sela Longa, no noroeste de Faerûn. Apesar de sua excentricidade e seus experimentos estranhos, eles são bem conhecidos por terem coletivamente um vasto conhecimento da história e geografia do Norte. Eles são um clã de bom coração, mas a magia que praticam é caprichosa, às vezes saindo pela culatra de maneiras peculiares. Como membros da Aliança dos Lordes, eles são aliados firmes de várias cidades da Costa da Espada. 

– Já eu sou de Lua Argêntea, bem lá no Norte. – Revelou Calima. – Sou uma barda formada na Escola Fochlucan com muito orgulho. 

Lua Argêntea era uma joia encrustada no Norte da Costa da Espada, em meio ao reino de Luruar, mais conhecido como Fronteiras Prateadas. Uma cidade de beleza sobrenatural, habitada em grande maioria por humanos, elfos e meio-elfos, mas não era segredo que qualquer raça era permitida andar por suas belas ruas limpas e seguras, contanto que não causassem problemas. Era comum a cidade ser o berço de muitos magos, feiticeiros e bardos. 

Enquanto seguiam a jornada através da Estrada, os heróis conversavam mais sobre cada um, se conhecendo. Ray contou sobre sua vida na milícia de Rassalantar, tendo que lidar com goblinoides que vez ou outra, desciam das Montanhas da Espada para atacar o assentamento e as fazendas nos arredores. 

– Então temos um especialista em matar goblins aqui! – Riu Vince da história do herói. – Escolhemos bem o nosso aliado para essa missão, Calima. 

– Não matei tantos goblins assim para ser considerado um especialista. – Ray deu um sorriso desconcertado. – Talvez tenha lidado com um grupo de três, mas tive ajuda dos meus companheiros de milícia. 

Vince contou que saiu de Sela Longa com a intenção de melhorar suas habilidades como mago, e que é o filho mais novo de Dowel e Pernelope Harpell, dois renomados magos da família que ajudaram na Guerra das Fronteiras Prateadas um tempo atrás.  

– Então seus pais são ainda mais famosos do que apenas o nome diz. – Disse Ray impressionado. 

Lara contou sobre seu treinamento para se tornar uma patrulheira, revelou que sua mãe, uma elfa da Floresta das Brumas, a ensinou tudo o que ela sabe com o arco e flecha, e que seu Pai, um guerreiro renomado da aldeia de Tiro do Arco, a ensinou combates básicos com a espada. 

– Embora eu prefira usar meu arco e flecha, em vez de uma espada. – Completou a meio-elfa com um meio sorriso. – É mais seguro matar meus inimigos de longe. Mas quando necessário, eu usarei a lâmina, é claro. 

Turok não tem muito o que falar, sua tribo era violenta e atacava as fazendas e cidades próximas aos Charcos Elevados. Seu falecido Pai era um orc fugitivo do longínquo reino de Muitas Flechas mais ao Norte da Costa da Espada, e que usou sua força e experiência para guiar a tribo por anos. Agora, o seu objetivo é ficar mais forte e então retornar a sua tribo, matar o chefe atual e assumir o comando. 

Calima, por outro lado, conta que seu clã era originário de Myth Drannor, a cidade das artes, e que até mesmo ajudou na retomada da cidade há mais de um século. Entretanto, a pouco mais de cinquenta anos atrás, se mudou para Lua Argêntea. Ela contou com melancolia, sobre a retomada da cidade por Seiveril Miritar, de Encontro Eterno, que formou a Cruzada Élfica para livrar a cidade dos elfos demoníacos que ocupavam suas ruínas. Porém, a poucos anos atrás, durante a guerra entre Cormyr e a Terra dos Vales contra o agora caído Império de Netheril e o reino de Sembia, a cidade das artes e da beleza caiu uma vez mais, quando uma cidade netherese despencou sobre suas belas torres, causando sua destruição. 

– Os elfos vivem por muitos séculos. – Contou ela ao redor de uma fogueira. – Mas sofremos muitas desgraças e muito sofrimento em nossas vidas longas. 

Ray ouvia as histórias melancólicas de Calima, se impressionava com sua beleza quase divina. E que Tymora, Selûne, Sune ou qualquer outra deusa o perdoasse, mas aquela elfa era a verdadeira representação da beleza divina. 

*** 

Lyn Armaal era um enorme castelo voador que existia oculto sobre nuvens mágicas. Era composto por três torres conjugadas com um portão avançado, tudo feito com pedras cobertas de argamassa lisa. A torre central constitui o forte principal e possui uma torre mais estreita elevando-se de seu topo. Quem o via de longe, acharia que eram apenas um amontoado de nuvens carregadas. Mas a verdade é que o castelo nas nuvens era lar dos gigantes das nuvens, liderados por sua senhora, a Condessa Sansuri. 

Sansuri se vangloriava de sua posição como um dos nobres gigantes das nuvens. Desde que o Ordenamento foi quebrado, ela tem se dedicado a vagar pela Costa da Espada em busca de artefatos e magias antigas do Império gigante de Ostoria. As informações recém adquiridas por seus agentes gigantes apontavam para um desses tesouros em uma pequena aldeia perto de Águas Profundas. Só em imaginar isso, a Condessa estremecia em antecipação. Ela divagava sobre o seu sucesso em conseguir atrair a atenção dos deuses gigantes para si, enquanto brincava com uma máscara de porcelana cuja a expressão era de contentamento. 

– Talvez, com esse monólito tenhamos alguma pista sobre o paradeiro da magia que tanto buscamos. – A esnobe gigante sorria enquanto movia sua máscara de porcelana. – No fim de tudo isso, os gigantes das nuvens assumirão seu lugar de respeito no Ordenamento. 

Sansuri sorriu em antecipação. Nesse momento, um outro gigante das nuvens adentrou o recinto, vestia-se com armadura prateada, um elmo com uma enorme crista, usava um saiote de couro e portava uma grande lança. Ele se ajoelhou diante de sua senhora. 

– Minha senhora, estamos nos aproximando da aldeia humana onde o monólito se encontra. – O gigante mantinha-se de joelhos e cabisbaixo em respeito. 

– Perfeito. Vamos começar a extração. 

Sansuri se levantou do seu trono e caminhou pelos corredores vastos acompanhada dos seus súditos gigantes. Logo, se aproximou da borda do seu enorme castelo e olhou para baixo. Era noite, o céu estava estrelado, e a aldeia de Pedra Noturna abaixo não passava de um grande breu, mas os gigantes viam tudo. Inclusive, seu alvo. A enorme pedra existindo no meio da aldeia. 

– Devemos começar. – Sansuri parecia impaciente. – Lancem as pedras. 

Os gigantes começaram a pegar enormes rochas e as lançaram do alto do castelo em direção a aldeia abaixo. 

*** 

Para os guardas de Pedra Noturna, a enorme massa cinzenta acima da aldeia era apenas uma nuvem carregada, onde trovões anunciavam uma breve tempestade sobre a região. 

– Vai chover bastante essa noite. – O guarda olhou preocupado para o céu. – Vai ser uma noite fria. 

– Mas o que em nome dos deuses é aquilo? – O outro guarda estava aturdido enquanto olhava para o céu. 

Todos os guardas ali presentes olharam para o céu, alguns ainda conseguiram ver uma grande massa cinza que caia em direção ao castelo Pedra Noturna, mas não tiveram tempo de gritar, pois o enorme pedregulho caiu sobre a construção onde estavam, causando um enorme estrago. O barulho que o impacto causou foi ouvido por toda a aldeia, chamando a atenção de todos os moradores. Alguns estavam na Estalagem trocaram olhares assustados. 

– O que foi isso? – Um dos clientes perguntou assustado. 

A resposta veio com um segundo pedregulho que caiu sobre a estalagem, entrando através da sala de jantar e esmagando dezenas de clientes. O anão Morak Ur’Gray urrou de pavor ao ver sua estalagem ser destruída.  

– Por Moradin! Minha estalagem! – Urrou o anão com as mãos na cabeça. 

O anão ouviu mais alguns estrondos do lado de fora, os clientes que ainda estavam vivos berravam de pavor ao ver alguns poucos recém esmagados pela enorme rocha que caiu do céu. Vendo que a situação estava ocorrendo por toda aldeia, Morak pulou por cima do balcão. 

– Para fora! – Berrou o anão com autoridade. – Ficar aqui dentro é perigoso! 

Obedecendo ao comando do anão, as pessoas começaram a correr para fora da estalagem. Do lado de fora, viram que outras rochas caiam sobre Pedra Noturna, destruindo casas, celeiros e torres. A enorme ponte que ligava a Fortaleza a aldeia também foi destruída por um enorme pedregulho que caiu do céu. No momento em que a rocha caiu, um bando de guardas estava correndo para auxiliar o povo da aldeia. 

– Os deuses nos castigam! – Choramingou um homem bêbado ao lado. – Estão nos cobrando pelos males que fizemos em vida! 

– Os deuses não têm nada a ver com isso, homem! – Morak olhava para o céu e as pedras caindo. – Isso tem a ver com criaturas mortais. 

O anão viu quando no meio de um relâmpago, a silhueta de torres, muro e criaturas humanoides surgiu entre as nuvens cinzentas.  

– Por Moradin, Gigantes! 

– Gigantes sobre Pedra Noturna? – O homem ao lado tinha os olhos arregalados. – Por que eles nos atacam? 

– Não sei, mas se estão atacando Pedra Noturna, não podemos ficar aqui. Estamos correndo riscos! 

– O que faremos, mestre Morak? – Quem perguntou foi uma mulher gorda e rechonchuda. 

– Vamos fugir para longe daqui! Juntem o máximo de pessoas, devemos partir imediatamente. 

Morak e alguns outros moradores começaram a juntar um punhado de gente desesperada que corria pelas ruas da aldeia, e então partiram rumo a saída. Pedra Noturna continuava a ser bombardeada por enormes rochas. Um celeiro foi destruído, assim como a família que estava dentro da casa da fazenda foi esmagada. Pelas ruas, as pessoas corriam desesperadas tentando fugir das enormes rochas que choviam do céu. 

No Castelo, Velrosa Nandar estava desesperada, corria de um lado a outro em sua sala, tentando entender o que estava acontecendo ali. 

– Pelos deuses! O que está acontecendo? 

Um Soldado adentrou a porta apavorado, viu sua senhora em desespero correndo de um lado a outro. 

– Senhora, nós estamos sendo atacados! Pedras estão chovendo do céu! 

Velrosa arregalou os olhos surpresa com a revelação. Ia falar algo quando, de repente, um enorme pedregulho irrompeu através do telhado e a soterrou embaixo dos escombros de madeira e concreto. 

*** 

Na borda da Floresta Ardeep, os elfos olhavam com surpresa e medo a aldeia de Pedra Noturna ao longe sendo bombardeada pelo castelo voador. O líder deles, um elfo franzino e de cabelos dourados, olhava a cena com certo desdém, enquanto os demais pareciam preocupados.  

– Senhor, devemos ajuda-los? – Perguntou um elfo de cabelos negros que usava arco e flecha. 

– Não. – A resposta do líder foi curta e seca. 

– Mas senhor, eles estão… – Tentou justificar o elfo caçador. 

– Não é problema nosso. Os humanos estão apenas pagando pelos seus pecados. Enquanto a Floresta Ardeep estiver livre desse perigo, não devemos nos envolver. 

O líder dos elfos se virou e adentrou novamente a floresta. Os demais trocaram um último olhar, e então o acompanharam.  

*** 

Sobre uma elevação a menos de dois quilômetros de Pedra Noturna, um bando de goblins montados em worgs – lobos demoníacos com inteligência e sagacidade no olhar – observavam a comoção na aldeia abaixo. O que estava à frente daquele bando olhava tudo aquilo com certa confusão no olhar. 

– A tribo humana está sendo atacada pelas nuvens. – Rosnou um dos goblins ao lado. – O que devemos fazer? 

– Chamem o chefe Hark. – Respondeu o líder da patrulha. – Diga que o assentamento humano não pode mais ser tomado por nós! 

O goblin mais atrás confirmou, deu meia volta a correu em direção às colinas mais atrás. O líder da patrulha voltou o olhar para Pedra Noturna e viu com satisfação uma presa fácil. O grupo de aldeões liderados por Morak deixava a aldeia passando por sobre a ponte que cruzava o rio Ardeep e corriam em direção às planícies. 

– Se preparem para atacar, seus porcos inúteis. – Berrou e xingou o líder goblin. – Quando o chefe Hark chegar aqui, terá prisioneiros para brincar! 

Os goblins irromperam pela elevação cavalgando seus worgs em direção ao pequeno grupo em fuga de Pedra Noturna. O líder goblin daquele bando tinha enormes presas em um sorriso maligno, já pensando na recompensa que receberia do chefe da tribo quando lhe entregasse aqueles prisioneiros fáceis. 

Morak guiava alguns aldeões para longe de Pedra Noturna. Ele deu uma última olhada para trás e viu quando mais dois pedregulhos caíram sobre as torres e sobre as casas da aldeia. Um nó em sua garganta se formou quando imaginou quantas pessoas tinham morrido naquele ataque repentino e estranho.  

– Senhor Morak! – Um dos cidadãos tirou o anão de seus pensamentos o puxando. – Pelos deuses, veja aquilo! 

Morak olhou na direção em que o aldeão apontava, e viu quando o pequeno grupo de goblins montados vinha descendo pela encosta em direção a eles. 

– Moradin, por que me provas dessa forma? – Praguejou o anão. 

*** 

Após o ataque, os Gigantes das Nuvens desceram levitando no ar até Pedra Noturna, arrancaram o enorme monólito de obsidiana e o levaram até seu castelo voador, onde a Condessa Sansuri esperava para descobrir mais sobre a misteriosa origem daquele artefato.  

Quando Lyn Armaal voou para longe, Pedra Noturna era apenas ruinas. 


Continua no Capítulo 2 – Pedra Noturna – Parte 2

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