Capítulo 4 – As Cavernas Gotejantes, Parte 1
por Rafael Santos
Arte Destacada, artista desconhecido
As Cavernas Gotejantes têm esse nome por conta das inúmeras infiltrações nas rochas que causam goteiras constantes pelos seus muitos tuneis e câmaras. O gotejar incessante das estalactites, embora barulhento, não incomoda os moradores atuais, uma tribo de goblins expulsos da Floresta Ardeep pelos elfos e, que sem um lar, se refugiaram nas cavernas há pouco mais de um mês.
O chefe da tribo, o goblin Hark embora seja mais uma das criaturas malignas da espécie, tem um forte senso de sobrevivência, e sabe que não vale a pena arriscar a vida das dezenas de famílias goblins não combatentes que ele tem que sustentar. Quando a notícia de que Pedra Noturna havia caído para um ataque gigante, Hark viu a chance de pilhagem fácil e sem qualquer chance de retalhamento por parte dos humanos.
Humanos não precisar mais de casa, comida e ouro – pensou o chefe goblin.
Ainda melhor do que isso, foi quando Barak, um dos seus fiéis comandados, chegou trazendo uma pequena multidão de prisioneiros de Pedra Noturna, Hark sentiu que Maglubiyet, o deus dos goblinóides estava enfim, os recompensando depois de sua expulsão humilhante da Floresta Ardeep pelos malditos elfos xenofóbicos que lá vivem. Aqueles prisioneiros iriam pelas próximas semanas, alimentar os velhos, mulheres e crianças de sua tribo, e ele não precisaria se preocupar com a reclamação dos seus comandados.
Porém, agora diante dele estavam Yark e Glang, dois dos seus guerreiros enviados para saquear o assentamento que, em teoria, estaria vazio e a mercê de sua tribo. Os dois chegaram esbaforidos de uma longa corrida de Pedra Noturna até as Cavernas Gotejantes. Ambos contaram sobre os aventureiros que estavam a caminho da caverna e de todos os eventos ocorridos desde que eles foram capturados, até sua fuga.
Hark estava sentado sobre um monte de almofadas fofas, as pernas cruzadas, refletindo sobre o que acabara de ouvir. Até aquele momento, Pedra Noturna não passava de uma aldeia vazia, mas agora, um grupo de aventureiros estava indo para sua caverna com a intenção não apenas de libertar os prisioneiros, como também para matar sua gente.
– Deixe que venham – rosnou Barak, o líder da caçada. – Vamos estripar eles e comer suas tripas como fizemos com alguns dos prisioneiros.
Era o que Hark faria em outra ocasião. Antes de sua derrota e expulsão da Floresta Ardeep, sua tribo era muito maior, com muito mais guerreiros. Mas agora, o que lhe restava era um punhado de combatentes e algumas poucas montarias worgs. Yark e Glang contaram da vitória dos cinco aventureiros sobre o restante da tribo orc dos Caça Orelhas, e Hark conhecia a reputação do feroz líder orc, e sua tribo entrou em confronto com a de Gurrash algumas vezes. Para um grupo de cinco aventureiros terem dado fim ao restante dos Caça Orelhas, significava que eles não eram um bando a ser subestimado.
– Maglubyet está conosco, chefe Hark – a voz estridente do xamã tentou incentivar o líder goblin.
Hark sabia que se não tomasse uma atitude drástica e satisfizesse a vontade do seus comandados, sua liderança seria colocada em cheque, e aquele não era o momento para perder a liderança daquela tribo.
– Reforcem a segurança na entrada – ordenou Hark finalmente. – Que suas almas sejam oferecidas a Maglubyet!
Houve uma cacofonia de urros e xingamentos na câmara. O líder goblin deu um leve sorriso de satisfação, mas no fundo sentia que aquela tinha sido uma decisão que acabaria de uma vez por todas com sua tribo, a qual se importava mais do que com sua própria vida.
E que Maglubyet o perdoasse por essa fraqueza.
***
Os heróis estavam sobre a elevação, vendo os goblins desatentos logo abaixo na entrada da caverna gotejante.
– Seja lá o que esses goblins estejam aprontando, eles usam essa caverna como base para suas atividades – Vince tinha os olhos atentos aos inimigos lá em baixo.
– Vamos entrar na casa deles e dizer um olá! – Ray disse com um sorriso. – Lara, Vince, eu conto com vocês para derrubar o máximo deles.
– Pode contar comigo – Lara confirmou com um aceno.
Os goblins continuavam desatentos. De repente, um feixe de luz azul e duas flechas voaram e atingiram três monstros, mas apenas um tombou. Os demais goblins urram olhando ao redor, já sacando suas armas.
– Olhem aqui, caras de rato!
Os monstros viram quando Ray e Turok pularam na passagem e avançaram sobre eles. O guerreiro golpeou na horizontal e a espada decepou a cabeça do primeiro monstro. Turok cuidou de outro com facilidade. Os worgs que estavam dormindo acordam com a gritaria dos goblins e então partiram para cima do grupo latindo e babando.
Um dos worgs saltou sobre Turok, o bárbaro tirou o corpo, desviando da mordida e a mandíbula do monstro se fechou no ar. O bárbaro desceu seu machado de cima abaixo, partindo a coluna do animal.
Ray combatia último goblin quando o outro worg correu para saltar em suas costas, mas Calima saltou do alto da passagem e caiu sobre o animal, enterrando sua espada nas costas dele e o empalando contra o chão. O worg rosnou, choramingou e se debateu, enquanto a elfa o prendia contra o chão com toda força que tinha.
Com uma barragem de golpes precisos, Ray matou o goblin e olhou para trás, ainda vendo Calima lutar contra o enorme animal que tentava se erguer, mas a elfa o mantinha preso ao chão. Ray correu e enterrou sua espada no crânio do worg, o pressionando contra o chão e o matando.
Os dois se agradeceram com um aceno.
– Isso foi apenas a entrada – Dizia Vince enquanto descia da elevação e se aproximava dos amigos na entrada. – Se o que Yark e Glang disseram lá em Pedra Noturna for verdade, temos uma pequena horda para fatiar dentro da caverna.
Adentraram a caverna. Ainda era claro por conta da luz do sol lá fora, mas à medida que avançavam pela entrada da caverna, começava a ficar realmente muito escuro.
– Alguém aqui pode iluminar essa caverna? – Ray estava incomodado com o fato de não poder ver aonde pisava naquele lugar.
– Isso é fácil! – Calima sorriu e estalou os dedos e então quatro globos de luz surgiram ao redor dos heróis, iluminando o enorme corredor.
O grupo continuou avançando caverna adentro. Lá dentro era possível ver uma vasta floresta de estalagmites em seu centro e elevações de 3m de altura ao longo de suas paredes. A água gotejava do teto coberto de estalactites, que elevava-se a uma altura de 9m no meio da caverna. Seis túneis naturalmente esculpidos levam desta caverna central para outras partes do complexo. O chão estava cheio de lanças e escudos quebrados e fezes de morcego.
– Bosta de morcego – Ray olhava para o chão. – Está explicado o fedor que estamos sentindo.
De repente, uma saraivada de flechas choveu sobre os heróis. Turok e Vince foram atingidos no ombro. O mago caiu para trás, mas Calima o segurou evitando que ele fosse ao chão, Turok por outro lado, pareceu pouco afetado pela flecha.
– Urgh! Emboscada! – Vince disse em meio a um rangido.
Os heróis percebem que haviam arqueiros sobre as elevações de rocha com 3m de altura ao longo das paredes. Cinco goblins estavam de guarda nas elevações e já sacavam suas próximas flechas para disparar contra os heróis.
– Bree-yark! – Um dos goblins berrou em sua língua bizarra!
Os goblins disparam uma nova saraivada de flechas, mas dessa vez, os heróis correram para se esconder atrás das proteções das rochas. As setas goblins se quebraram nas pedras.
– Lara, cuide dos arqueiros enquanto eu curo Vince! – Ordenou Calima enquanto colocava a mão no ombro do mago.
Uma luz branca começou a envolver o ferimento causado pela flecha. Lara armou duas flechas e olhou de relance por sobre a pedra, vendo o vulto dos goblins correndo sobre as ameias. Por mais que sua visão não fosse das melhores naquelas condições, a patrulheira conseguia definir bem onde seus alvos estavam naquele momento. Ela se ergueu de detrás de sua proteção, mirou e disparou. As setas voaram e desapareceram no breu da escuridão, e a patrulheira sorriu com presa ao ouvir o berro de dor de dois dos goblins.
A ferida de Vince se curou e o mago sentiu um grande alivio. Agradeceu Calima com um aceno e já começou a conjurar uma magia. As pontas dos dedos de Vince brilharam, e ele saiu de sua proteção e disparou dois dardos de energia esverdeadas que dançaram no ar, iluminando brevemente na escuridão. O mago se sentiu satisfeito quando os dois mísseis mágicos explodiram no peito de um dos arqueiros, que tombou.
Os outros três arqueiros dispararam flechas contra o mago que voltou à sua proteção, assim como Lara, que se escondeu.
– Eu me sinto um inútil contra esses arqueiros – Ray lamentou por não ter qualquer meio de atacar à distância e naquelas condições de pouca luz.
De repente, eles ouviram um som molhado e grosso, como se alguma coisa grande estivesse saindo de dentro de um lamaçal. Viram a silhueta de alguma coisa grande se aproximando de dentro da escuridão e do outro lado da caverna onde estavam.
Das sombras, surgiu um enorme humanoide, com mais de três metros, gordo e com o rosto deformado, feio como a morte. Empunhava um enorme tacape sobre os ombros largos. Sua barriga protuberante balançava a cada passo que dava, e suas presas inferiores saindo para fora da boca larga eram amareladas e podres. Um ogro, um brutamontes que era pura brutalidade e pouca inteligência, mas muito mais perigoso do que os goblins.
Mas a pior visão não era o ogro em si, e sim a sua condição. Coberto de lama fétida e quente, o ogro havia acabado de sair de um lodaçal perto de onde os heróis estavam, e a visão que tiveram foi de uma criatura nua, sem qualquer roupa. Apenas com seu tacape, e seu membro a mostra.
– Corellon, tenha misericórdia! – Calima estava horrorizada com aquela cena bizarra e incomum. – Eu não merecia ter visto essa visão dos Nove Infernos!
– Era daí que estava vindo o fedor quando entramos na caverna – Ray disse com um certo sorriso torto na face.
O ogro soltou um urro ensurdecedor que ecoou por toda a câmara.
– Cuidem do ogro! – ordenou Vince. – Eu e Lara vamos cuidar dos goblins.
Calima ia protestar, mas sabia que seria inútil contra os goblins arqueiros naquele momento. Ela puxou a espada da bainha e se colocou ao lado de Ray e Turok que trocaram olhares e confirmaram com um aceno.
O guerreiro berrou um comando de ataque e partiu para cima do brutamontes. O ogro girou o tacape sobre a cabeça e desferiu um golpe largo. O alcance de sua arma era impressionante, e se pegasse em algum dos heróis, seria o bastante para mandá-lo voando para o outro lado da câmara.
Ray parou sua investida e pulou para trás, longe do alcance da arma do inimigo. Turok se agachou e continuou sua investida passando por baixo dos braços de tronco do ogro. O bárbaro deu com o machado na barriga mole e gordurenta do monstro, e a lâmina fez um talho na carne grossa, mas não foi o bastante para fazer o monstro vacilar.
Calima havia aproveitado a distração criada por Turok e Ray e se moveu com agilidade e cautela usando as rochas ao redor para evitar ser vista pelo ogro, e esperou o momento para um ataque. Ray correu contra o monstro e deu um pequeno salto, enterrando sua espada na coxa do ogro que urrou de dor e, no reflexo, contra-atacou com um tapa, lançando o guerreiro a quase dois metros no ar, e o fazendo cair com as costas no chão de pedra.
Era a chance que Calima queria. A elfa correu de seu esconderijo e enterrou sua espada na panturrilha grossa do ogro. O monstro uivou de dor e dobrou o joelho se apoiando com a mão no chão. A elfa puxou a espada e desferiu uma nova estocada, a lâmina entrou fundo na costela do brutamontes que berrou alto de dor.
Nesse momento, um segundo urro ecoou pela câmara, o trio olhou assustado para a direção de onde veio, e viram quando outro ogro surgiu correndo da escuridão. Porém, não era um macho, e sim uma fêmea que usava um tipo de gibão de pele semelhante a um vestido e empunhava um enorme tacape.
A criatura investiu em direção ao trio como um touro furioso. Calima e Turok tiveram que pular para longe e evitar a investida. Porém, a ogra agora tinha sua fúria direcionada a Ray que havia acabado de se levantar. O guerreiro se adiantou e se jogou para frente, traçando uma fuga por debaixo das pernas da ogra que desceu seu pesado tacape contra o chão de pedra, causando um tremor de terra com o impacto do possante ataque.
Lara e Vince se moviam pela câmara e se aproximavam da elevação onde os goblins xingavam e berravam ao mesmo tempo que disparavam flechas. Uma passou de raspão no braço da patrulheira, mas não lhe fez um ferimento grave. Lara amaldiçoou o arqueiro, sacou uma flecha e se concentrou observando a criatura se mover sobre a elevação.
– Mielikki, guie minha flecha! – A elfa fez uma prece à sua deusa e girou, apontando para cima e então soltou a seta.
A flecha voou e foi se cravar na coxa do arqueiro. O monstro uivou de dor enquanto pulava em uma perna só, se desequilibrou e tombou do alto da elevação, capotando e vendo o mundo girar até quebrar o pescoço em uma pedra logo abaixo.
Ainda restavam três arqueiros, dois dos quais estavam feridos. Vince havia se movido para perto o bastante para enxergar melhor a localização de cada um dos monstros. Com uma série de gestos, o mago criou uma esfera de energia cromática nas mãos e a arremessou contra os monstros. A esfera explodiu no peito de um dos goblins, que tombou. A explosão espalhou uma miríade de cores nauseantes que afetou os outros dois de arqueiros.
– É a sua chance, Lara! – Gritou o mago para a patrulheira.
Lara armou uma nova flecha, mirou e disparou. A seta foi se cravar na garganta de um dos goblins que tombou. Vince ergueu a mão na direção do monstro e disparou uma rajada de luz esverdeada que explodiu na cara do goblin restante, causando queimaduras ácidas na pele esverdeada da criatura que urrou, se debatendo e caindo da elevação, indo se empalar sobre uma estalagmite abaixo.
Vince e Lara trocaram olhares e sorriam orgulhosos do trabalho bem-feito. Mas agora tinham que ir ajudar os amigos contra a dupla de ogros.
Turok investia contra o ogro macho, desferindo um golpe de baixo para cima, a lâmina do seu machado se enterrou na costela do ogro que urrou de dor. O monstro largou seu tacape e fechou suas enormes mãos ao redor do corpo do meio-orc bárbaro. Turok sentiu seu ar sendo expulso dos pulmões e seus ossos estalarem quando o brutamontes o apertou com toda força.
Calima lutava contra a ogra, que desferia golpes pesados, porém lentos, de sua maça. A elfa recuava e conjurava uma magia elétrica na lâmina de sua espada, e então enterrou-a no chão, liberando uma onda de raios que atingiu a ogra, eletrocutando-a. A criatura urrou em agonia enquanto todo o seu corpo estremecia.
Ray avançou contra o ogro, golpeando na diagonal, abrindo um talho enorme na grossa barriga do ogro. O monstro tentou chutá-lo para longe, mas o guerreiro rolou no chão para o lado. Turok se entregou à fúria e seus músculos incharam de ódio, e então desferiu um chute com toda força que podia, e o nariz do monstro explodiu em sangue. O ogro largou o meio-orc e recuou com as mãos tentando tapar o sangramento enquanto Turok agarrava firme seu machado e investia contra o monstro, enterrando a lâmina no estomago macio do brutamontes.
Nesse momento, Ray lançou-se por trás de sua vítima e enfiou fundo a espada na coxa do ogro, cortando-lhe o tendão. O monstro cambaleou e tombou de joelhos no chão quando o guerreiro puxou a espada e com um salto ligeiro, encaixou um segundo golpe elegante de baixo para cima, fazendo a lâmina entrar pelo queixo e sua ponta ir surgir no topo da cabeçorra deformada do ogro. O monstro tombou com os olhos revirados formando uma poça generosa de sangue.
A ogra ainda resistiu após a onda trovejante de Calima, e em fúria cega, voltou a investir contra a elfa. Calima correu contra o monstro e se jogou de costas no chão, escorregando por baixo das pernas da ogra e enterrando sua espada na virilha da criatura. A ogra uivou de dor e cambaleou para o lado, mas ainda estava firme e insistia em não cair.
Calima já praguejava, quando duas flechas disparadas por Lara voaram e se cravaram no peito da ogra, que recuou uivando de dor. Vince conjurou um novo raio gélido nos pés da ogra que escorregou e caiu de costas no chão. Calima aproveitou a brecha, correu e saltou sobre o monstro, enterrando sua espada na garganta da criatura. A ogra se debateu e morreu engasgada em seu próprio sangue.
A batalha havia terminado.