O Tapete Voador

por Daniel Bartolomei Vieira
Imagem de Topo, O Tapete Voador, autor desconhecido

Esse eu dedico a você, Sandro!

⎼ Você é louco! Tem certeza que isso vai dar certo? ⎼ perguntou o jovem feiticeiro ao seu companheiro, um grande malandro que vivia ali n’O LargoThe Wide, o grande mercado da cidade de Portal de BaldurBaldur’s Gate, sondando os mercadores.

⎼ Claro que vai dar certo! Eu pensei nisso a noite toda. Há uma falha. ⎼ respondeu o malandro com uma risadinha enquanto surrupiava uma laranja de uma das barracas do mercado. O negócio dele não era roubar frutas, pães ou bater carteiras. Essa fase já havia passado para ele. Já fazia algum tempo que ele vinha desenvolvendo pequenos golpes, principalmente contra os mercadores estrangeiros, que ele considerava mais desprotegidos. A dificuldade de comunicação, a saudade de casa, a falta de contatos para contratar uma boa proteção. Sempre, Sempre vítimas fáceis. Mas agora ele queria dar um golpe maior, conseguir algo melhor.

Os dois pararam debaixo de uma barraca que vendia cintos de couro. ⎼ Olha ele ali! ⎼ disse o malandro enquanto começava a descascar a laranja. ⎼ O sujeito é de Calimshan, a terra das areias. Ele fica anunciando isso a todo momento. ⎼ observou olhando o homem de farto bigode e turbante.

⎼ Terra das areias e da assadura na virilha! ⎼ complementou o feiticeiro com sarcasmo na voz. ⎼ Deve sair o couro da bunda andar em canelo.

⎼ Camelo! Com “M”! ⎼ corrigiu o malandro enquanto cuspia ao chão as sementes de um dos gomos suculentos daquela laranja.

⎼ Que seja! O que importa é o tal tapete que voa. ⎼ disse cobiçosamente o feiticeiro, o olhar procurando pelo objeto na tenda do mercador Calishita.

⎼ Vamos nos aproximar. ⎼ declarou o malandro jogando o resto da laranja para o lado. ⎼ Veja. Ele nem tem guardas. Ontem eu ouvi ele se gabando desse tapete. Falou todo orgulhoso para uma gorda dama da sociedade que o tal tapete era à prova de furto. Olha, eu duvido!

⎼ À prova de furto? E como é isso? ⎼ indagou o feiticeiro.

⎼ Eu não sei, vamos descobrir. ⎼ afirmou confiante o malandro.

⎼ E ainda assim você diz que vai dar certo? ⎼ duvidou o jovem.

⎼ Sim, vai dar certo. Apenas siga a história que eu contar. ⎼ sugeriu o malandro.

Os dois chegaram diante da tenda do mercador e ficaram olhando maravilhados as mercadorias exóticas que o homem tinha para vender. Tecidos de seda das mais variadas estampas, tapetes enrolados e expostos em montes, almofadas confortáveis, garrafas de vidro colorido de todos os tamanhos e formatos, incensos de todos os cheiros mais exóticos e inúmeras estatuetas de camelos, dromedários e serpentes da areia, todas feitas do mais branco marfim.

⎼ Bois não, beus queridos! No que bosso ajudar? ⎼ disse o mercador solícito com um sorriso alvo de orelha a orelha, meio encoberto pelo bigodão espesso.

O malandro teve que conter o riso. “Que sotaque ridículo”, ele pensou, desviando o olhar rapidamente para localizar o tapete. O viu lá no fundo da tenda.

⎼ Meu caro! ⎼ disse o malandro cordialmente. ⎼ Falo em nome do meu patrão aqui. ⎼ e apontou o jovem feiticeiro. ⎼ Ele gostaria de comprar um tapete Calishita para sua mãe, o mais caro que vossa senhoria tiver, por favor.

⎼ Ora, ora, bom jovem. Buito sábio gomprar bresentinho bara a babãe. Fatush aqui ter dapetes buito bonitos. E buito caros! Direto dos belhores dapeceiros do deserto. ⎼ disse o mercador apontando para os vários tapetes espalhados pela tenda, no chão, nas laterais e empilhados por todo o canto.

Os três adentraram mais a tenda, observando tudo.

⎼ Bas o bais caro de todos é esse. ⎼ indicou o mercador, mostrando um tapete vistoso cheio de franjados dourados e com uma ave exótica bordada no centro. ⎼ Chama-se O Pavão de Jade. ⎼ informou, orgulhoso.

⎼ Hum. Muito bonito. ⎼ observou o feiticeiro posando de bom filho. ⎼ Mas infelizmente minha mãe não gosta de passarinhos.

⎼ Não há broblemas. Que sua babãe gosta? ⎼ perguntou o mercador todo solicito, esperando fazer uma boa venda.

⎼ Minha querida mãe gosta de vermelho… como aquele tapete ali. ⎼ disse o jovem apontando para o tapete voador no fundo da tenda.

⎼ Não, não, beu jovem. Aquele não está a venda. Aquele é meu! ⎼ taxou o mercador.

⎼ Desculpe perguntar, ⎼ adiantou-se o malandro. ⎼ mas porquê não está a venda? O que ele tem de especial? Meu empregador tem todo o dinheiro necessário para comprar o presente que agrade a sua respeitosa mãe.

⎼ Não é uma guestão de dinheiro, beus queridos… é uma guestão que ele é beu e não está a venda. Sobente isso. ⎼ respondeu o Calishita.

⎼ O que ele tem de tão especial? ⎼ insistiu o jovem.

O mercador respirou fundo, olhou para os lados e se aproximou dos dois com um ar conspiratório no rosto moreno.

⎼ Não bosso vender borque é um dapete voador! ⎼ disse o homem dando uma piscadela e balançando o bigodão.

⎼ Ahhhh! ⎼ exclamou o malandro. ⎼ Surpreendente! Neste caso meu patrão entende a sua posição de reserva ao vendê-lo. ⎼ completou com um ar sério.

⎼ Entendo que não posso comprar porque não pode vendê-lo, ⎼ emendou o feiticeiro. ⎼ mas agora o senhor atiçou minha curiosidade e eu gostaria de voar nesse tapete voador e saber se isso é verdade mesmo.

O mercador pareceu incomodado com a sugestão. engoliu meio em seco, tentou desviar o olhar e balbuciou alguma coisa em seu idioma nativo, provavelmente um palavrão. Por fim, disse: ⎼ Beus jovens, vejam bem, isso é gomplicado.

⎼ Por favor, eu insisto! ⎼ disse o malandro. ⎼ Veja, lhe pagaremos vinte peças de ouro pelo passeio no tapete. ⎼ mexeu na bolsa. ⎼ Aqui está. ⎼ e entregou o dinheiro ao homem.

⎼ Certo! O que há de mal, não é besmo? ⎼ disse o Calishita, pegando as moedas.

⎼ Isso! Que bom que você entendeu o espírito da coisa. ⎼ incentivou o malandro.

⎼ Bas façamos assim. Após o fim da feira, me brocurem na estalagem O Goblin Trouxa, que então eu levarei seu batrãozinho para bassear de dapete voador.

⎼ Muito agradecido! ⎼ disse o jovem. ⎼ Até mais tarde então! ⎼ e começaram a se afastar.

⎼ Trouxa… trouxa é ele! ⎼ e riu o malandro.


Mais tarde, após o fim da feira, os parceiros começaram a se dirigir até O Goblin Trouxa, com o plano já passado e repassado algumas vezes. Ao entrarem na taverna, o mercador estava ali sentado em uma das mesas próximas à porta de entrada, o tapete enrolado e apoiado contra uma das cadeiras. Ao vê-los, ele levantou e pegou o tapete, sorridente.

Enquanto caminhavam até um local mais aberto no Distrito dos JardinsGarden District, o jovem perguntou: ⎼ O senhor não tem receio de deixar o tapete assim na taverna? E se alguém o roubar?

O homem deu uma risada. ⎼ Se alguém roubasse o dapete, de nada iria adiantar. Ele só obedece beus comandos.

⎼ Então para voar, só se vossa senhoria ordenar? ⎼ perguntou o feiticeiro.

⎼ Exatabente! ⎼ confirmou o mercador. ⎼ Aqui é um bom lugar bara decolar.

Ele estendeu o tapete no chão gramado de um jardim e meticulosamente removeu um cisquinho que estava ali. Levantou-se e disse com uma voz clara e límpida: ⎼ Dapete! Voar!

Como se houvesse uma bolsa de ar entre o tapete e a grama, o objeto começou a flutuar até uma altura de 15 cm, levemente se agitando e fazendo a grama ao redor balançar. os dois companheiros ficaram ali olhando maravilhados para o tapete, o feiticeiro curioso por saber qual seria aquela magia e o malandro cobiçoso do valor daquele objeto.

⎼ Vamos! Bodem subir, não há berigos! ⎼ disse o mercador subindo no tapete e sentando no “fundo”.

Os dois subiram, tentando sentir o equilíbrio sobre aquele objeto flutuante. Logo perceberam que embora fosse um tapete em pleno ar, sem nada para sustentá-lo, ele não cedia e nem deformava mediante o peso deles, acima. Sentaram-se virados para o mercador e cruzaram as pernas. O homem riu alto.

⎼ Não! Olhem bara a frente, beus queridos, e apreciem o voo! ⎼ disse ele apontando para o lado oposto.

Os dois se viraram e o Calishita ordenou: ⎼ Dapete! Adiante!

Então o tapete enrolou levemente as extremidades dianteira e traseira, jogando as franjas para dentro e começou a alçar voo sutilmente. Logo, o mercador começou a dar outros comandos como: “Dapete! Subir!”, “Dapete! Virar à direita!”, “Dapete! Virar à esquerda!”, mediante os quais o objeto obedecia, fazendo movimentos firmes, porém sutis. Não havia solavancos, não havia oscilações. Depois de algum tempo de voo para o deleite dos parceiros, o Calishita anunciou: ⎼ Vamos descer, já foi um bom passeio.

⎼ Não! Por favor! ⎼ disse o jovem. ⎼ Permita que eu tenha o prazer de fazer um movimento com o tapete! Seria possível?

O mercador fez uma clara e indisfarçada cara de insatisfação.

⎼ Vamos lá! ⎼ insistiu o jovem. ⎼ Eu lhe paguei vinte moedas de ouro e isso não é pouco. E vou lhe comprar o tapete mais caro para presentear minha mãe!

O Calishita pareceu pensar por um momento.

⎼ Certamente, beu jovem. ⎼ ele disse acenando positivamente com a cabeça. A gana por realizar uma boa venda falando mais alto do que a prudência. ⎼ Dapete! Obedeça a um cobando do jovem!

O feiticeiro ficou olhando para o mercador em busca de alguma dica.

⎼ Bode ordenar um cobando ao dapete, beu jovem. ⎼ confirmou o homem.

⎼ Tapete. Virar à direita. ⎼ disse ele, ao que o tapete obedeceu, fazendo um contorno à direita, porém levemente.

⎼ Jovem, você brecisa ordenar com convicção, senão ele não lhe obedece corretabente. É um bouco deimoso, sabe? ⎼ orientou o mercador.

⎼ Posso tentar mais uma vez? ⎼ perguntou o feiticeiro.

O Calishita acenou com a cabeça. ⎼ Dapete! Obedeça a um cobando do jovem!

⎼ Tapete! Virar à direita! ⎼ ele disse com mais convicção, impostando mais a voz, e o tapete, dessa vez, obedeceu perfeitamente.

Entretanto, despercebido do mercador, o comando do feiticeiro conduziu o tapete na direção das docas da Cidade BaixaLower City de Portal de BaldurBaldur’s Gate, e na direção do Rio Chiontar.

Então, o malandro, que estava quieto desde o início do voo, observando tudo com muita atenção, virou-se para trás com os olhos suplicantes para o mercador Calishita: ⎼ Por favor, senhor! Posso lhe fazer um pedido? Somente um? Permita que eu experimente comandar o tapete uma vez. Somente uma vez, para que eu possa contar aos meus filhos!

O mercador olhou para o jovem “patrão”, em busca de alguma aprovação.

⎼ Sim, pode deixar o homem tentar uma vez. ⎼ adiantou-se o jovem. ⎼ Se for necessário, pago-lhe algumas moedas a mais. ⎼ completou ele, ao que o mercador acenou positivamente.

⎼ Dapete! Obedeça a um cobando do homem! ⎼ disse o Calishita pela última vez na vida.

O malandro respirou fundo, trocou um olhar rápido com o seu parceiro e ordenou com um sorriso malicioso nos lábios: ⎼ Tapete! A partir de agora só obedeça aos meus comandos!

O mercador arregalou os olhos e antes de abrir a boca para dizer sabe-se lá o que, levou uma cotovelada no estômago e caiu da borda do tapete voador até o rio, de uma altura considerável. Mesmo que tivesse sobrevivido à queda, não sabia nadar, como um bom homem do deserto.

⎼ Trouxa! ⎼ disse o malandro, satisfeito. ⎼ Agora vamos ver o que há de interessante naquele cesto cheio de cobras que dançam ao som da flauta.

E os dois riram sobre o tapete voador.

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