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                |  Por Yure Machado
 |   Os 
            Últimos Dias de Glória - Contos 
 
    
              Sonho de uma noite de primavera       Faerûn, 
              primavera de 1372:     "Estava 
              sentado à beira de um precipício, com as pernas balançando 
              ao vazio, sei que muitos diriam que não se deve ficar assim 
              em um lugar como aquele, mas nunca dei muita atenção 
              a esse tipo de comentário, por isso muitos me chamam de "o 
              inconseqüente", sem noção, e qualquer outra 
              coisa que o valha. Mas estou de novo nesse lugar, e vejo sempre 
              a mesma paisagem, na base da montanha encontra-se uma bela e tranqüila 
              praia, cujo único som é o rugido do mar chocando-se 
              nas rochas. Não sei porque volto aqui, esse lugar amaldiçoado, 
              onde perdi parte de minha alma... Sim, a cena de ver Diana caída 
              naquela praia, trespassada por aquela lança desgraçada, 
              uma agonia imensurável, indescritível apoderou-se 
              de mim, sentia a vida e alegria sendo arrebatada do meu ser, restando 
              a angustia do nada que me preenchia. Como poderia ela estar morta 
              e eu, que tantas vezes desafiei a morte, e até dela já 
              retornei, estar aqui? Esse foi o momento do esmorecimento do meu 
              coração.      Mas, 
              depois veio à intensidade da cólera, da revolta, da 
              perda da fé. Malditos sejam todos os deuses, com sua veleidade 
              imortal, nos têm por peões de préstimo momentâneo, 
              insensíveis ao sacrifício dos mortais para salvar 
              o mundo que tanto prezam. Apesar de tudo que eu e meus companheiros 
              fizemos, a indiferença às súplicas para trazer 
              minha amada Diana de volta despertou uma intempérie dentro 
              de mim, e reneguei a todos aqueles seres divinos aos quais eu devotava 
              a minha fé. Também sentia ódio de todos aqueles 
              culpados pela sua morte, Feldim, o anão, e Mor'Ha'Dur, o 
              dragão.      Logo 
              após larguei meus companheiros e a vida de lutas e aventuras, 
              sem um rumo certo. Lembro-me que desde então eu tentava encontrar 
              nas distrações mundanas um anestésico para 
              a dor de minha alma, vagava desvairado pelos prazeres da noite, 
              mergulhado nos vícios do jogo, da bebida, e também 
              das mulheres, possuídas sem qualquer sentimento. Enquanto 
              que o dia devotava a navegar pelo Mar das Estrelas Caídas 
              na busca insana do covil de Mor'Ha'Dur. Até o dia em que 
              reencontrei velhos amigos dos dias trágicos, e com eles coloquei 
              minha vida em jogo enfrentando perigos, e mais uma vez saí 
              incólume, como se a morte me evitasse. E devo confessar que 
              estar envolvido naquelas aventuras me trouxe momentaneamente de 
              volta à vida, mas desde que as coisas se acalmaram, uma inquietude 
              me dominou, a lembrança dela está mais viva do que 
              nunca, não sei mais o que fazer.     Mas 
              porque estou de volta a esse lugar? Hoje, ao contrário daquele 
              dia infeliz, só sinto o cálido brilho do sol e a fresca 
              brisa em um calmo dia de primavera, sinto-me até culpado 
              por sentir certa paz neste momento.     Mas 
              então, ouço uma voz querida falar-me: - Meu querido 
              Arthos, como podes estar tão atormentado por pensamentos 
              amargos? Nem parece aquele elfo vivaz e alegre que me roubou o coração! 
              - falou num tom faceiro, trajada em um vestido vaporoso, escarlate 
              como sangue, que bailava ao vento, deixando à mostra suas 
              belas pernas, a negra cabeleira cobria parte do rosto, mas nada 
              podia encobrir aqueles olhos de esmeralda, vivos e intensos.     Naquele 
              momento fiquei atônito. Uma onda de felicidade me dominou! 
              Mas, com podia... Estaria eu ficando louco? - 
              Ora meu amado, não estás insano, vim aqui apenas confortar-lhe 
              o espírito, e dizer umas verdades, seu Arthos Fogo Negro! 
              - disse ela em tom jocoso, como fazia quando viva. Ela se aproximou, 
              acariciou meu rosto, lágrimas da minha alegria molharam seus 
              dedos.
 - 
              Diana... Que falta tu me fazes - e abracei-a. Beijou-me suavemente, 
              e o olhar esmeraldino me fitou, o sorriso que se forma vem seguido 
              das palavras:
 - 
              Arthos, não jogues fora tua vida. Ficarás perdido 
              eternamente na dor e na solidão, remoendo o passado, só 
              levando-o a autodestruição. Será um longo e 
              penoso caminho, pois não te esqueças que o tempo se 
              arrasta para ti sendo um elfo. Lembre-se que o destino tem vias 
              misteriosas, às vezes temos que passar por certas dificuldades 
              por um bem maior. Ainda há muito que fazeres, juntamente 
              com teus amigos. Faerûn e seus habitantes necessitam de heróis 
              para lutar pela liberdade e pela paz! Regozija-te do caminho que 
              escolheram trilhar, pois a glória ilumina-o! E não 
              se preocupe comigo, pois meu amor sempre o acompanhará, incentivando-o 
              a lutar, e nunca desistir.
 Tentei 
              falar alguma coisa, mas estava paralisado, inebriado com sua presença, 
              deleitava-me com sua voz, bebia suas palavras como néctar 
              vitalizante, sentia uma nova força insurgir no meu ser, renascendo 
              a vontade de viver. De repente vejo o sol dourando o céu 
              e o mar com seus raios acalentadores num belo crepúsculo 
              primaveril, então percebo que todos devem ter o direito de 
              vivenciar tais momentos, que o mundo ainda tem bons motivos pelos 
              quais lutar.
 - 
              Minha bela Diana, eu agora compreendo. Tolo que fui, em me entregar 
              às fraquezas e fugir de tudo. Como pude desprezar àquilo 
              que você mais prezava neste mundo, algo que amava intensamente: 
              a vida, além de mim é claro! - Ela ri, parecendo tão 
              viva como nunca, ou até mais.
 - 
              Arthos, Arthos, nunca mudas esse teu jeito hein? Continue assim, 
              pois esse é o elfo por quem me apaixonei!
 -Você 
              está radiante, como nunca. - Só então me dou 
              conta que realmente dela emanava um pálido brilho prateado, 
              que a envolvia. De repente o vento ficou mais forte, os fios de 
              seu cabelo literalmente bailavam soltos no ar, e ela mesma parecia 
              prestes a se deixar levar, dotada de uma leveza etérea.
 - 
              O tempo escoa, teremos que nos separar novamente, mas desta vez 
              iras jurar-me que abraçará a vida com todo ardor, 
              pois assim como teu nome, tua alma é uma chama que queima 
              incontinente, que se apagada, nada serás senão um 
              grande vazio que me arrasta, pois sofro junto com você através 
              dos teus pensamentos que clamam por mim. Se me queres feliz, o seja 
              também.
 -- 
              Mas Diana... Ainda há tanto que queria lhe dizer... - Ela, 
              já flutuando no vazio, tendo o precipício sob os pés, 
              cinge minha cabeça ao seu colo, e beija-me pela última 
              vez. E quando nossos olhos se encontram percebo que não há 
              mais nada a ser dito, naquele simples gesto finalmente nos entendemos, 
              então, ela simplesmente se desfaz no ar, e miríades 
              de pontos luminosos voam e juntam-se às estrelas no firmamento. 
              De repente me dou conta que estava como ela à beira do penhasco, 
              e despenco em queda livre, mas tão prazerosa era a descida, 
              sentia-me um falcão no mergulho... Aquilo sim era viver!".
 ***     Na 
              sala de jantar na fortaleza de Amir Ibicus realizava-se um animado 
              almoço, no qual se notavam os membros da aclamada Comitiva 
              da Fé. Estavam todos presentes Ájax herói de 
              Arabel, Gilbert o gnomo, o mago "Garth" 
              Radamon e o seu discípulo Eran. Também se juntava 
              à mesa a jovem Frogsong e o anão Windolfin Braço 
              de Clangedin Barba de Prata. Por algum motivo o comandante da fortaleza 
              não compareceu ao almoço.     Gilbert 
              estava sentado ao lado de Frogsong, levemente corado, não 
              se sabe se pela bebida ou pela proximidade da moça, cheio 
              de sorrisos para com o pequenino, quando de repente ele se dá 
              conta de uma ausência na mesa, e pergunta a Ájax: "Parece 
              que Arthos se esqueceu do almoço"."É 
              verdade Gilbert. Nos últimos tempos ele mudou muito, desde 
              a morte da esposa. Soube que se deitou com a aurora e ainda não 
              despertou com o dia já alto. Os guardam disseram que ficou 
              bebendo até tarde ontem".
 "No 
              mínimo deve estar se recuperando de uma tremenda ressaca. 
              Realmente não sei onde vai parar esse elfo!" Comenta 
              o púbere Eran, aprendiz do mago Garth.
 "Hora, 
              meu jovem, deixe-o se divertir, às vezes é bom afundar 
              as mágoas num bom barril de cerveja!" Falou solenemente, 
              mas beirando o burlesco, o anão Windolfin, que sorveu um 
              generoso gole de sua caneca e bateu-a ruidosamente na mesa.
 "Não 
              concordo muito com isso". Manifestou-se Marlus "Garth" 
              Radamon, e prosseguiu. "Preferia nosso caro Arthos alegre e 
              impulsivo, apesar de sempre aprontar alguma e se meter em confusões, 
              levando-nos a todos juntamente".
 "Fico 
              surpreso em te ver proferir tais palavras Garth". Disse o herói 
              de Arabel e filho de Tymora, Ájax. "Sempre o achei bastante 
              sério para agora defender o comportamento um tanto leviano 
              do nosso amigo".
 "Ora, 
              não disse que concordo, apenas prefiro-o daquele jeito a 
              como está agora!" Defendeu-se o mago.
 "Devo 
              dizer-lhe então que suas preces, não sei dizer se 
              profanas ou não, meu caro Garth, foram atendidas!" E 
              os olhares se voltaram para o dono da voz que insurgiu repentinamente 
              no salão.
 Fogo Negro se encontrava sobre a sacada de uma das grandes janelas 
              do salão. Estava visivelmente feliz, com um novo brilho nos 
              olhos, vestia um belo traje de espadachim e cingia na cintura um 
              sabre e bainha, ricamente trabalhados, parecendo antes um nobre 
              do que um aventureiro. Ninguém sabia onde ele estava para 
              surgir pela janela, mas ninguém se surpreendeu vindo de quem 
              vinha. Ele curva-se ante os companheiros, dizendo:
 "Amigos, peço desculpas a todos pelo meu atraso, mas 
              acontecimentos um tanto quiméricos me fizeram atrasar". 
              E aproxima-se da mesa e toma um lugar. "Mas também são 
              as causas da alegria que me acomete, pois que lhes digo! O velho 
              Arthos morreu e das cinzas ressurgiu um novo, restaurado na vontade 
              e na fé, pronto para encarar a vida e todos os entusiasmantes 
              desafios daqueles que seguem o caminho da aventura e da luta por 
              um mundo melhor!" E erguendo um cálice com a destra 
              exclama: "Um brinde a Comitiva da Fé, que haverá 
              de combater onde e quando a paz e a liberdade estiverem ameaçadas! 
              Vida longa aos dias de glória da Comitiva!" Então 
              todos brindam alegremente, satisfeitos pelo restabelecimento do 
              amigo.
 "Arthos, 
              qual o motivo dessa mudança?" Questiona Garth.
 "Acredita 
              em sonhos, meu velho?".
 "Por 
              quê a pergunta?".
 "Porque 
              quando os sonhos se tornam reais, ou são reais, coisas maravilhosas 
              acontecem, verdadeiras transformações podem nos acometer!" 
              Todos notam o semblante de felicidade na face do elfo. "Sabe, 
              Garth, aprendi que um amor de verdade nunca é perdido, apenas 
              se transforma, e deve ser guardado como um momento único, 
              vivido no instante certo na hora certa, nem mais nem menos" 
              Falou Arthos, como se vislumbrasse uma cena longínqua. "E 
              foi-me preciso reviver esse momento para reaprender o amor à 
              vida, que ela tanto me ensinou".
 Todos 
              ficaram surpresos e pensativos com as palavras proferidas pelo inconseqüente 
              Arthos Fogo Negro. Ájax suspira perdido em lembranças, 
              Windolfin tenta disfarçar uma lágrima teimosa, Garth 
              sente saudade da esposa distante e Eran torce a sobrancelha de modo 
              enigmático, e Frogsong encantada abraça a cabeça 
              do pequeno Gilbert dizendo: "Ah, o amor não é 
              lindo, Gilbert?" E este meio sem jeito frente a reação 
              da moça, gagueja "É...é, Frog, Frogsong..." 
              De repente a jovem se dá conta do que fazia e soltou o gnomo 
              meio envergonhada, e acidentalmente derruba uma taça de vinho 
              sobre a barba de Windolfim, que animado pela cômica cena fala 
              "Ora Frogsong, como se atreve a desperdiçar tão 
              bom vinho!" E gargalhadas ecoam pelo salão.
 Arthos 
              aproveitando a deixa propõem outro brinde em meio à 
              empolgação de todos "Um brinde a esse momento 
              de alegria, e aproveitemos bastante, pois algo me diz, que em breve 
              novas aventuras nos aguardam!" E assim a Comitiva desfruta 
              de raros momentos de festa e confraternização
 
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