| 
               
                |  Por Louis Bear
 |   Os 
            Últimos Dias de Glória - Contos 
 
   Um passeio em Cormanthor     03 de Alturiak de 1361Hutail, casa de Iorek e Glenna.
 Norte de Cormyr
 Os 
              últimos ventos gélidos do inverno sopravam naquela 
              noite como se para levar para longe tudo o que pudesse ser carregado, 
              enchendo a noite de lamentos fantasmagóricos e o ranger de 
              arvores que se curvavam mais um pouco contra sua fúria implacável.
 Deitado 
              em sua cama, Iorek Jester Bergson abraçava o corpo pequenino 
              de sua esposa. As horas escoavam lentamente na escuridão 
              que era quebrada vez ou outra pelo lampejo mortiço de um 
              relâmpago distante.
 Glenna 
              Ilka Lusbel, sua muito estimada esposa, soluçava baixinho, 
              imaginando-o a dormir. Mas Iorek estava acordado e sentia cada lágrima 
              que molhava sua camisa, lágrimas que feriam seu peito tão 
              profundamente quanto uma punhalada. Cada suspiro dela era como um 
              golpe em seu estomago, tirando-lhe o ar dos pulmões...
 Há oito meses atrás a mãe de Glenna, Yule Lusbel, 
              morrera de alguma doença que Iorek não conhecia. Primeiro 
              definhara e pouco a pouco se tornara tão fraca que mal conseguia 
              abrir a boca para comer... E como eles moravam a poucos minutos 
              de caminhada da casa de Yule, estavam quase sempre ao lado dela, 
              vendo-a fenecer aos poucos, sem poder fazer nada.
 E 
              desde então a sua pequena tinha se entregado a um sofrer 
              tão intenso que a impedia de adormecer tranqüilamente 
              todas as noites e, é claro, a Iorek também, que não 
              sabia maneiras de fazê-la esquecer sua dor.
 Fingindo 
              acordar, ele moveu-se um pouquinho, para ajeitar o corpo, causando 
              um sobressalto em Glenna. Sem pressa, ele acariciou sua face e enxugou 
              uma lágrima, com tanta ternura no movimento que apenas causou 
              uma nova onda de soluços nela. Ele a abraçou com força.
 -- 
              Meu amor! - ele falou, num sussurro. - Deixe que sua mãe 
              fique em paz ao lado de Mielikki. Se você chorar assim todas 
              as noites ela não estará bem, lá na floresta 
              encantada da Deusa...
 -- 
              Ai, Iorek... - ela soluçou, como se a dor fosse mais física 
              do que realmente o era. - Ai... Eu sinto a falta dela, Iorek, sinto 
              muita falta dela... E agora que meu pai veio e levou o meu irmãozinho... 
              Todos os meus parentes se foram...
 -- 
              Glenna, minha pequena, Sirius está bem, você sabe disso! 
              Seu pai o levou para que ele tivesse um treinamento militar, porque 
              tinha sido este o caminho que ele mesmo havia seguido, e no qual 
              ele acredita com todas as forças.
 -- 
              Eu sei disso... Mas ele é tão novinho, o meu garotinho... 
              - E voltou a chorar com força redobrada.
 O 
              velho Stanne, pai de Glenna e Sirius, havia chegado perto do aniversário 
              de Iorek, no mês de Nightall, e levara o garoto para longe, 
              em direção a Águas Profundas. Iorek conseguira 
              com muito esforço que ele lhe dissesse o nome do mestre a 
              quem ia entregar o garoto para que fosse criado e treinado: Alisander 
              Donagh. Tinha feito isso para o caso de ter que ir procurá-lo 
              algum dia, ou se Glenna resolvesse ir visitar o irmão naquela 
              cidade distante e que tantas estórias fantásticas 
              trazia atreladas ao seu nome.
 Pouco 
              a pouco o choro foi minguando. Ele acariciava seus cabelos castanhos 
              claros com a ponta dos dedos, pousando vez por outra um beijo delicado 
              em sua testa e em seus olhos.
 Ficou assim por vários minutos, até sentir que ela 
              havia adormecido. Esperou mais alguns minutos, para ter certeza 
              de que ela não tentava enganá-lo, então retirou 
              cuidadosamente o braço que envolvia seu corpo pequeno e frágil. 
              Puxou a grossa manta até cobri-la por inteiro e juntou o 
              restante da mesma em volta do seu corpo pequenino, a fim de criar 
              um ninho aconchegante.
 De pé, ao lado da cama, ele ficou por outros longos minutos 
              observando a respiração lenta e cadenciada da mulher 
              dormindo. Era a sua vez de chorar um pouco, e ele o fez, sem medo 
              de parecer tolo. Aquela mulher ali deitada era a coisa mais perfeita 
              que havia entrado em sua vida. Ele a amava com todas as forças 
              e, vendo seu sofrimento, sofria junto com ela.
 Silencioso, 
              vestiu uma roupa e saiu pela porta dos fundos da casa para a noite 
              fria. Caminhou em silêncio até o pequeno celeiro, lutando 
              um pouco contra a resistência do vento e abriu a porta com 
              cuidado, para não fazer muito barulho.
 Lá 
              dentro, tudo era escuridão, só quebrada pelos relâmpagos 
              que riscavam o céu no horizonte. O odor de forragem começando 
              a mofar e excremento de animais invadiu suas narinas. O ar frio 
              lá de fora tornava-se morno com a respiração 
              dos cavalos e outros animais que ali se encontravam.
 Tateando, chegou próximo a Ramsay, seu cavalo, e fez-lhe 
              algum carinho na fronte.
 Sempre às cegas, arreou e selou o animal. O pobre coitado 
              não se opôs, era bem treinado para isso. Mas se pudesse 
              ser consultado teria preferido ficar ali, no celeiro, que era um 
              lugar quente e protegido.
 Iorek 
              subiu para o dorso do animal bem devagar. E puxou as rédeas 
              para que Ramsay se dirigisse à porta.
 * * *
      No 
              horizonte a aurora já se anunciava. Com 
              o corpo tencionado qual corda de arco prestes a disparar, Iorek 
              ia ao lombo de Ramsay, olhos atentos, espreitando os recantos mais 
              distantes que a densa floresta ao redor permitia.
 Aquela era uma floresta particularmente esquisita. Mesmo no auge 
              do inverno, era como se a primavera estivesse chegando ao fim de 
              seus dias. Era um lugar que Iorek relutava em entrar, pois bem o 
              sabia, era lar das coisas mais esquisitas.
 Mas 
              aquela, com certeza era uma ocasião especial. Ele precisava 
              se esforçar e encontrar alguma tulipa perdida no meio daquele 
              verde opressivo e inquietante. E ele o faria, nem que tivesse que 
              revirar cada centímetro de terra dali até oVale das 
              Sombras... E caso não encontrasse nenhuma, bateria à 
              porta do tal sábio que morava nesta vila tão distante 
              (a quem chamavam Elminster, e do qual já ouvira contar algumas 
              estórias fantásticas) e pediria que ele lhe fizesse 
              uma utilizando-se de seus sortilégios...
 Um 
              sorriso brincou nos lábios de Iorek, ante este pensamento.
 Provavelmente, 
              se é que este tão estranho senhor existia realmente, 
              ele o transformaria na tal flor, e o cavalo que se virasse para 
              entregá-la a quem quer que Iorek fosse presentear.
 O 
              sorriso morreu aos poucos em seu rosto e deu lugar ao semblante 
              carregado de quem estava preocupado com a coisinha pequena e desprotegida 
              que dormia a alguns quilômetros dali. Ele precisava ser rápido, 
              sem dizer que precisaria também de uma dose gigantesca da 
              sorte de Tymora para que encontrasse a tal flor sem muita demora.
 Ia 
              espreitando de dentro da manta que enrolava seu corpo para protegê-lo 
              do frio, quando sentiu que sua montaria se inquietava. Era estranho 
              pra ele ver seu companheiro inquieto daquela forma. Lentamente, 
              por debaixo da manta, ele sacou sua espada e aguçou os sentidos.
 Ramsay deu muitos passos de maneira tensa, mas nada em volta parecia 
              trazer mais perigo do que um esquilo assassino ou um passarinho 
              suicida. Assim ia pensando Iorek, quando avistou ao longe um ponto 
              bruxuleante de um vermelho vivo, enchendo de esperanças o 
              seu coração.
 Aproximou-se de maneira descuidada, a única coisa que lhe 
              importava era achar logo uma tulipa e voltar pra casa, para sua 
              Glenna.
 Um 
              sorriso iluminou seu rosto.
 Viva, 
              e tão bela que fez seu corpo se aquecer de paixão, 
              a tulipa se projetava de seu caule, perfeita em suas formas e solitária 
              como um coração abandonado, no meio da floresta.
 Desceu 
              da sela e aproximou-se, enfeitiçado.
 Sua 
              mão já ia a poucos centímetros dela quando 
              ele foi surpreendido por um ser que se movia rapidamente, saído 
              de trás do tronco de uma arvore próxima, e caminhando 
              em sua direção.
 Iorek levantou os olhos e vislumbrou a graça do ser que se 
              aproximava, com seus cabelos dourados e pele pálida, os olhos 
              brilhantes e sérios encarando-o a reprová-lo, mão 
              no cabo da espada e atitude hostil.
 A 
              cena, não fosse trágica, seria cômica: Iorek, 
              braço esticado para a flor, rosto virado para o ser, imóvel, 
              com cara de espanto. A despeito do risco que corria, sorriu. E o 
              ser não suportou a hilaridade da situação, 
              sorriu de volta por um átimo, e falou, em bom tom:
 -- 
              Afasta a tua mão imunda do que não tens permissão 
              para colher, humano.
 Recolhendo 
              rapidamente o braço, Iorek voltou a raciocinar rapidamente. 
              Ele deveria estar sendo observado já há algum tempo, 
              motivo pelo qual Ramsay se mostrava inquieto. E aquele ser que o 
              observava, agora lhe falava, e com certeza era um dos elfos da floresta, 
              com suas orelhas pontudas e ágil como uma pantera. Era melhor 
              não se mostrar hostil, porque com toda a certeza ele não 
              estava só e ademais ele estava invadindo os domínios 
              do elfo. Que direito tinha ele de se apossar de algo na casa dos 
              outros?
 -- 
              Perdão, homem fada, não tinha a intenção 
              de ofendê-lo com minhas ações. - Parecia a Iorek 
              a coisa certa a dizer, e ele regozijou-se por notar que estava certo.
 -- 
              Não ofendes a mim, mas a Corellon, que colocou aí 
              esta flor para embelezar a casa dos elfos. Porque não podes 
              apenas admirar a beleza, sem destruí-la, humano? - Vendo 
              a atitude pacífica do homem, o elfo afrouxou a mão 
              no cabo da espada e assumiu uma postura menos ofensiva. - Os homens 
              teimam sempre em destruir o que está pela frente... Só 
              irão parar quando tiverem destruído todas as obras 
              de Corellon?
 -- 
              Perdão novamente, homem fada. Eu não tinha más 
              intenções em meu coração.
 -- 
              Destruir a vida não é má intenção?
 -- 
              Sim, é uma má intenção, mas eu não 
              estaria fazendo isso em vão.
 -- 
              Não? E em nome de que você imagina que pode destruir 
              uma vida?
 -- 
              Uau... Pensando desta forma começo a me sentir um monstro...
 -- 
              E monstros fazem monstruosidades, tal qual a que você estava 
              prestes a fazer, não fosse eu a impedi-lo.
 -- 
              Juro-te, elfo: não tinha intenções nefastas 
              em meu peito. Colhia esta flor para presenteá-la a minha 
              esposa, como forma de tentar alegrá-la, porque anda triste 
              com a partida de sua mãe para o éter e de seu irmão 
              para longe...
 -- 
              E alegra-la-ia ver uma flor morta, humano?
 -- 
              Bem... - E coçando a cabeça de modo displicente, continuou 
              Iorek: -- Ela adora tulipas, e sempre ficou muito feliz todas as 
              vezes que eu trouxe uma de presente para ela. Como passou a noite 
              a chorar, e só dormiu a pouco, decidi fazer-lhe uma surpresa, 
              buscando pra ela uma prenda que a deixaria feliz, ao menos ao despertar...
 -- 
              Ainda assim eu não concordo com suas ações, 
              mas diante de (e a despeito da monstruosidade da ação) 
              atitude tão nobre, dar-te-ei a oportunidade de se explicar 
              com outro alguém, de sabedoria infinitamente superior à 
              minha, que decidirá por sua iniqüidade.
 -- 
              Se prometeres que não levará muito tempo, vou sim... 
              Mas ficaria feliz de retornar à minha casa antes de minha 
              esposa despertar.
 -- 
              Vocês humanos, de vida tão curta, sempre com pressa. 
              - O elfo pareceu divertido com a situação, mas manteve 
              da melhor forma a sua postura. - Quem decidirá pelo tempo 
              que irá durar tudo isso não serei eu, e vamos logo, 
              já que estás tão aflito em voltar logo para 
              casa.
 Assim dizendo, o elfo se colocou a caminhar depressa, e foi acompanhado 
              por Iorek, montado em seu cavalo.
 Caminharam 
              por pouco tempo. E durante o caminho o elfo acrescentou:
 -- 
              Conhecerás Medras Ilhiar, meu pai e regente da casa dos Ilhiar. 
              Ele não está muito longe, agora.
 Iorek 
              se perguntava se conheceria uma morada dos elfos, coisa que jamais 
              imaginara poder acontecer, já que os elfos eram tão 
              reservados e evitavam visitas desnecessárias em seus domínios. 
              Mas logo ele compreendeu que não seria desta vez que veria 
              as belezas daquela raça.
 Sentado em um velho tronco caído e meio apodrecido, um outro 
              elfo com aparência mais velha observava os movimentos dos 
              três seres que se aproximavam: o elfo, Iorek e sua montaria.
 Com 
              um sorriso nos lábios ele os recebeu, um olhar curioso direcionado 
              a Iorek.
 -- 
              Meu senhor - iniciou o elfo recém-chegado. - Trago para a 
              tua apreciação um caso que não ouso julgar 
              - E assim falando, relatou de maneira bem elaborada (e muitas vezes 
              floreada, para espanto de Iorek) toda a estória que havia 
              ouvido há pouco. Assim que terminou a narrativa, fez uma 
              reverência ao alto elfo e tocou gentilmente o ombro de Iorek, 
              retirando-se da presença de ambos no momento seguinte.
 Por 
              longos minutos que ao humano pareceram séculos, o sábio 
              contemplou a paisagem ao redor e por vezes sem conta pousou um olhar 
              inquisidor sobre o causador de tamanha balburdia em seus domínios. 
              E quando Iorek já achava que esta era uma espera vã, 
              a voz do elfo foi ouvida pela primeira vez. Uma voz calma, mas que 
              demonstrava toda a autoridade do numero de anos que aquele ser já 
              deveria ter visto passar:
 -- 
              Está claro como a luz do Sol para mim, que os jovens de meu 
              povo estão cada vez mais se deixando contagiar por paixões 
              frívolas, que outrora eram atípicas à nossa 
              raça. Uma questão tão simples de ser resolvida 
              jamais teria passado às mãos de outro, mas por alguma 
              razão que desconheço, meu jovem filho deu credibilidade 
              à sua estória.
 Iorek sentiu um vazio no coração e já via a 
              si mesmo voltando pra casa sem a flor quando seus pensamentos foram 
              interrompidos.
 -- 
              Entretanto, me parece que está enfermidade é algo 
              que se espalha pelo vento, e mesmo achando ser esta uma atitude 
              monstruosa, sinto me um tanto desconfortável em dizer-lhe 
              que parta sem sua prenda.
 Um 
              sorriso brincou nos lábios de Iorek.
 -- 
              Meus olhos vêem muitas coisas. Como se diz entre os elfos: 
              Se tens olhar aguçado, vereis tudo em movimento. - E ergueu-se 
              de onde estivera sentado. - Porem, vou abdicar de meu olhar e colocar 
              nas suas mãos a responsabilidade de seus próprios 
              atos.
 O 
              elfo sorriu e começou a caminhar, indicando a Iorek que este 
              deveria acompanhá-lo.
 -- 
              Existe aqui em minha floresta um lugar onde a verdade é a 
              única que pode adentrar. Um lugar encantado por meus ancestrais 
              com o intuito de conhecer a verdadeira natureza dos seres. -     E 
              olhou para o humano de forma inquiridora: -- Se o que você 
              diz é a pura verdade, não tens o que temer. Se o amor 
              que sentes por sua esposa é verdadeiro, nada irá acontecer-te, 
              mas aviso-o: Se for mentira o que reina em teu coração, 
              não sigas adiante. Dê meia volta e retorne para sua 
              casa. Dar-te-ei esta ultima chance.
 Iorek 
              olhou para o elfo, erguendo o sobrolho sem entender direito o que 
              estava acontecendo.
 -- 
              Todos os que entram neste lugar sagrado carregando a mentira em 
              seus corações são transformados imediatamente 
              em pedra. Você poderá comprovar de duas formas: Apenas 
              observando os que já foram petrificados, ou tendo a oportunidade 
              de se tornar um deles ou não, de acordo com o que você 
              carrega dentro do peito.
 -- 
              Qualquer mentira me transformará em pedra? - Perguntou Iorek 
              preocupado.
 -- 
              Não. Apenas se você estiver mentindo sobre o motivo 
              de querer destruir a beleza que Corellon criou.
 Iorek 
              sorriu.
 --Ufs!!! 
              Quase que eu dou meia volta e corro com meus próprios pés 
              até em casa! - E animou-se para continuar sua jornada ao 
              lado do elfo. - Quem é que nunca contou uma mentirinha à 
              toa? - E fez brotar um leve sorriso na face do elfo.
 Haviam 
              andado pouco, apenas alguns minutos, quando alcançaram uma 
              clareira ampla cercada de arbustos floridos. De um dos lados era 
              possível ver, bem acima das demais estatuas, a face acinzentada 
              de um elfo que o seu guia lhe apresentou como sendo Corellon, pai 
              de todos os elfos. O resto destas eram elfos em sua maioria, mas 
              aqui e ali era possível descobrir humanos, anões e 
              halflings, todos dispostos de forma que pareciam caminhar em direção 
              a estatua de Corellon.
 -- 
              Vê? - iniciou Medras. - Todos estes que aí estão, 
              um dia estiveram do lado de cá. Entraram no círculo 
              para provar sua honestidade e falharam...
 Iorek observou as estatuas. Todas, aos seus olhos, pareceram bem 
              "reais" e seu coração ficou miudinho, cheio 
              de temor. Se ele virasse pedra, jamais voltaria a ver sua amada. 
              E tentou novamente entender a essência da prova:
 -- 
              Quer dizer então que se a minha busca for verdadeira, e eu 
              não trouxer mentiras em meu coração com relação 
              apenas a esta busca, eu não me transformo em pedra? De verdade? 
              - Argüiu, a voz soando um pouco esganiçada para um homem 
              daquele tamanho.
 -- 
              Isso mesmo, humano. Se você tiver sido honesto e sua cruzada 
              for por um ato realmente nobre, você irá até 
              Corellon e irá pedir ao próprio, em alto e bom tom. 
              - E completou, reverente: -- Eu ficarei bem aqui, esperando para 
              ver se teremos mais uma estátua embelezando nosso círculo, 
              ou menos uma flor embelezando nossa casa.
 Dito 
              isso, calou-se e assumiu uma postura quase militar. Agora era com 
              Iorek.
 Ele 
              respirou fundo e pensou em sua pequena Glenna, deitada em sua cama, 
              dormindo o sono dos justos, sem suspeitar de nada que estava acontecendo. 
              Deu um passo vacilante em direção às estatuas 
              e nada aconteceu. Depois de dar o primeiro passo os outros foram 
              se tornando mais fáceis, e ele começou a observar 
              as faces dos homens e elfos que pereceram em suas buscas. Todos 
              traziam uma expressão confiante, e olhavam em direção 
              a Corellon. Ao menos eles não pareciam ter sentido dores 
              horríveis quando seus corpos começaram a se transformar 
              em pedra.
 Não 
              demorou quase nada e ele estava em frente à grande estatua. 
              Regozijou-o a idéia de que ao menos ele era o que tinha chegado 
              mais próximo de Corellon, pai dos elfos. E foi fazendo como 
              lhe havia indicado o seu guia:
 -- 
              É... - Coçou a cabeça, imaginando qual era 
              a melhor forma de pedir um favor a um deus. - Puxa vida, senhor 
              Corellon, eu estou aqui arriscando minha vida apenas pra te pedir 
              que me autorize a colher uma Tulipa em sua floresta, pra que eu 
              leve de presente à minha esposa que chorou a noite toda a 
              perda de seus entes queridos. - Fez uma pausa e pensou que deveria 
              estar parecendo um tolo diante de um deus.
 -- 
              Bem, se não for pedir demais, eu agradeceria do fundo do 
              coração, certo? - E sorriu para a estatua. Era um 
              sorriso confiante e ele fez uma mesura exagerada, virando as costas 
              para ela, confiante de que havia conseguido sua flor.
 Voltou 
              então para junto do elfo que o aguardava sem mover um só 
              músculo.
 -- 
              Então, já posso colher minha flor e correr pra casa, 
              antes que minha esposa desperte? -     Perguntou 
              ele, exultante.
 -- 
              Lamento, jovem humano, mas não será possível. 
              - Desculpou-se o sábio, e vendo a cara de espanto de Iorek, 
              tratou de explicar o motivo da recusa: -- Você ouviu a voz 
              de Corellon autorizando sua colheita?
 Iorek 
              teve uma sensação de que tinha se portado como um 
              bobo. Ele tinha ficado tão assustado e com vontade de sair 
              de junto da estatua que nem esperara o bendito deus dar sua resposta.
 -- 
              Você é um afortunado, homem! Corellon o devolveu ileso 
              para que retornasse à sua casa e vivesse ao lado de sua esposa. 
              Não lhe permitiu macular a casa dos elfos, mas lhe deu o 
              dom da vida! Corra para casa e beije sua esposa!
 Diante 
              desta perspectiva, Iorek pulou para o lombo de Ramsay e virou-se 
              em direção a sua casa. Agradeceu ao elfo e já 
              ia dando a ordem de que Ramsay necessitava para se colocar em movimento, 
              quando ouviu a voz de seu guia:
 -- 
              Traga sua esposa aqui! Adoraria conhecer uma mulher merecedora de 
              tamanho sacrifício! Deve ser uma criatura divina! - E fez 
              um gesto de despedida para Iorek, que bateu com as mãos no 
              flanco de seu cavalo e partiu, acenando brevemente para o venerável 
              elfo, não pela última vez. Ele traria Glenna para 
              esta floresta ainda naquela semana, sem falta!
 Fez 
              o caminho de volta a todo vapor, e ia pensando em tudo o que acontecera 
              naquela manhã. Ele não conseguira a flor, mas estava 
              vivo e moveria céus e terras para trazer a felicidade novamente 
              para o coração de sua amada. Nem teve tempo de ver 
              que o primeiro elfo que encontrara na floresta estava agora se juntando 
              a Medras.
 * * *
      -- 
              Meu pai?-- 
              Sim, filho meu?
 -- 
              Vejo um sorriso em seu rosto, o que faz o senhor se sentir tão 
              feliz nessa manhã?
 -- 
              O amor deste jovem pela sua esposa, é isso que me faz sorrir. 
              E acreditar que esta raça talvez tenha jeito, se existirem 
              pessoas com sentimentos tão nobres quanto o que fazia este 
              homem caminhar, neste glorioso dia de Corellon.
 -- 
              Vejo que decidiu permitir que ele colhesse a flor que tanto queria.
 -- 
              Não, eu não deixei!
 O 
              filho olhou para o pai, não entendendo muito bem o que estava 
              acontecendo.
 -- 
              Não me olhe com esta cara, criança!
 -- 
              Como não olhar? Se agora mesmo o senhor disse estar sorrindo 
              devido ao amor que este humano sentia pela esposa? - E sem deixar 
              espaço para o pai se defender, emendou:
 -- Posso saber o motivo de o senhor ter trazido o humano para dentro 
              de nosso lar? Foi apenas para mostrar-lhe nossas estatuas, presente 
              de todas as raças amigas? E porque deixou que ele caminhasse 
              até Corellon sozinho, quando você sempre encontra um 
              pretexto de estar frente a estatua para pedir suas bênçãos?
 O 
              pai sorriu, as maçãs do rosto tornando-se rubras, 
              então explicou, divertido:
 -- 
              Sabe, filho, eu inventei uma certa estória de que este lugar 
              era mágico, e que uma pessoa com intenções 
              nefastas no coração seria transformado em pedra, caso 
              entrasse no círculo.
 Nessa 
              altura da narrativa, o filho sorriu.
 -- 
              Vim com ele até aqui, mas então, como era eu o mentiroso, 
              temi que Corellon petrificasse a mim, ao entrar no círculo, 
              como premio por mentir em seu nome. - E deu uma risada hesitante.
 -- 
              Entendo, meu pai - emendou rindo o outro elfo. - Mas porque, mesmo 
              depois de uma prova de tamanha coragem, você não permitiu 
              que ele levasse sua flor?
 -- 
              Porque, enquanto ele ia cegamente acreditando que aquele homem de 
              quase três metros de altura e aquele anão de dois metros 
              um dia teriam sido seres vivos, eu secretamente entrei em contato 
              com sua mente, descobri onde morava e pedi um favor a uns velhos 
              amigos que vivem lá pros lados de Hutail.
 -- 
              E o que seria este tal favor?
 -    - 
              Vejo que a pressa da raça humana realmente andou contagiando 
              meus jovens filhos - brincou ele. - Vamos, vamos arranjar umas frutas 
              e fazer nosso desjejum. No caminho irei contando a idéia 
              que tive.
 E 
              entraram na floresta.
 * * *      Iorek 
              entrou em casa com um sorriso nos lábios. Estava a ponto 
              de explodir de tanto contentamento. Foi até a cama e ficou 
              observando por um momento sua pequena dormir. Depois saiu de mansinho 
              e tomou um banho.Voltou 
              para perto da cama carregando uma bandeja improvisada com uma tábua, 
              onde havia colocado todas as coisas que sua Glenna gostava de comer 
              no desjejum.
 O 
              dia já ia adiantado, mas parecia noite alta, dentro do quarto. 
              Ele foi até a janela e abriu de mansinho, olhando pra fora 
              e certificando-se de que tudo estava em ordem.
 Chegou 
              novamente junto a Glenna no exato instante em que ela moveu o corpo 
              debaixo das cobertas. Sentou-se ao lado dela, segurando a bandeja.
 -- 
              Hora de despertar, meu amor, que o sol já raiou há 
              tempos!
 Glenna 
              olhou a bandeja repleta e sorriu. Recostou-se na cama e, sem deixar 
              de sorrir, tomou um gole de leite morno e comeu um naco de pão. 
              Colocou gentilmente um pedaço de queijo fresco na boca de 
              Iorek e riu enquanto ele fazia uma careta de contentamento.
 -- 
              Me perdoa, Iorek... -- Ia dizendo, mas Iorek a fez calar com um 
              beijo. E assim eles terminaram a refeição num silêncio 
              divertido, já que Iorek não parava de fazer das suas, 
              e arrancava risos de sua esposa a cada instante.
 Quando 
              a bandeja improvisada estava completamente vazia, Iorek depositou 
              a mesma ao lado da cama e recostou-se nas almofadas, trazendo Glenna 
              para o calor de seu abraço e beijando-lhe a boca com paixão. 
              Ficaram na cama ainda por longo tempo, e Iorek e Glenna amaram-se, 
              Glenna com suas tristezas e Iorek com seus segredos momentaneamente 
              esquecidos. E depois de haver saciado seus corpos, Iorek levantou-se 
              e ergueu sua esposa, envolvendo os dois numa manta quente.
 -- 
              O que você está fazendo Iorek? -Perguntou Glenna, rindo, 
              enquanto ambos tentavam manter um certo equilíbrio debaixo 
              da manta.
 -- 
              Tenho uma surpresa pra você - disse ele, tapando seus olhos 
              com a mão livre e caminhando desajeitado ao lado dela até 
              chegar junto à janela. - Isto é um presente meu e 
              de um certo amigo para você, minha amada. Espero que goste.
 Quando 
              a visão se acostumou à claridade do dia, Glenna prendeu 
              a respiração e deixou escapar uma lágrima. 
              Diante da janela um jardim florescera, da noite para o dia, magnífico. 
              Flores de todos os tipos emprestavam seu colorido a um verde viçoso 
              do gramado qual tapete verde. E o perfume que se erguia no ar era 
              tão fabuloso que deixaria um perfumista extasiado. E em meio 
              a toda esta beleza, várias tulipas de cores e tamanhos variados 
              davam o toque final ao espetáculo.
 Virando-se, e sem pedir explicações, Glenna empurrou 
              Iorek de volta para a cama. Haveria tempo de sobra para saber o 
              que acontecera e cuidar de seu novo jardim. Agora era o momento 
              de agradecer o presente.
 |