O que está por trás das edições do D&D e será que a quinta edição é a Definitiva? PT. 1

Ao longo das minhas décadas como jogador e como mestre, me deparei com uma série de dilemas trazidos pelo RPG. É importante dizer que os dilemas são com o jogo, suas regras, seu design. Não estamos aqui para criticar cenários, DMs ou apontar o dedo para alguém. Estamos analisando como um jogo pode evoluir a partir do interesse de seu público consumidor.

Algumas vezes vi sistemas tolherem excelentes ideias dos mestres, por mais que eles se esforçassem. Simplesmente, o jogo não contemplava alguns conceitos, fazendo com que eles tivessem que ser guardados para outras oportunidades.

Do que estamos falando?

Todo jogo de RPG se baseia em um sistema de regras. O D&D veio dos chamados Jogos de Guerrra, onde há uma simulação de combate (histórico ou não) e onde é possível ter um enorme número de peças envolvidas. Importante também destacar o papel das miniaturas para representar o status fotográfico do combate.

Gary Gigax, por exemplo, começou a participar de um movimento que diferenciava as peças entre elas. Algumas corriam mais, outras atiravam melhor à distância, outras eram melhores no combate corpo a corpo.

À medida que ele e seus amigos começaram a ficar experts nesse jogo, eles começaram a imaginar um jogo que fosse sobre fazer algumas missões especiais em um mundo de fantasia. Essas missões poderiam mudar o equilíbrio do combates com proporções épicas. Essas lutas (skirmishes) corriam em paralelo com a guerra (war) da campanha como um todo.

Haviam artefatos mágicos capazes de demolir castelos ou reconfigurar o terreno, porque a ideia era sempre usar tais itens para mudar um evento muito maior.

As classes por ele definidas no primeiro D&D tinham influências na literatura pulp e em uma fantasia épica, afinal, ele queria mudar guerras com seu novo jogo.

Acontece que o jogo se popularizou e passou a ter uma base de jogadores que, por exemplo, não queriam jogar com miniaturas. Eles queriam apenas imaginar as cenas! Outros personagens queriam apenas concluir as masmorras assassinas desenhadas pelos criadores do jogo e seus mestres.

E isso que escrevi é a pura verdade: houve um tempo que jogar RPG era, acima de tudo, sobreviver. Mas haviam aqueles que queriam viver. Queriam que seus personagens tivessem fama, status e dinheiro, assim como os lordes a quem eles serviam.

Os espólios secundários passaram a ser importantes e os personagens começaram a progredir a níveis não imaginados na concepção do jogo.

Vamos analisar a cada post alguns problemas desde sempre.

E qual é a proposta do texto?

A ideia deste texto é discutir algumas perspectivas do jogo, para lembrar que alguns defeitos são antigos e outros são novos. Só que a ideia de um sistema é fazer caber o máximo de situações em um mesmo conjunto de regras. Será que a 5ª Edição conseguiu resolver definitivamente este problema? É o que propomos a discutir nesta série de posts.

Efeito Esteira (Treadmill Effect)

Esse efeito é sentido à medida que os personagens avançam de nível. Enquanto progridem, certas criaturas não opõem desafio algum e por isso não são mais colocadas em jogo.

Com isso, parece que o mundo tem apenas aberrações até um certo nível, dragões em outros níveis, demônios, Semi-deuses e deuses. Nada mais de enfrentar lobos, ursos, orcs ou goblins.

Parecia que o mundo era despovoado de criaturas e isso era muito chato! Especialmente após um certo ponto de poder do personagem. Então fatalmente todo personagem terminava indo para trás dos portões de Mordor, em terras devastadas e desoladas.

Isso também podia ser visto nas aventuras, que se fossem projetadas para serem de 5º nível, você não econtraria mais kobolds (por exemplo).

Isso também se devia ao fato de que qualquer criatura valia ao menos 1 xp. Resultado: os personagens iam matar bandos inteiros de criaturas apenas para arredondar o XP. Isso era possível porque o personagem era infinitamente superior e imbatível se comparado aos oponentes.

Nunca me esqueço de uma carta do jogo Munchkin que representa isso perfeitamente: Ferver o formigueiro! Isso mesmo, pelas regras do AD&D, era possível ganhar milhares de XP jogando água quente em um formigueiro. Cabia ao mestre o bom senso de vetar o abuso dessa regra absurda.

Na 3ª edição do D&D, esse efeito ficava cada vez mais declarado, pois era necessário colocar arquétipos (templates) nas criaturas, Mesmo assim, você não veria mais aquele zumbi tradicional; você só encontraria zumbis joujou, e depois só zumbis joujou dessecrados e por aí vai. O número de caracteres no nome da criatura ficava quase idêntico ao XP que ela era equivalente!

A 4ª edição lançou o conceito de precisão restrita (bounded accuracy que escreveremos no próximo texto), só que mesmo assim, os poderes dos personagens colocavam eles em situações muito superiores. E o pior, o poder estava nos personagens e não nos itens mágicos (que foram de certa forma banalizados). Isso significa que, apesar de você fazer um jogo mais equilibrado, ainda há muito cuidado a ser tomado em criar um combate interessante.

Uma solução da 4ª Edição foi a descrição do papel (role) e do status dos monstros e um goblin líder poderia ser tão poderoso quanto um grupo inteiro de aventureiros. A ferramenta online de encontros também ajudava muito, pois calculava poderes e o ND do encontro, pelo número de participantes de cada lado.

A inovação para o jogo passou a ser de design. Faça mais combates seguidos, acima do que os personagens aguentam e eles irão eventualmente perder. Afinal, o poder deles irá sendo erodido a cada luta e se bem planejado, os levará além do limite. Assim, mesmo adversários fracos, mas em grande número, voltaram a apresentar um perigo que praticamente nunca existiu dentro do sistema de regras do AD&D ou do D&D 3ª Edição.

O maior problema da 4ª edição é que os personagens eram extremamente difíceis de serem mortos. O TPK nosso de cada dia ficava ameaçado e os personagens sabiam que sempre haveria alguma forma de sobreviver, se fossem competentes e tivessem montado personagens corretamente.

A 5ª edição parece ter herdado o espírito, de trazer aos jogadores a ameaça de morrer a cada combate. Não que seja fácil matar um equipe inteira. Pelo contrário, a 5ª edição ainda tem personagens extremamente resilientes e mais equilibrados. É bem comum que um personagem consiga fazer mais de uma função na equipe, ao contrário das edições anteriores.

Sendo assim, não há necessidade de se ter milhares de monstros. Basta você pegar uma criatura do Monster Manual e adaptá-la. Assim, o kobold, pode virar um leprechaun ou até mesmo um tipo especial de fera (não esqueça de dizer que ele tem garras, não espadas curtas!). Só que isso é implícito e pior, apesar de haver regras no DMG de como aprimorar o ND das criaturas, não vemos algo tão orgânico quanto a 4ª Edição. A ideia de voltar aos clássicos, como a 2ª e 3ª edições são muito mais para termos uma fonte de de ideias, que temos que adaptar na 5ª edição.

Confesso que estou me interessando muito pela ideia de projetar um combate que seja com apenas um tipo de criatura, com vários papéis (emulando a 4ª Ed.) e mesmo assim, usando o teatro da mente (sem miniaturas!).

…No próximo texto falaremos da famigerada precisão restrita (bounded accuracy).


Autor: Augusto Assad Luppi Ballalai

Imagem dedicada: Big Fight, retirada do Site Sly Flourish

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